Continuando com minhas
leituras que envolvem a mitologia grega, dessa vez trago a resenha do livro Até
que tenhamos rostos, escrita por C. S. Lewis, autor conhecido pelos livros
das Crônicas de Nárnia.
Orual a rainha de Glome, está velha e não teme mais a
morte. Por isso, decidiu escrever sua história e acusar os deuses,
principalmente o que vive na Montanha Cinzenta, pelos crimes que cometeram contra ela.
O livro conta a história de Cupido e Psique, conto
que aparece pela primeira vez no livro Metamorfoses ou O Asno de Ouro
de Lucius Apuleio, só que pela perspectiva da irmã mais velha de Psique. Na
obra de Apuleio, ambas irmãs de Psique são descritas como invejosas e
planejaram arruinar o casamento da caçula de propósito. Mas aqui, Orual amava
sua irmã, e foi este amor que condenou sua relação com ela. Enquanto Redival, a
segunda irmã, nutria sentimentos de inveja, porém aparenta sentir um
certo arrependimento de suas ações. Infelizmente, Redival não aparece muito.
Teria sido interessante ver a sua versão dos acontecimentos.
Quanto aos outros personagens, temos o rei, pai de Orual,
que é covarde, orgulhoso e temperamental. Ignora claramente as filhas e até as agride em certas ocasiões, além de ser um péssimo governante; Raposa, um
escravo grego, responsável pela educação das meninas e lhes tem um grande
carinho; Bardia, o soldado leal do rei, cujos pensamento são bem simples, mas é
um ótimo guerreiro e marido; o sacerdote de Ungit, devoto religioso; e por
último, mas não menos importante, Istra, ou Psique como ela é conhecida por
aqui, jovem de beleza notável e muita paciência.
O romance mistura o real com o fictício, pois locais como
a Grécia com suas filosofias e crenças, são apresentadas junto ao reino de
Glome, um reino bárbaro, cuja sua principal deusa é Ungit (Afrodite). E na
língua de Glome, o nome da irmã caçula de Orual é Istra, mas esta a chama de
Psique pois este é o seu nome em grego, cujo idioma aprendera com seu mentor,
Raposa.
Há muito o que se falar deste romance. Ele abre a porta
para várias discussões, principalmente quando se trata da protagonista. A
princípio, pude comparar a relação de Orual e Psique como a de uma mãe que não
quer se separar da filha, como a Deméter e Perséfone. Deméter traz o inverno e
a fome quando não está com a filha enquanto Orual faz com que Psique traia a promessa
que fez ao seu marido para que sua irmã não se matasse. O próprio livro a
compara com Ungit, que exige sacrifícios humanos enquanto Orual rouba vidas
para lhe servirem. Mas acredito que isso seja um exagero causado pela culpa que
a protagonista sentia, pois Orual foi uma boa governante de forma geral, como
libertar seus antigos escravos e oferecer liberdade àqueles que trabalharem por
um tempo na mina.
Por falar em Ungit, Orual também pode ser comparada com a
própria Psique, pois esta também foi comparada à deusa. Ambas podem ser consideradas
como metades do amor como sentimento, sendo uma a parte boa e bela que se
sacrifica pelos outros e a outra feia e egoísta que age em prol de sua própria
felicidade, fingindo que é pelo bem estar do outro. O amor divino e o mortal.
A própria Orual divide a si mesma como duas figuras: a
dela mesma como Orual e a da rainha. A rainha seria como uma máscara que ela
apresenta para seus súditos, como a de uma mulher séria, respeitável e que nada
teme. Enquanto Orual seria o seu lado sentimental, fraco, que teme ser
abandonada por aqueles que são próximos. Algo interessante é que ela passa a
usar um véu que cobre o rosto, como uma máscara que esconde seus sentimentos
mais profundos.
Também há o dualismo feminino e masculino na
protagonista. Por ser considerada feia, a opção de atrair homens através de sua
beleza foi negada à Orual. Mas ela desenvolveu-se tão bem na luta de espadas
que Bardia mencionou ser uma pena que ela tenha nascido mulher. Ao mesmo tempo
que ela inferioriza a esposa de Bardia por nunca ter visto ou compartilhado
momentos com o marido na batalha, ela ao mesmo tempo sente inveja por nunca tê-lo
visto em seus momentos de fraqueza, algo que ele só mostrava à companheira. É
irônico, porque mesmo que ela demonstre mais seu lado masculino, ela ainda
assim é comparada a Afrodite, a deusa da fertilidade, considerada a mais
feminina das deusas gregas.
Raposa e Bardia são duas figuras que também abrem caminho
para se pensar, e a própria protagonista as usa para tomar suas decisões. Raposa
é um homem cético com relação aos deuses, que não acredita na existência deles
e que seus poderes e aparições são apenas ações da natureza ou fruto da
imaginação da pessoa. Enquanto Bardia, assim como todo povo de Glome, acredita
firmemente neles e teme provocar sua ira.
Uma curiosidade interessante de se falar de C. S. Lewis é
que ele era cristão e que várias de suas obras tratam desse tema. Até que
tenhamos rostos é uma destas e foi considerado pelo seu autor o melhor
livro que ele escreveu.
Como disse anteriormente, Até que tenhamos rostos é
um livro introspectivo, que te faz pensar e é cheio de simbolismo. Porém, o
livro tem poucos acontecimentos que sejam fora da cabeça de Orual. Queria que
ela tivesse narrado mais aventuras para que o romance tivesse mais equilíbrio
entre os acontecimentos do reino e os pensamentos da rainha, principalmente do
meio para final. Apesar disso, foi uma boa jornada. Se quiserem fazer o mesmo,
vão até onde ficava o antigo reino de Glome e escalem a Montanha Cinzenta. Lá,
vocês vão encontrar o mais belo castelo que já viram. Ou não.
Beminteressante e bem feita a resenha. Gostei
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