Não
me abandone jamais é o segundo livro que faço resenha do
ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2017, Kazuo Ishiguro. Resolvi dar uma
pequena pausa do gênero fantasia, o meu favorito, para variar um pouco. Notei
algo de interessante no formato que a editora Companhia das Letras deu aos
livros dele:
As
laterais das folhas têm a mesma cor da capa do livro. Achei que isso deu mais
charme aos seus livros.
Kathy H. trabalha
há onze anos como cuidadora, que tem como objetivo acompanhar e dar apoio
àqueles que vão fazer “doações”. Além de contar sobre o seu trabalho, Kathy
também relembra dos momentos em que viveu em Hailsham, uma espécie de internato
em que ela e outros alunos viveram desde que eram pequenos, sendo dois deles
Ruth e Tommy, ambos colegas de infância e doadores que ela cuidou.
A
história começa de um jeito misterioso, sem entender o que são essas doações,
se os menores que vivem em Hailsham são órfãos ou coisas desse tipo. O gênero
desse romance é uma mistura de slice of life (vida cotidiana), drama e um pouco
de ficção científica. Pode também ser considerado uma distopia, mas só para
personagens específicos do romance.
O
livro é dividido em três partes, conforme a narradora Kathy vai contando a
história. A primeira se foca em sua infância e adolescência em Hailsham, que é
similar a um internato, só que apenas para as crianças e adolescentes criadas
lá. A segunda envolve a ida para um lugar chamado Casario, que é semelhante a
uma faculdade apenas no aspecto de ter que entregar um trabalho final. É como
se os jovens estivessem dividindo uma casa grande, com apenas um responsável
vindo de vez em quando para ver se eles não estão fazendo besteira. A última
envolve o trabalho de Kathy como cuidadora.
O
título do livro se deve a uma música que Kathy ouvia na infância, mas há mais
detalhes interessantes do porquê ser um título bom e que combine com o romance
envolvendo a cena de Kathy dançando ouvindo essa música. Não revelarei mais
nada sobre isso.
Há
outros dois personagens que Kathy destaca em sua narrativa: Ruth, sua melhor
amiga e Tommy, seu amigo e, por um tempo, namorado de Ruth. Pela descrição,
pode-se adivinhar que há um triangulo amoroso no livro. E de certa forma, há.
Só que em nenhum momento, a narradora fala que amava Tommy desse modo, pelo
menos não até chegar a parte final. Mas só porque ela não dizia nas outras
partes, não significa que ela não sentia. Tinha muitas passagens no romance que
ela ficava zangada com Ruth pelo jeito de como ela tratava Tommy, enquanto
estavam namorando e senti uma boa química entre a narradora e o rapaz em suas
descrições. Eles não brigavam muito, o que é um alívio, já que em filmes,
séries e até mesmo na literatura juvenil, os interesses amorosos vivem brigando
até finalmente se tornarem um casal. O que não ocorreu aqui. Aproveitando o
momento, vou descrever a personalidade de Tommy. Tommy desde pequeno era uma
pessoa legal, mas quando faziam algo que o irritava, dava um chilique, o que fez
com que os meninos implicassem com ele por um bom tempo. Conforme foi
crescendo, foi amadurecendo, não tendo mais esses chiliques. Porém, mesmo na
sua adolescência, demonstrava ser pensativo com relação ao que os esperava
depois de Hailsham, o que era um segredo guardado pelos seus guardiões. Gostei
do personagem.
Enquanto
Ruth, suas ações fazem transparecer que ela era aquele tipo de amiga que você
não gostaria de ter, incentivando mentiras só para aparecer, ignorando seus
amigos quando conversa com os mais populares, se achando a dona da verdade e
provocando brigas entre o trio. Kathy muitas vezes dava desculpas para algumas
das ações de sua “amiga” e eu pensava Caramba,
para de defender essa falsa! Mas no final, acabei sentindo pena dela, assim
como de todos os que passaram pelas doações, o que deu a personagem uma
redenção. Mas antes de chegar a esse momento, me perguntei se ela realmente
gostava de Kathy como amiga ou se apenas sentia algum tipo de inveja, usando-a
até se arrepender no final. Outra pergunta é como ela e o Tommy se tornaram
namorados? Kathy conta isso assim do nada depois de falar das suas conversas
com o rapaz, não mencionando nada de possíveis encontros entre ele e Ruth,
falando do namoro deles só depois. Queria que tivesse o ponto de vista de Ruth
para responder a essas perguntas. O lado ruim da história ser narrada por um
narrador-personagem é que vemos tudo do ponto de vista dele. A palavra dele é
considerada a verdade absoluta para a maioria dos leitores. Há poucos casos que
um autor usa isso como vantagem em seu romance, fazendo o leitor duvidar do que
o personagem diz. Esse não é um desses romances, pois acredito na palavra da
narradora até o final.
Uma
semelhança que esse romance tem com O
gigante enterrado, livro também escrito por Kazuo Ishiguro, foi o boato
sobre um teste para saber se um casal realmente se ama, ganhando assim alguns
anos a mais antes de fazer as doações. No O
gigante enterrado, haviam barqueiros que levavam casais juntos para uma
ilha se fosse comprovado por eles que o casal de fato se amava. Isso foi
interessante pois O gigante enterrado foi
lançado dez anos depois de Não me abandone
jamais, que lançou em 2005. Me pergunto se foi intencional do autor, pois o
paralelo entre essas duas obras é grande. Um se passa nos anos noventa, mas com
uma evolução maior da medicina do que tivemos na vida real enquanto a outra se
passa na era medieval fantástica, com dragões e criaturas mágicas. E os dois
acabam em um final melancólico e que poderia ter sua história continuada por
outros protagonistas para acrescentar mais desses mundos criados pelo autor.
De
maneira geral, foi uma boa leitura. Admito que até chorei no final. Mesmo esse
livro não sendo do meu gênero favorito, sua história me prendeu. Mesmo não
sendo fã de nenhum desses gêneros, dê uma checada. Acho que você não conseguirá
abandoná-lo depois que começar.
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