Muito do folclore
brasileiro foi inspirado nas crenças portuguesas, junto com as indígenas e
africanas. Porém, nunca havia lido uma história que se baseasse em um ser folclórico
de Portugal. Até agora... Obras do Fradinho da Mão Furada é um texto de
autoria desconhecida, mas que foi atribuído ao escritor e dramaturgo António
José da Silva, nascido no Brasil Colônia.
André Peralta é um soldado pobre que arrumou uma casa
abandonada como refúgio da chuva. Mas descobriu que ela não era tão abandonada
assim, pois um demônio era o seu proprietário. Este tinha uma aparência
horrenda e se vestia de frade apesar de sua natureza demoníaca. Ele era o
Fradinho da Mão Furada, um dos servos de Lúcifer que faz pacto com os humanos.
Este oferece um acordo com André Peralta. Será que o homem vai aceitar?
O Fradinho da Mão Furada ou o Diabinho da Mão Furada, que
pode ser considerado tanto o antagonista e guia do protagonista é baseado no
ser do folclore português de mesmo nome. É dito que ele ajuda uma pessoa a
encontrar riquezas, mas isso é apenas uma enganação para tentá-la e levar sua
alma para o inferno. Também gosta de fazer travessuras o que me lembrou a
figura do Saci, só que mais maligna. Aqui no livro, o personagem é bem fiel as
descrições. Ele obriga o protagonista a aceitar sua companhia enquanto em sua
jornada mostra lugares associados ao inferno, que a gente não sabe se é real ou
apenas uma ilusão feita pelo diabinho, enquanto Peralta resiste firmemente as
tentações, pois é um soldado honrado e leal a Deus.
Falando nesses lugares, neles o protagonista se depara
com figuras da mitologia greco-romana como Proserpina (Perséfone na mitologia
grega), Eurídice, Cérbero e o Rei Midas. Também teve o rei Saul, figura bíblica
que invejava os feitos de Davi. Houve também a personificação dos sete pecados
capitais e palavras como a Cobiça, o Engano, a Mentira e a Verdade. Estas duas
últimas me lembrou uma história: um dia, a Mentira engana a Verdade e rouba
suas roupas e se passa por ela, enganando todo mundo. A Verdade apareceu para
desmenti-la, mas como estava nua, todos ficaram chocados e ela desapareceu,
envergonhada. Aqui no livro, a Verdade aparece nua e não sente vergonha
enquanto a Mentira aparece bem adornada. O fradinho comenta que ninguém dá
crédito aos sinceros e malvestidos. E toda mentira costuma ser bem detalhada e
cresce ainda mais com o ego do mentiroso, por isso sua personificação é bem-vestida.
Gostei dessa associação.
Agora para os pontos negativos. Como a linguagem é do
tempo do Brasil colonial, tinha coisas que achei difíceis de entender e isso
dificultou um pouco a leitura do texto. Algo que não é bem um ponto negativo,
mas sim algo curioso, é que quando Peralta esteve no inferno, várias pessoas
estavam sendo punidas de acordo com suas profissões em vida. E lá, estavam os poetas
sendo punidos por compararem obras humanas à divinas. Tenho a impressão de que
o autor do texto, assim como Platão, não gostava muito dos poetas. Para mim,
isso foi excessivo, mas cômico.
Um assunto que acho interessante de destacar é a
discussão entre o diabinho e Peralta em que o primeiro diz que a humanidade nem
precisa de muita interferência dos demônios para serem maus. Enquanto o segundo
diz que ainda assim, existem almas boas que se arrependem, como aconteceu com
alguns dos fiéis santos de Deus. O fradinho replica que isso era antigamente e
hoje não se tem essa esperança. E vocês? Acham que ainda há chance de uma
pessoa má se arrepender e se redimir nos tempos atuais?
De maneira geral, gostei da história. Espero que encontre
outros livros que falem sobre figuras folclóricas de Portugal, pois quase não encontro.
E se quiserem dar uma lida, podem vir. Só tomem cuidado para não encontrarem o
Fradinho da Mão Furada. Se livrar dele vai ser difícil.

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