Será que estou trapaceando?
Afinal, esse não é o livro original, O
Grande Sertão: Veredas, lançado em 1956, pelo autor João Guimarães Rosa,
mas sim uma graphic novel, com roteiro adaptado do livro feito por Eloar
Guazzelli Filho e ilustrado por Rodrigo Rosa. Mas no final das contas, uma
história em quadrinhos consegue expor tudo do livro sem mudar sua essência? Antes
de entrar nessa discussão, vou analisar a história.
Riobaldo conta que em sua adolescência, havia se
recuperado de uma doença braba. Então, a mãe o fez pagar uma promessa, que era
pedir esmola até pagar uma missa. Em uma de suas idas, conhece Diadorim, que o
leva para passear de canoa. Quando perdeu a mãe, foi viver em uma das posses de
seu padrinho, onde recebeu educação e conheceu gente nova. Então, chega o bando
do jagunço Joca Ramiro, negociando um abrigo...
Primeiramente, tive que procurar o significado de jagunço
para entender melhor o que estava sendo narrado, que é uma pessoa que servia de
guarda-costas para políticos, e que também poderiam ser assassinos contratados
por coronéis e governantes para realizar ameaças ou vinganças.
Quando falam do livro, o que mais ouço é sobre o “romance
homossexual” entre Riobaldo e Diadorim, e como Riobaldo tenta afastar esse
sentimento se noivando de uma e tendo caso com outra, pois na época não era
aceitável um relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Só quando descobre que
Diadorim era mulher que ele admite para si mesmo esse sentimento, apesar de sabermos
que não foi só pela beleza de Diadorim que o fez se sentir atraído por ela, mas
pelo seu caráter e a camaradagem que tinham um com o outro. Porém, esse não é
o foco do romance.
O
principal tema da história são as batalhas do bando de Joca Ramiro. A primeira
contra Zé Bebelo, um homem que queria entrar na política, sendo um de seus
objetivos acabar com os jagunços. E a segunda é lidar com a traição de dois
chefes e parceiros de Joca Ramiro, Hermógenes e Ricardão. Isso tudo dando
conflito ao protagonista, que se vê dividido na primeira briga, pois ele foi
professor de Zé Bebelo, mas se vê ao lado dos jagunços, pois Diadorim os
convence a não o matar. Enquanto na segunda luta, ele via mais ainda o horror
das mortes. Teve momentos em que Riobaldo queria fugir e tentava convencer
Diadorim a ir com ele.
Respeito o autor por tentar dar características que distinguissem seus personagens,
como o fato de Ricardão ser o homem que pensava nas finanças e ganhos de suas
lutas enquanto Hermógenes era um sádico, e por mostrar que a maioria dos
jagunços do bando de Joca Ramiro são unidos e leais uns aos outros, não sendo
apenas um bando de mercenários.
Não
posso comparar essa obra com a original, pois não li o livro, mas posso
descrever o que senti ao ler o quadrinho. Antes de mais nada, as ilustrações são muito
bem desenhadas, dando um aspecto sério e adulto à obra. A característica mais
destacada dos textos do Guimarães Rosa, que é a criação de palavras foi
mantida, já que encontrei palavras como opiniães e pertubosa ao longo da
narrativa. Na nota dos editores, está escrito que eles tentaram o máximo
preservar as características do texto original, porém tiveram que transformar
parte da narrativa em diálogo. Por incrível que pareça, achei que precisavam
ter feito mais disso.
A
história em quadrinhos é conhecida por se comunicar com o público através das
imagens e do diálogo entre os personagens, o que a faz mais parecida com uma
novela televisiva, série ou filme do que com o romance. Ter narrador em
histórias em quadrinhos e graphic novels não é incomum, principalmente se esse
for um personagem. Mas ela não domina o quadrinho e não é maior que o número de
diálogos. Isso mais a linguagem um pouco mais complicada do original, fez essa
graphic novel ser mais pesada e menos fluída, como é na maior parte dos
quadrinhos. Outra coisa que devo mencionar é a falta de pausas. Nos quadrinhos,
tem sempre uma imagem pôster que é usada como divisória para marcar o fim de
uma parte. Não sei se o livro original era dividido em capítulos, mas se não
era, deveria ser muito cansativo de ler.
Então,
é bom uma adaptação se manter leal ao texto original? Depende. Transferir algo
literário para outro tipo de plataforma mantendo a essência do texto original,
mas apresentando uma nova visão da história, é algo difícil. Foi uma boa
tentativa mesmo assim. O quadrinho é uma boa forma para incentivar alguém a ler
um clássico da literatura, pois normalmente o número de páginas é reduzido e as
imagens podem atrair. Se a pessoa gostar da história, é bem capaz dela procurar
ler a original. No meu caso, achei boa, porém a linguagem regionalista
antiga do narrador me faz não querer ver o livro tão cedo.
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