Monteiro Lobato é
conhecido por suas obras infantis, principalmente as relacionadas ao Sítio do Picapau Amarelo, como Reinações de Narizinho e Caçadas de Pedrinho. Mas ele também
escreveu contos para adultos. O livro Urupês
é uma coletânea desses contos. Aproveitando que os livros de Monteiro Lobato
passaram a ser de domínio público este ano, vou analisar um por um e ver se suas
histórias para adultos são tão boas quanto as do público infantil.
Os
faroleiros – Ao avistar um farol, um dos marinheiros
lembra da tragédia que presenciou durante sua estadia em tal construção,
envolvendo um faroleiro que lá trabalhou desde os vinte e três anos. Outro
insiste para que ele conte, e é o que ele faz. Não sei o porquê, mas ao ouvir a
palavra tragédia relacionada a um farol, pensei logo que haveria algo de
sobrenatural envolvido. Mas não, o conto se mantém realista e não é exagerado
como uma história de pescador.
O
engraçado arrependido – Francisco Teixeira de Souza Pontes é
conhecido pelo seu senso de humor. Mas o que acontece quando um homem cômico
que nem ele quer ser levado a sério? Este conto me fez pensar naqueles atores
cômicos que decidem fazer filmes mais sérios. Esta história é uma versão
exagerada e trágica do que acontece quando esse tipo de pessoa falha.
A
colcha de retalhos – O narrador visita uma família pobre que
mora na roça e está tendo dificuldades financeiras devido ao pouco desenvolvimento
de suas plantações. A família é composta pelo pai, que se esforça em seu
trabalho na roça, mãe, que fica doente a cada dia, filha que é encabulada e só
saiu de casa no dia em que foi batizada, e avó, que anda bem de saúde e adora a
neta, fazendo uma colcha de retalhos com pecinhas antigas de roupas para a adolescente.
Como é de se esperar em histórias assim, a situação foi de mal a pior. Tive
pena da avó. Duas passagens me fizeram lembrar do Sítio do Picapau Amarelo: quando a avó fala que a neta “andava pela
casa armando reinações...” (Reinações de
Narizinho) e quando a neta pedia para ela contar a história da Gata Borralheira (as crianças do sítio
adoravam histórias e já encontraram os personagens pessoalmente). Porém, esse
conto foi publicado pela primeira vez em 1915 enquanto o primeiro livro do
sítio, Reinações de Narizinho, foi
lançado em 1931, dezesseis anos depois.
A
vingança da peroba – Nunes tem uma rivalidade com o seu
vizinho, Porunga, desde que o último matou e comeu sua paca. Nunes também
invejava muito o vizinho e queria provar ser melhor. Ao conseguir ter uma boa
plantação de milho, decidiu construir um monjolo, objeto que mói o milho com
água, contratando um homem que não é muito bom no serviço. E as coisas se
tornam ruins. Sinceramente, não me simpatizei nem um pouco com o personagem,
por isso, ver ele se dando mal não me afetou, apesar da tragédia no final.
Um
suplício moderno – Biriba é um estafeta (carteiro) que
começou bem graças ao coronel Fidêncio, que disputa um cargo político. Mas a
vida de Biriba começa a se degradar. Finalmente um conto com final feliz.
Meu
conto de Maupassant – Em um trem, um homem narra um caso de
assassinato. Conto curto e simples.
“Pollice
verso” – Desde pequeno, o pai de Inacinho acreditava que um dia
ia ser médico por ter o costume de dissecar animais. E foi o que ele se tornou,
mas não é um médico em que os colegas confiavam. Já pelo histórico de infância
do personagem, identifiquei que ele seria mal caráter. Conto previsível, mas
interessante.
Bucólica
–
Cada casa do local discute como uma menina morreu. Conto meio confuso.
O
mata-pau – Um capataz define para o narrador o que é a árvore
mata-pau, uma planta que começa pequena, mas parasita uma outra árvore, e
quando cresce, ultrapassa o tamanho da outra e mata a original. Então, eles
passam pelo sítio abandonado de Eslebão do Queixo d’Anta e o capataz conta a
história deste. Como o próprio narrador conclui, a natureza do mata-pau está
relacionada com a vida de Eslebão. Gosto desse tipo de paralelo.
Bocatorta
–
O major possui um escravo chamado Bocatorta, de uma aparência horrenda. Quando
seu futuro genro chega com ele em sua cidade, há a notícia de um ser que anda
desenterrando o corpo de moças. Conto interessante, mas que me deixou um pouco
irritada. Por que os autores de antigamente tinham a mania de matar mulheres
por uma febre que vem do nada? Isso pode dar um ar de mistério que envolve
misticismo, mas as histórias desse livro têm sido tão realistas que não
acredito nisso. O conto faz referência ao Corcunda de Notre Dame. Não sei se foi
proposital ou não, mas o nome da noiva, Cristina, me faz lembrar do nome da
protagonista de O Fantasma da Ópera,
Christine, que também teve um elo com um “monstro” e o lançamento desse livro é
anterior ao do conto. Também houve passagens que me lembraram do "Sítio do Picapau Amarelo", como a menção da Cuca e de uma leitoa “rabicó”.
O
comprador de fazendas – Moreira, que se considera sem sorte
por sua terra não dá muitos frutos, decide vendê-la. Demorou, mas veio um
comprador, que via na fazenda algo estupendo. Bem, se os outros contos (com
exceção de um) não tiveram um final “feliz”, por que esperar que esse também o
tenha? Porém, o final te dá uma ironia que pode ser considerada cômica, de
forma um pouco trágica.
O
estigma – Em uma viagem, Bruno encontra seu velho amigo Fausto,
que se vê dono da fazenda Paraíso, morando com os filhos, uma prima na
adolescência chamada Laura e a esposa, que pela expressão em sua face, indica
que não é uma boa pessoa. Vinte anos depois, Bruno reencontra Fausto, que conta
a tragédia ocorrida em ao decorrer desses anos. Esse conto consegue ser
previsível na tragédia, mas imprevisível do jeito como o mistério é solucionado.
Velha
praga – O narrador reclama da maior praga, responsável por
causar queimadas na mata: o caboclo. Sinceramente, senti que isso era mais uma
crítica exemplificada do que um conto crítico. Foi o conto mais sem graça que
li em toda essa coletânea.
Urupês
–
O conto descreve o personagem Jeca Tatu, um caboclo roceiro de vida e pensamento
simples. A história que mais esperava ler, pois Jeca Tatu, assim como os
personagens do Sítio, é um dos mais icônicos das criações de Lobato. E de fato,
o jeito que ele descreve o personagem me faz querer uma história com ele. Mas o
conto em si não entrega isso. Ele dá pequenos acontecimentos para conhecermos o
personagem, porém nada mais que isso. Este conto foi vítima de minhas
expectativas altas e me decepcionou muito. Velha
Praga foi o conto que menos gostei, mas Urupês
fica logo em segundo ou terceiro. Dez anos depois, Monteiro Lobato lança o
livro infantil Jeca Tatuzinho,
inspirado no personagem, que ensina as crianças a terem mais higiene. Em 1959,
Amácio Mazzaropi finalmente pega o personagem e utiliza em seu filme Jeca Tatu. Não é um dos filmes mais
originais do mundo, mas finalmente vi o personagem inserido em uma história,
além do filme ser um marco no cinema nacional. Uma curiosidade: urupê é um tipo
de cogumelo e a figura de Jeca Tatu é relacionada a ele no final.
A maioria dos contos trata de personagens que vivem na
área rural, ou seja, regionalista. Por serem de uma outra época e local, tive
dificuldade com algumas expressões. Mesmo com rodapés explicativos, tive
dificuldade nos primeiros contos. Concidentemente ou não, pelo menos em três
contos, aparece um cachorro chamado Brinquinho. Fico pensando se o autor tinha
um cachorro com esse nome para usá-lo várias vezes.
Como é tradicional da literatura regionalista, os contos
transmitem alguma crítica e acabam em sua maioria das vezes com um final
triste. Muitas pessoas acham isso interessante, pois o final feliz é usado na
maioria das histórias e é considerado um clichê e o final triste é mais
realista. Mas discordo disso, pois o final “infeliz” também é um clichê pois na
grande maioria da literatura regionalista e realista acaba em desgraça. O
realismo não é realista. É pessimista. A vida tem altos e baixos e as histórias
realistas insistem em finalizar de forma pessimista que nem sempre ocorre. É
sempre bom ter um fiozinho de esperança de que as coisas podem melhorar.
Analisando o livro como objeto, não gostei da capa.
Entendo que o autor seja famoso e que colocar o nome dele em letra grande seja
uma jogada para chamar a atenção, mas o título do livro podia ser maior do que
é. Além disso, a capa é sem graça, não possuindo nenhuma imagem que chame sua
atenção, colocando em letras grandes o nome de textos de Lobato que nem
aparecem nessa coletânea.
Por esse livro, vejo que Monteiro Lobato tinha capacidade
tanto para o imaginário divertido da literatura infantil quanto para a
realidade crítica da literatura adulta. Aconselho a ler tendo em mente a
cultura da época.