Antigamente, os contos de
fadas eram contados de forma oral e, nesse grande telefone sem fio, surgem
variações de uma mesma história. O Conto dos Contos – Pentameron,
escrito por Giambattista Basile, contém algumas dessas variações e muito mais.
A obra foi publicada postumamente entre 1634 e 1636 em napolitano, que hoje é
considerada uma variante da língua italiana, e é considerada a primeira
coletânea de contos de fadas do ocidente. Mas será que ela é boa? Vamos
descobrir:
Zoza era uma princesa que não ria por nada nesse mundo,
até que o fez quando uma velha entrou em uma discussão calorosa com um rapaz.
Zangada, a velha amaldiçoou a moça, dizendo que ia se apaixonar por Tadeo, um
príncipe que foi amaldiçoado a dormir até que uma mulher derrame uma ânfora com
suas lágrimas e o desperte. Desesperada, Zoza pediu ajuda às fadas, que lhe
deram uma noz, uma castanha e uma avelã e ela só poderia abri-las em momentos de
necessidade. De tanto chorar para despertar o príncipe, acabou por adormecer.
Uma escrava se aproveitou dessa situação, roubou a ânfora e se casou com o
príncipe. Com essa terrível situação, Zoza abriu a noz e a castanha e, de cada
uma delas, saiu algo que a escrava desejava. A malvada mandou o marido dar para
ela, ameaçando matar o filho que estava carregando no ventre. Depois que Zoza
lhes entrega de presente para Tadeo, a princesa abre a avelã, e dela sai uma
boneca. Sabendo que a escrava ia desejá-la, ela fala para a boneca incutir na
usurpadora o desejo de ouvir histórias. Quando Zoza entrega a boneca para
Tadeo, o brinquedo faz exatamente o que foi mandado, e o príncipe escolhe dez
mulheres para este serviço vendo se assim saciará o desejo da esposa.
Primeiramente, devo dizer que não recomendo este livro
para crianças. Apesar de contos de fadas serem associados ao público infantil, O
Conto dos Contos contém muito xingamento escroto, cenas de sexo, humor
escatológico, punições terríveis e trechos que hoje seriam considerados
racistas. Quando os contos de fadas foram criados, não existia essa noção de
infância. A criança era apenas um pequeno adulto em aprendizagem, por isso,
estas histórias eram para todas as idades, mesmo tendo este tipo de conteúdo.
Além disso, o romance tem muitas notas de página assim como referências antigas
e pouco conhecidas que já deixam alguns adultos irritados em ter que lê-las
para entender o contexto, imagina com uma criança.
Analisando os contos de uma forma geral, têm muitos com
temáticas parecidas. Como a do homem tolo que se dá bem no final em O conto
do ogro, Peruonto, Vardiello, apesar deste último ter sua burrice apenas
mencionada; mulheres que usam sua inteligência para resolver seus problemas
como em Violeta, O Serpente e Rosella. Apesar de todas as
histórias acabarem com uma lição, não pude deixar de notar algo: enquanto a
maioria dos antagonistas têm o fim que merecem, há contos em que os reis, mesmo
tendo feito algo nefasto, são perdoados no final como em O Dragão, Peruonto,
A Sábia e Sol, Lua e Talia. No primeiro e no último especificamente,
só a rainha má é punida enquanto o seu marido (que matou várias de suas amantes
e aprisionou a mãe do protagonista em O Dragão e traiu a esposa e
estuprou uma mulher em Sol, Lua e Talia) não sofreu nenhuma
consequência. Há também alguns contos em que os protagonistas não merecem o seu
prêmio no final, mas estes são poucos e sua maioria tem boas lições.
Quanto aos personagens (da história principal), são
típicos de contos de fadas. Zoza é a heroína que utiliza das coisas boas que
foram dadas pelos seus ajudantes mágicos para conseguir de volta o seu
príncipe. Tadeo é o servo da sua esposa, como o pai de Cinderela no conto dos
irmãos Grimm, e faz tudo o que ela quer senão ela mata o filho que está na
barriga. E a escrava Lucia, que ao contrário de como é retratado um escravo nos
dias de hoje, como alguém bom que é maltratado, ela é ruim e invejosa, mostrando
que existem pessoas tanto boas quanto más, independente do seu status social. Spoiler,
pula para o próximo parágrafo se não quiser saber: a escrava tem o final
que merece. Pena que o filho de seu ventre teve que pagar com ela.
Comentei no primeiro parágrafo sobre as diferentes
variações dos contos de fadas e que este livro possui algumas delas. Pois bem, A
Gata Borralheira; Sol, Lua e Talia; Petrosinela e Nennilo e
Nennela, que são versões italianas dos contos da Cinderela, A Bela
Adormecida, Rapunzel e João e Maria. Além dessas, há histórias como Cagliuso,
que tem semelhanças com O Gato de Botas; A Ursa lembra Pele de
Asno; O Cadeado e O Tronco de Ouro têm elementos que lembram
a história de Cupido e Psiquê. O formato de ter uma história principal
que contém outras pequenas é similar ao Mil e Uma Noites.
Há uma adaptação cinematográfica da obra de 2015, cujo
título é o mesmo do livro, tirando o Pentameron. Este filme apresenta a
releitura dos contos A Pulga, A Gazela Encantada e A Velha Esfolada.
E, por incrível que pareça, esta versão é mais sangrenta que a do livro. Todos
estes contos tiveram um “felizes para sempre” para a maioria dos personagens,
com exceção de uma das velhas de A Velha Esfolada, no romance enquanto
no filme, termina com tragédias agridoces. Outras diferenças é o destaque de
certos personagens, como por exemplo o da rainha de A Gazela Encantada,
que só aparece como uma pequena antagonista no início do conto, mas no filme é
a protagonista e vilã principal.
O
Conto dos Contos me entreteve como fã de contos de fadas.
Por isso, recomendo sua leitura àqueles que também gostam desta temática. Só
cuidado para não rirem de nenhuma senhorinha na rua. Suas maldições podem ser
bem potentes.