sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Ao passar pela fronteira de Nárnia...

 


         Voltamos com As Crônicas de Nárnia, agora com o terceiro (ou quinto se for pela ordem de lançamento) livro da série. O Cavalo e seu Menino foi escrito por C. S. Lewis em 1954 e é a primeira história da coleção a ter como protagonistas pessoas do universo de Nárnia.

            Shasta vive em Calormânia com seu pai, um pescador que o tratava como um escravo. Até que um dia, um nobre chega a cavalo e pede por uma estadia. Ouvindo a conversa que o pai estava tendo com o homem, Shasta viu que o último estava tentando comprá-lo e descobriu ser adotado. Ao tentar imaginar como seria sua vida como escravo desse homem rico, desejou que o cavalo pudesse falar para contar como era a vida de palácio. E o cavalo respondeu.

            Acredito que de todos os livros das Crônicas de Nárnia, este é o que gera mais polêmica, principalmente nos dias de hoje. Como havia analisado nos outros livros, muitos elementos da história e dos personagens tem como base a religião cristã e vários seres como gigantes, cavalos alados, unicórnios, centauros e faunos são seres que aparecem em várias mitologias da Europa. Aqui, temos o país chamado Calormânia, que tem como base a cultura dos países do Oriente Médio. E muitos aspectos ruins são relacionados a este país. Seu povo é escravocrata, conquista nações menores para o seu império e seus casamentos são feitos como um negócio que não precisam da autorização dos noivos para serem realizados. Este último, porém, ainda existe em países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita, na Índia e em países africanos como Níger, que obriga até meninas menores de idade a se casarem. Então, não posso dizer que a representação da cultura oriental esteja completamente errada.

            Outro assunto que pode causar uma certa discussão é como as mulheres são representadas na história. Aqui, temos o retorno de personagens do livro anterior, sendo Susana e Lúcia dois deles. A última sabe usar o arco e flecha e entra em batalhas “como um homem” enquanto a primeira, apesar de saber usar o arco, não entra em batalhas e é considerada uma dama. Outras duas figuras que também têm essa diferença são Aravis e sua amiga Lasaralina. Aravis é mais masculina, sabendo andar de cavalo, usando a armadura do irmão como disfarce, sendo descrita como uma pessoa que gosta de “arcos e flechas, cães e cavalos, e natação”; enquanto Lasaralina, é mais feminina, e gosta de roupas, coisas chiques e fofoca, sem ligar para o casamento arranjado. As tidas como mais femininas dão a sensação de serem mais fracas e inúteis, apesar de Lasaralina ter ajudado Aravis em sua fuga e ser a única de Calormânia, com exceção da própria Aravis, a ser portada como uma pessoa boa. Já é um avanço comparado ao livro anterior cujas mulheres não podiam lutar, e quando Lúcia encontra Aravis, ambas conversam sobre quartos e roupas, além de outras “coisas de menina” segundo ao narrador, indicando que elas ainda têm características comuns a outras garotas. Será que as outras duas são consideradas ruins por serem muito femininas, fazendodelas pessoas superficiais? Se um homem só tivesse características masculinas, ele também não seria superficial? Não sei a resposta e não pretendo discutir isso nessa resenha.

            Tirando essas polêmicas, posso dizer que o livro é bom? Bem, assim como os dois volumes anteriores, há algumas lições de moral. Tanto Aravis, que era uma tarcaã (nobre) que se achava melhor que Shasta e outros pobres, e Bri, que é um cavalo de guerra falante e se considerava acima dos cavalos mudos aprendem uma lição de humildade. Mas senti que a interação dos personagens foi pouca, ou pelo menos o número de diálogos. O título é O Cavalo e seu Menino e os diálogos entre e Bri e Shasta foram poucos comparado ao tanto que acontece na história. Eles são separados duas vezes e quando se reencontram, quase não há conversa. Também senti falta de mais interações entre Shasta e Aravis, principalmente com a revelação do final.

            Se alguém me perguntasse qual dos livros das Crônicas de Nárnia poderia pular, pois não faria a menor diferença na história, este seria o livro. O Cavalo e seu Menino serve mais para quem tem curiosidade de saber o que aconteceu durante o reinado das crianças Pevensie, e isto foi brevemente resumido no final de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa. Mas se ainda assim tiver a curiosidade para ler este livro, após passar pelo guarda-roupa, caminhe pelo sul de Nárnia. Lá você conhecerá outros países. Cada um com sua história.


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