sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Toy Story de Natal


 

        Alguém conhece o balé do Quebra-Nozes de Piotr Ilitch Tchaikovsky, cujas músicas* são conhecidas até hoje? Se você não o conhece, aposto que viu um filme baseado nele. Eu por exemplo vi a versão da Barbie em Barbie em O Quebra-Nozes. Bom, sabia que esse balé foi baseado em uma história escrita? Então vou lhes contar agora. Assim como A Bela e a Fera, O Quebra-Nozes tem duas versões: uma clássica, que é a mais conhecida, e a original. A clássica se chama História de um Quebra-Nozes e a original O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos. A clássica foi escrita por Alexandre Dumas em 1844, como uma adaptação para o francês, com algumas mudanças do conto original. Dumas é mais conhecido pelos romances Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo. Foi nesta versão que Tchaikovsky inspirou seu balé. Já a original foi escrita por E. T. A. Hoffmann em 1816 numa coletânea chamada Contos de fadas infantis. Naquele tempo, a Alemanha estava passando por um processo de unificação, por isso, os escritores estavam preocupados em estabelecer uma literatura genuinamente alemã, com elementos típicos de sua cultura. Hoffmann é conhecido por ter escrito histórias de fantasia e terror como O homem de areia e O pote de ouro.

            Fritz e Marie esperam ansiosamente seus presentes de Natal. Dentre estes presentes de Natal, Marie se depara com um estranho, porém simpático bonequinho, um quebra-nozes. Após seu irmão usar nozes grandes demais e quebrar alguns dentes do boneco, Marie cuida dele com carinho, pois se simpatizou com o brinquedo. Porém, uma batalha seria travada.

            A história tem uma combinação entre contos de fada e realidade, pois apesar de Marie presenciar a luta entre brinquedos e camundongos, ninguém acredita nela, pois eles vivem na nossa realidade, onde brinquedos e animais não tem a capacidade de falar. Isso lembra um pouco o filme da Pixar, Toy Story, em que todos os brinquedos possuem vida, só que mantém isso em segredo dos humanos. Porém, pelo menos com o Quebra-Nozes, sua incapacidade de falar com as pessoas parece ser devido ao feitiço e não por querer guardar segredo. Ele fala bem pouco com Marie no começo, como se estivesse restringindo.

            Algo curioso que aparece em várias adaptações é a mudança do nome a personagem principal Marie para Clara ou Claire, dependendo da língua. Clara, Claire ou Klärchen era o nome da boneca que a menina havia ganhado de Natal. Outra mudança foi a do rei dos camundongos, que possui sete cabeças tanto no texto clássico quanto no original. Dá para entender no caso do balé, pois seria difícil para o dançarino na hora de colocar a fantasia. Mas uma mudança que foi necessária é a troca de idade de Marie para a de uma adolescente. Ela e o Quebra-Nozes são um par romântico, apesar de Marie ter uns oito, nove anos e ele ter dezoito ou dezenove anos, o que hoje em dia seria inaceitável.

            Obviamente, as versões de Dumas e Hoffman possuem diferenças entre si. Vou lhes dizer as que mais me chamaram a atenção (Aviso que alguns deles podem conter spoilers, por isso, para quem quiser ler as histórias sem nenhuma informação, pulem para o último parágrafo): Apesar de ambos os narradores estarem conversando com o leitor, a versão de Dumas aproveita para explicar as diferenças entre o Natal alemão e o francês e tem um prólogo de como ele foi forçado a contar a história, como se fosse uma narrativa dentro de outra.  Na versão clássica, senhorita Trudchen é uma velha governanta enquanto na original, ela é uma boneca de Marie. Marie e Fritz têm uma irmã mais velha chamada Luise no original, que não aparece na versão clássica. O sobrenome da família foi mudado de Stahlbaum (original) para Silberhaus (clássica). A original dá uma possível pista do ataque dos camundongos antes da batalha ser travada além de apresentar o vestido de seda, os livros e os bonecos doces antes do rei dos camundongos extorquir de Marie. Na versão de Hoffmann, o padrinho conta a história da princesa Pirlipat em três dias enquanto na de Dumas, ele a conta toda de uma vez. Enquanto o padrinho nega ao dizer que ele e o inventor são a mesma pessoa no conto da princesa Pirlipat, dizendo que é um parente dele na clássica, na original ele diz que o inventor tem por coincidência o mesmo nome que ele, mas ele não nega nem afirma que são a mesma pessoa quando Fritz lhe faz essa pergunta, respondendo que ele” sabe consertar relógios, então por que não saberia inventar uma ratoeira?” Na versão de Dumas, o jovem que quebraria a maldição da princesa Pirlipat deveria usar sempre botas, o completamente oposto ao da de Hoffman. Porém, mesmo possuindo diferenças, ambas são em essência a mesma história e ninguém perderá muito lendo apenas uma.

            Do começo ao meio, em ambas as versões, foi algo entretido. Mas se torna algo medíocre nos últimos capítulos. Não presenciamos a morte do rei dos camundongos, cortando logo para ida de Marie para o reino do Quebra-Nozes. Acho que foi um erro enrolar muito na descrição da ida para o reino encantado e cortar o que podia ter sido o clímax da história.

            Com todas as observações feitas e explicando que certos costumes são produtos do tempo, tanto a História de um Quebra-Nozes quanto O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos são histórias boas que podem ser contadas às crianças. Quem sabe isto não as anime no Natal. À meia noite, na noite de Natal, ao invés de esperarem o Papai Noel, elas olharão para seus brinquedos e talvez acabem presenciando uma imensa batalha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*Links para duas das mais conhecidas composições:

https://www.youtube.com/watch?v=-t-3wfA_uow

https://www.youtube.com/watch?v=QxHkLdQy5f0

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Gosto muito de seus comentários e de aprender sobre coisas que nem imagina existir sobre os livros que muitas vezes trabalho nas versões infantis. Parabéns!

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