sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Caminho para a aceitação da perda



              Esse é mais um outro livro que ganhei há anos atrás e só agora decidi ler. E é claro, o motivo por não ter lido antes foi porque eu já havia assistido o filme e, nesse caso, não havia gostado do final, pois era triste. Ponte para Terabítia foi escrito em 1977 por Katherine Paterson que nasceu na China, mas foi para os Estados Unidos quando ainda era criança. Recebeu vários prêmios literários, incluindo o prêmio Hans Christian Andersen, designado a literatura infanto-juvenil. A versão que tenho nas mãos foi traduzida por Ana Maria Machado, famosa escritora de literatura infantil brasileira.
            Jess é o único menino de cinco filhos de sua família, ajudando-a nos afazeres de casa enquanto o pai trabalha fora. Sua vida nessa cidade pequena era meio sem graça, até a chegada de Leslie, uma garota que veio da cidade, trazendo consigo sua imaginação fértil e seu conhecimento de mundo.
            Já aviso logo que esta resenha terá spoilers, pois não tem como eu falar desse romance sem debater pontos-chave importantes dessa trama. A autora escreveu essa história para consolar o filho David Patterson, após sua melhor amiga Lisa Hill morrer aos oito anos ao ser atingida por um raio. Por essa informação, dá até para adivinhar o que irá acontecer com Leslie no livro, e ele faz um bom trabalho quanto à aceitação de Jess com esse ocorrido. Por isso, vou focar no que mais me chamou a atenção.
            O livro é centrado depois da guerra do Vietnã (1975), por isso, há certas diferenças nos costumes, como o preconceito da cidade pequena com o uso de calça jeans e a falta de batom em uma mulher, considerando-a uma hippie, ou uma professora convidar um aluno para ir com ela a um museu sem pedir permissão aos pais, o que hoje em dia levantaria suspeitas. Porém, há certas passagens que fazem lembrar da minha própria infância, como a divisão das brincadeiras entre meninos e meninas. Leslie querendo brincar de corrida com os meninos já era motivo para ser zoada por eles. Como uma criança dos anos 2000, fui criada por essa divisão no recreio (com exceção de uma menina que jogava futebol com os meninos e dois meninos que brincavam com as meninas, provavelmente por não gostarem de futebol) e era assim: um dia as meninas brincavam de queimado e os meninos de futebol. Outro dia, as meninas brincavam de pique-pega e os meninos de futebol. Em outro, as meninas brincavam de pique-fada e os meninos de futebol. E mais outro, as meninas brincavam de polícia e ladrão e os meninos de futebol. Os meninos eram muito criativos nas brincadeiras, não é mesmo? Falando sério, não sei como estão as brincadeiras dos dias de hoje, mas gostaria de saber se as divisões entre coisas de menina e coisas de menino fazem bem para as crianças. Não lembro de essa menina e esses dois meninos terem sofrido algum preconceito no início, porém, não me surpreenderia se tivessem.
Hoje em dia, tentamos deixar as crianças à vontade com os seus gostos, independente de seu gênero, mas ainda sinto que existe essa exigência do menino ter que ser forte e não demonstrar o que sente, como quando Jess não abraça o pai mesmo sentindo falta do afeto e das meninas gostarem apenas de coisas bonitinhas e delicadas e não gostarem de esportes, como quando os meninos não aceitaram Leslie no início, se não fosse Jess perguntando para o líder se ele estava com medo de perder para uma garota. Isso é um caso para se pensar.
            Ponte para Terabítia teve uma adaptação para o cinema em 2007, produzido pelo filho da autora, que também foi um dos roteiristas e, é claro, tem suas diferenças. No filme, inverte as cores de cabelo dos personagens principais (Jess é loiro e Leslie é morena e com o cabelo bem mais curto no livro). Ele também é muito comparado com as das Crônicas de Nárnia. Mas esse livro não é de fantasia. A fantasia fica só na mente das crianças e não aparece muito quando comparada com o filme. Nem mesmo quando Jess corre para perto do riacho fugindo de um ser após a morte de Leslie, revelando ser o seu pai, querendo consolá-lo. Essa cena é do filme e não tem no livro, mas é uma cena bonita. O pai realmente vai consolá-lo perto do riacho, após Jess jogar as tintas que Leslie deu a ele de Natal. O filme, é claro, encurta e tenta atualizar para os dias de hoje o que tinha no romance, mas consegue pegar bastante coisa. O livro tem ao todo treze capítulos e é um slice of life (“pedaço da vida”) para crianças de onze, doze anos.
            Apesar do romance em si não ter muito a ver com As Crônicas de Nárnia, Leslie é uma leitora desses livros e se influencia nesses livros para criar Terabítia, dizendo que para chegar lá, precisava usar a corda presa na árvore e se balançar nela. Isso lembra de como os quatro irmãos chegaram à Nárnia pelo guarda-roupa. Ela empresta todos os livros para Jess depois. Leslie não é de família religiosa, por isso se encanta com a história de Jesus comparando-a com a de Abraham Lincoln, Sócrates e Aslam das Crônicas de Nárnia, que teve como base o personagem de Jesus Cristo. Isso é muito esquisito para uma cidade pequena, que vai à Igreja todos os domingos (menos a família de Jess, que só ia na Páscoa devido a mãe ter brigado com o pastor).

            Lembro do porquê não querer ter lido essa história quando a ganhei. Foi porque eu havia visto o filme e o que tinha acontecido com Leslie. Fiquei chateada, pois achava que esse filme era um daqueles clichês de que a criança que tem uma vida medíocre se transforma com a chegada de alguém cheio de ideias, melhorando assim a sua vida. Então o que aconteceu foi um BOOM para mim. Mas acho que esse BOOM é importante ser mostrado para as crianças, pois a vida nem sempre é flores. Ponte para Terabítia daria um ótimo livro paradidático para crianças de onze, doze anos. Também aconselho aos adultos que leem. Atravesse a ponte para o imaginário e se aventure com Jess pelo estranho lugar que é a realidade.

Um comentário:

  1. Só vi o filme mas achei que tratava de adolescentes em transformação num mundo machucado, mundo que meio estava desorientado e precisando de renovação... Sua resenha me fez ter vontade de rever o filme e ler o livro. Aprendi que ninguém consegue reproduzir um livro em um filme. É simplesmente impossível!

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