sexta-feira, 17 de abril de 2020

A galinha que não era pintadinha





            Não esperava que fosse ler um livro cuja protagonista é uma galinha em um momento de crise. Porém, aqui estou. Flora Hen é um livro infanto-juvenil lançado na Coreia do Sul no ano 2000 e veio para cá pela editora Geração em 2014. Foi escrito pela sul-coreana Hwang Sun-mi. A ilustração dessa edição foi feita pela chilena Yasmin Mundaca.

            Flora é uma galinha que foi criada apenas para botar ovos e passou a vida toda presa dentro do galinheiro. Mas vendo como é a vida no quintal, ela tem o desejo de um dia sair e chocar um ovo, presenciando o nascer de sua cria. Como estava fraca e os ovos que produzia pioravam a cada dia, o fazendeiro decidiu dar um jeito nela.

            Quando meus pais trouxeram esse livro de Curitiba, a primeira coisa que eu disse foi “Pô, um livro de uma galinha?! Fala sério!” Engulo minhas palavras, pois o livro é fofo e tocante. Ele foca na adoção entre espécies diferentes, um tema que cheguei a abordar no meu livro Miska, a gata-cão. Mas esta história foca na mãe enquanto a minha foca no filho adotado além de terem desfechos e desenvolvimentos completamente diferentes.

            Flora é a protagonista e começa como uma galinha medrosa e ingênua. A ingenuidade dela chegava ao ponto da ignorância pois ela não sabia que para ter um pintinho precisaria de um galo e que ela era infértil. Também era completamente ignorante de como o mundo do lado de fora funcionava. Mas por ter passado grande parte da sua vida presa em um galinheiro, dá para entender o porquê de ela ser alienada. Flora vai evoluindo com o passar do tempo e vai aprendendo com a maternidade e o leitor torce pelo seu sucesso. Antes, acreditava que as crianças preferissem personagens que tivessem idade próxima a elas. Só que agora, não tenho mais esse pensamento. Não importa se for adulto ou criança, se a história e o personagem forem cativantes, qualquer um pode ser atraído.

            O livro apresenta cenas cruéis como Flora sendo jogada em um local cheio de galinhas mortas e a doninha, a “vilã” da história, caçando e matando animais. Apesar de apresentarem sentimentos e inteligência similar aos humanos, os animais ainda agem como animais e veem o ciclo da vida como algo normal. Por ter momentos assim, acredito que o público alvo é crianças a partir dos nove, dez anos de idade. Mas cabe aos pais e professores decidirem quando devem ou não apresentar este livro para seus filhos e alunos.

            Quanto as ilustrações, acho atrativas. Porém, o desenho da doninha me incomodou. Não que ela seja horrorosa, mas quando você lê o livro até o final verá que esse chapéu que ela está usando não combina com a personagem.

            A autora tem uma história de vida interessante que vou compartilhar. Por ser pobre na época, não pode completar o ensino médio, mas conseguiu estudar sozinha graças a uma professora, que dava acesso a uma sala de aula com bastante material escolar. Inicialmente, só quis escrever história para ensinar seus filhos a ler, começando sua carreira literária aos 32 anos. Isso mostra que podemos nos tornar autores independente de nossa origem e até mesmo sem intenção de se tornar famoso.

            Há um filme baseado nesse livro chamado Lifi: uma galinha na selva. Ele foi lançado em 2011 e a animação foi feita na Coreia. Apesar de manter várias das cenas de morte do livro, o longa-metragem ainda assim mudou várias coisas e conseguiu infantilizar a história. Os personagens falam o tempo todo, não tendo quase nenhum momento de silêncio para o espectador respirar. Sugiro que fiquem apenas com o livro. Mas para quem quiser, o filme está disponível no catálogo da Netflix.

            Flora Hen é um livro que recomendo até mesmo a adultos, pois os temas abordados e o modo como é contada a história é atrativo. O final, assim como a vida, tem um gosto doce e amargo. Não julguem esse livro pela capa. Essa galinha não tem nada de pintadinha.

           




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