Damian adentrou em
Greenwood. Treinava incessantemente para
tornar-se um grande guerreiro. Para
isso, sempre penetrava naquela floresta combatendo os pequenos monstros que
tentavam invadir sua vila. Cada dia que
passava, ele se sentia mais forte.
Porém, matar aqueles monstrinhos não era o
suficiente. Precisava de uma missão de
verdade. Foi quando, retornando para
Greenville, avistou um velho encapuzado, com um cajado na mão, perto de sua
casa:
- Oh, meu jovem!
Sinto em tua aura um espírito bravo e destemido. Gostaria de lhe pedir um favor.
- Quem é o senhor?
- Sou o grande mago Olaf e vim aqui recrutar voluntários
para lutarem contra o Lorde Ridden que está prestes a invadir estas cercanias
com um exército de goblins e de criaturas subterrâneas.
- Entendo. Mas se
o senhor é um mago poderoso, por que o senhor mesmo não acaba com ele?
- Ridden possui a Manopla das Sombras que impede minha
magia de alcançá-lo. Aceita ou não?
- Aceito, é claro.
- Volta amanhã ao nascer do sol e falaremos de sua
primeira missão. Estarei na minha
cabana, aquela choupana ali na margem do córrego.
Ao chegar em casa, Damian não conseguiu se conter de
tanta alegria e contou logo para sua mãe que assim reagiu:
- Oh, meu filho!
Finalmente, você poderá realizar seu sonho. Será um guerreiro extraordinário, igualzinho
ao seu pai. E esse mago Olaf é bem
famoso e não conheço melhor mestre para você.
Antes de partir, irei preparar poções energéticas, pós mágicos e
unguentos curativos, caso você necessite.
Nem acredito, meu filho em seus dezesseis anos se tornará num guerreiro.
Quando escureceu, Damian saiu de casa. Gostava de admirar as estrelas. Naquela noite, porém, não houve estrelas. Ao invés disso, viu uma silhueta grande se
movimentando no céu, com formato de uma mulher, mas não era tão bem definida
assim. Correu e chamou sua mãe. Quando retornou, nenhum traço daquela
silhueta. A mãe confortou o filho, em
voz baixa:
- Damian, você está cansado e começando a ver
coisas. Vai dormir que amanhã terá um
longo caminho pela frente.
Damian foi para a cama.
No entanto, tinha certeza de que o que vira não fora fruto de seu
cansaço.
No dia seguinte, Damian mal tomou seu desjejum e dirigiu-se
ao local combinado com Olaf. Quando
entrou na cabana, o mago estava à sua espera sentado num pequeno banco de
madeira:
- Preparado para o seu teste?
-
Teste?
- Acha mesmo que enviarei alguém despreparado para
enfrentar o Lorde Ridden? Começaremos
com missões simples e depois as mais difíceis.
Mas, primeiro, preciso lhe testar.
- E dará tempo de fazer tudo isso antes da invasão?
- Sim. Lorde
Ridden é uma pessoa meticulosa, planeja tudo nos mínimos detalhes. Ele demorará bons dias até que chegue aqui
com seu exército.
- Entendo. Como é
o teste?
- Você irá penetrar bem fundo em Greenwood e trará a pele
de um lobo de cor prata. Para isso, tu
precisarás de uma arma potente.
O velho abriu o armário e pegou uma adaga com um cabo de
ouro e deu para Damian:
- Isto irá lhe ajudar.
- Obrigado.
- Boa sorte, jovem aprendiz.
Damian seguiu seu caminho até Greenwood. Mal entrou na mata e deparou-se com um bando
de norlucks, criaturinhas verdes e gosmentas que quando eram mortas, davam
agilidade para o seu matador. “Será uma
longa jornada. Que bom que trago comigo
as poções e unguentos que minha mãe me deu”. – pensou.
Quando chegou quase no limite da floresta, avistou uma
caverna. Na entrada, cinco lobos
prateados dormindo. “Se eu atacar um
deles, os outros irão acordar e me atacar.
Ataco ou não ataco? Ataco. Não tem outro jeito”.
Damian partiu em direção ao lobo mais robusto, o que fez
com que os outros despertassem. Damian
teve que gastar o pó do sono para que todos os lobos voltassem a dormir. Matou apenas um deles. Arrancou a pele que guardou na sua
bolsa. Decidiu levar a carcaça também,
pois sua mãe poderia aproveitá-la no jantar.
Quando retornou à vila, Damian foi direto à casa do velho
mago e entregou-lhe a pele:
- Eis a pele de lobo prateado.
- Muito bem, meu jovem. Passou no teste. Vejo que teve uma boa luta contra os
lobos. Vai descansar. Amanhã, eu lhe darei uma verdadeira missão,
mas antes que saia, toma isto como recompensa.
Olaf concedeu-lhe três moedas de ouro. “Que bom, assim poderei comprar algumas
poções” – pensou Damian.
A mãe de Damian fez um saboroso cozido com a carcaça do
lobo. Damian pouco descansou e ajudou
nos afazeres da casa. A noite caiu
rápida e Damian confirmaria se o que vira na noite anterior era ilusão ou
realidade. Saiu e avistou no céu um
formato de mulher, só que bem mais definido.
Cabelos longos e corpo esbelto. A
figura se movimentava de um lado para o outro.
Ficou de costas. Quando Damian se
tocou no que ela estava fazendo, tapou os olhos com as mãos e pensou: “Ela está
trocando de roupa! Vejo um vulto de
mulher no céu trocando de roupa! Acho
que preciso procurar outra distração”.
No dia seguinte, Damian regressou à casa do sábio
verificar qual seria sua primeira missão.
- Bem, meu jovem.
Sua primeira missão será entregar esta joia à ninfa Potámi, que vive no
Rio Makrys, que é guardado pelo troll Tork.
Damian aceitou o desafio.
Já ouvira falar de Tork e sabia o quão difícil seria até aproximar-se do
rio, por isso comprou muitas poções para se garantir.
A luta contra o troll foi árdua. Damian sentiu que devia beber uma poção, para
ter mais energia. Todavia, algo
misterioso o impediu de tal intento. Uma
força desconhecida levou-o a desarmar o troll ao invés de beber a poção revitalizadora. A sorte é que o troll morreu com apenas uma
facada de sua própria adaga. Porém,
Damian achou tudo muito estranho. É como
que seu corpo e sua mente estivessem agindo separadamente um do outro, por um
momento. Ele parou de pensar nisso e
entregou a joia para a ninfa Potámi que, por gratidão, deu-lhe outras poções e
uma água miraculosa que desperta uma pessoa sem sentidos. Damian não entendeu para que lhe serviria
esse líquido se ele estava sozinho e não tinha ninguém para dar-lhe a água caso
estivesse desmaiado.
Voltando ao mago, este disse-lhe que a outra missão seria
no dia seguinte. Novamente, Damian viu a
silhueta da moça no céu. “Afinal, o que
é você? É imaginação ou realidade? É boa ou má?” – pensou.
Na manhã seguinte, Olaf decretou a segunda missão:
capturar um kabaly, uma criatura muito rara que possui orelhas de coelho,
cabeça e corpo de gato e asas grandes que parecem as de uma borboleta. Damian o encontraria na Caverna Azul, onde
mora um ogro muito poderoso.
Damian, seguindo uma trilha, chegou até à caverna, munido
de suas poções.
No combate com o ogro, sentiu de novo aquela sensação de
que sua mente e seu corpo não trabalhavam em harmonia. Estava perdendo a luta, sentindo que ia desmaiar
e suas mãos não se mexiam para alcançar a poção. Passado meio minuto, Damian fechou os olhos e
despencou-se no chão, imóvel.
Entretanto, transcorrido outro meio minuto, Damian
despertou com todas as energias recuperadas.
Olhou em sua mochila e notou que sua água mágica não estava mais
lá. Quem a usara nele? Não podia ser o ogro, seu adversário, que,
atônito, supunha que o tivesse derrotado.
Será que era essa força misteriosa que anda controlando-o? “Será que estou sendo possuído por algum
espírito?” – pensou Damian.
Refeito, Damian não demorou em derrotar o ogro
apalermado. Porém, demorou muito para
achar o tal kabaly, bem escondido no fundo da caverna.
O bichinho foi entregue ao mago. Damian desabafou, contando-lhe o ocorrido,
seus pensamentos e suas suposições de estar sendo possuído. Olaf não acreditou na sua teoria, pediu – lhe
para descansar, pois isso era fruto do cansaço em demasia. E que apesar de tudo sua próxima missão não
seria adiada. Seria amanhã e mais
difícil ainda.
E o estranho vulto noturno voltou a aparecer naquela
noite. Será que aquela aparição estava
por trás da posse de seu corpo? Fora ela
que dera a água mágica quando inconsciente?
Tudo não passaria de alucinação?
Não, não era.
Na terceira e quarta missões, Damian comprovou que não
conseguia mais controlar seu corpo na hora dos embates. Era como se seu corpo ganhasse vida autônoma
e pensamento próprio, separado dele.
Confuso e um pouco desolado, Damian retornou à cabana de
Olaf, após a quarta missão. O mago
disse:
- Jovem aprendiz, seus esforços foram reconhecidos pelo
Conselho de Feiticeiros. Amanhã,
receberemos a visita de uma grande conselheira.
Sua magia é tão poderosa que pode atravessar dimensões. Ela é sábia e detentora de segredos jamais
conhecidos pelos ouvidos humanos.
- Talvez ela seja capaz de saber quem anda controlando
meu corpo...
- Não seja tolo, meu jovem. Isso deve ser sua imaginação. Não gaste o tempo da grande maga com
bobagens.
- Mas...
- Sem mas! Vai
para casa e prepare-se para o encontro.
Damian obedeceu.
Após o jantar, Damian, curioso, foi até à janela de seu cômodo. Viu aquele vulto. Esfregou os olhos. Lá permaneceu, mais nítido. Nem ligou.
Foi para a cama.
Horas depois, despertou num sobressalto. Ansioso pelo encontro com a Grande
Conselheira, nem parou para comer.
Porém, para sua surpresa, o céu ainda estava escuro. “Que esquisito! Estava crente que já era de manhã” – pensou
ele. Decidiu voltar a dormir.
Três horas passadas, Damian sentou-se e olhou pela
janela. Continuava escuro. “Não é possível! Já era para estar claro!” Foi até o cômodo de sua mãe acordá-la. Para seu terror, ela não acordava. Ele chacoalhou, gritou e ela não se movia. Desesperado, saiu para pedir ajuda.
Correu com as pernas bambas até o vizinho mais
próximo. Bateu palmas, bradou, mas
ninguém atendia. Foi até à cabana de
Olaf e nada. Era um pesadelo longo e
sofrido. Era como se todos estivessem
num sono profundo numa noite sem fim.
Damian caminhou cambaleante até a floresta. Os animais que conseguiu visualizar estavam
inertes como estátuas.
Ergueu o pescoço e olhou para o céu. Nem o vulto da mulher estava mais lá.
Deitou-se na grama e ficou fitando o céu. Não soube dizer quanto tempo. Horas?
Dias? Semanas? O tempo não parecia passar. A noite sempre noite. Fome e sede, não precisava se preocupar pois
por algum motivo não os sentia.
Quanto ao estranho vulto, ele não desaparecera
completamente. Aparecia e se movia por
alguns minutos e sumia, reaparecendo horas depois, raramente. A cabeça de Damian girava. Tudo imóvel.
Apenas o vulto tinha vida. “Desde
que você surgiu, minha existência tornou-se confusa, indecisa, imprecisa. Tenho passado dias observando-a e me pergunto
se não é você que possui o meu corpo na hora da contenda. Sendo ou não sendo a causa de tudo isso,
estou exausto de ficar parado olhando para você”.
Damian levanta-se e urra com toda a força para a sombra
celeste:
- Ei, você! Pode
me ouvir?!
A figura da moça postou-se de frente. Damian não conseguia ver os olhos, mas sua
expressão facial era de uma pessoa surpresa, confusa.
- Desde que apareceste, minha vida tem estado cada vez
mais sem sentido. Primeiro, a sensação
de estar sendo controlado nas lutas.
Segundo, alguém desconhecido deu-me a água mágica. Terceiro, o mundo todo ficou paralisado,
menos eu. Isto tudo é obra tua?
Não houve resposta.
Damian exasperou-se:
- Por favor, faça tudo voltar a ser o que era! Eu lhe imploro!
A expressão da jovem parecia mais confusa do que
antes. “Por favor!” – pensou de olhos
bem fechados, quase chorando.
A sombra se mexeu e crescia como se estivesse indo em
direção ao clamor de Damian. Foi se
aproximando até que... O sol despontou no horizonte. As criaturas traçaram movimentos suaves. Tudo ganhou vida.
Damian correu para casa.
Logo que entrou, viu sua mãe na cozinha.
Deu-lhe um abraço apertado e um beijo.
Bebeu seu leite morno, deliciou-se com o pão e foi para a cabana do
mago. Estava feliz que tudo tinha
voltado ao normal.
Narrou a vertigem ou pesadelo quase infindável ao
mago. Porém, Olaf encarou-o decepcionado
e disse:
- Menino! Quando
você aprenderá a diferença entre sonho e realidade?!
- É verdade, eu juro!
- Não é hora para isso!
Temos coisas mais importantes a tratar.
Ao lado de Olaf, havia uma mulher alta e magra. Rugas cobriam sua face. Trajava um vestido longo e preto e portava um
chapéu pontudo.
- Damian, esta é a Grande Conselheira da Magia. Ela veio aqui te conhecer e te dar algo para
seguires na tua jornada.
- Encantado – disse Damian, fazendo uma reverência.
- Encantada – disse a senhora. – Bom, como Olaf disse,
vim presentear-te com algo útil para tua jornada. Mas, quem decidirá o que será, serás tu.
- Então, a senhora está me dizendo que atenderá um desejo
meu?
- Um desejo que seja útil para sua jornada, por isso,
pense com cuidado.
Damian pensou por um tempo. Seus pensamentos estavam tão focados no que
lhe havia acontecido recentemente que era difícil decidir. Até que por fim, falou:
- Eu quero que a senhora traga o ser que tem me
controlado todos esses dias.
- Garoto, você está maluco? – disse Olaf, zangado. –
Pedir à Grande Conselheira algo inexistente.
- Na verdade, esse algo existe – retrucou a maga, em tom
sério.
Os dois olharam para a conselheira, curiosos.
- Eu ouvi a história que tu contaste ao Olaf, meu jovem,
e creio que seja verdade – iniciou a feiticeira. – Pesquisas que fiz durante
todos esses anos me levaram a crer que nosso mundo está conectado a outro.
- Então, o que esse garoto relatou tem a possibilidade de
ser verdade? – perguntou Olaf.
- Sim. E acho que
este ser que anda controlando a vontade deste jovem durante suas batalhas pode
ser útil. Podemos aprender e também
ensinar muitas coisas a essa entidade e assim derrotar Lorde Ridden. Afastem-se!
Tentarei invocar esse ser.
Olaf e Damian deram um passo para trás. Ela cerrou os olhos e sussurrou palavras
irreconhecíveis. Mexia as mãos e delas
saía um pó azul parecido com purpurina.
A Conselheira manteve esse ritual por alguns minutos até que por fim fez
um rápido movimento com as mãos, jogando o pó azul mágico no chão.
Da purpurina azul surgiu uma jovem. Tinha cabelos presos por um prendedor, usava
óculos, trajava uma camisola rosa e segurava um mouse de computador.
THE
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