sexta-feira, 29 de março de 2019

Urupês resenha




          Monteiro Lobato é conhecido por suas obras infantis, principalmente as relacionadas ao Sítio do Picapau Amarelo, como Reinações de Narizinho e Caçadas de Pedrinho. Mas ele também escreveu contos para adultos. O livro Urupês é uma coletânea desses contos. Aproveitando que os livros de Monteiro Lobato passaram a ser de domínio público este ano, vou analisar um por um e ver se suas histórias para adultos são tão boas quanto as do público infantil.
Os faroleiros – Ao avistar um farol, um dos marinheiros lembra da tragédia que presenciou durante sua estadia em tal construção, envolvendo um faroleiro que lá trabalhou desde os vinte e três anos. Outro insiste para que ele conte, e é o que ele faz. Não sei o porquê, mas ao ouvir a palavra tragédia relacionada a um farol, pensei logo que haveria algo de sobrenatural envolvido. Mas não, o conto se mantém realista e não é exagerado como uma história de pescador.
O engraçado arrependido – Francisco Teixeira de Souza Pontes é conhecido pelo seu senso de humor. Mas o que acontece quando um homem cômico que nem ele quer ser levado a sério? Este conto me fez pensar naqueles atores cômicos que decidem fazer filmes mais sérios. Esta história é uma versão exagerada e trágica do que acontece quando esse tipo de pessoa falha.
A colcha de retalhos – O narrador visita uma família pobre que mora na roça e está tendo dificuldades financeiras devido ao pouco desenvolvimento de suas plantações. A família é composta pelo pai, que se esforça em seu trabalho na roça, mãe, que fica doente a cada dia, filha que é encabulada e só saiu de casa no dia em que foi batizada, e avó, que anda bem de saúde e adora a neta, fazendo uma colcha de retalhos com pecinhas antigas de roupas para a adolescente. Como é de se esperar em histórias assim, a situação foi de mal a pior. Tive pena da avó. Duas passagens me fizeram lembrar do Sítio do Picapau Amarelo: quando a avó fala que a neta “andava pela casa armando reinações...” (Reinações de Narizinho) e quando a neta pedia para ela contar a história da Gata Borralheira (as crianças do sítio adoravam histórias e já encontraram os personagens pessoalmente). Porém, esse conto foi publicado pela primeira vez em 1915 enquanto o primeiro livro do sítio, Reinações de Narizinho, foi lançado em 1931, dezesseis anos depois.
A vingança da peroba – Nunes tem uma rivalidade com o seu vizinho, Porunga, desde que o último matou e comeu sua paca. Nunes também invejava muito o vizinho e queria provar ser melhor. Ao conseguir ter uma boa plantação de milho, decidiu construir um monjolo, objeto que mói o milho com água, contratando um homem que não é muito bom no serviço. E as coisas se tornam ruins. Sinceramente, não me simpatizei nem um pouco com o personagem, por isso, ver ele se dando mal não me afetou, apesar da tragédia no final.
Um suplício moderno – Biriba é um estafeta (carteiro) que começou bem graças ao coronel Fidêncio, que disputa um cargo político. Mas a vida de Biriba começa a se degradar. Finalmente um conto com final feliz.
Meu conto de Maupassant – Em um trem, um homem narra um caso de assassinato. Conto curto e simples.
“Pollice verso” – Desde pequeno, o pai de Inacinho acreditava que um dia ia ser médico por ter o costume de dissecar animais. E foi o que ele se tornou, mas não é um médico em que os colegas confiavam. Já pelo histórico de infância do personagem, identifiquei que ele seria mal caráter. Conto previsível, mas interessante.
Bucólica – Cada casa do local discute como uma menina morreu. Conto meio confuso.
O mata-pau – Um capataz define para o narrador o que é a árvore mata-pau, uma planta que começa pequena, mas parasita uma outra árvore, e quando cresce, ultrapassa o tamanho da outra e mata a original. Então, eles passam pelo sítio abandonado de Eslebão do Queixo d’Anta e o capataz conta a história deste. Como o próprio narrador conclui, a natureza do mata-pau está relacionada com a vida de Eslebão. Gosto desse tipo de paralelo.
Bocatorta – O major possui um escravo chamado Bocatorta, de uma aparência horrenda. Quando seu futuro genro chega com ele em sua cidade, há a notícia de um ser que anda desenterrando o corpo de moças. Conto interessante, mas que me deixou um pouco irritada. Por que os autores de antigamente tinham a mania de matar mulheres por uma febre que vem do nada? Isso pode dar um ar de mistério que envolve misticismo, mas as histórias desse livro têm sido tão realistas que não acredito nisso.  O conto faz referência ao Corcunda de Notre Dame. Não sei se foi proposital ou não, mas o nome da noiva, Cristina, me faz lembrar do nome da protagonista de O Fantasma da Ópera, Christine, que também teve um elo com um “monstro” e o lançamento desse livro é anterior ao do conto. Também houve passagens que me lembraram do "Sítio do Picapau Amarelo", como a menção da Cuca e de uma leitoa “rabicó”.
O comprador de fazendas – Moreira, que se considera sem sorte por sua terra não dá muitos frutos, decide vendê-la. Demorou, mas veio um comprador, que via na fazenda algo estupendo. Bem, se os outros contos (com exceção de um) não tiveram um final “feliz”, por que esperar que esse também o tenha? Porém, o final te dá uma ironia que pode ser considerada cômica, de forma um pouco trágica.
O estigma – Em uma viagem, Bruno encontra seu velho amigo Fausto, que se vê dono da fazenda Paraíso, morando com os filhos, uma prima na adolescência chamada Laura e a esposa, que pela expressão em sua face, indica que não é uma boa pessoa. Vinte anos depois, Bruno reencontra Fausto, que conta a tragédia ocorrida em ao decorrer desses anos. Esse conto consegue ser previsível na tragédia, mas imprevisível do jeito como o mistério é solucionado.
Velha praga – O narrador reclama da maior praga, responsável por causar queimadas na mata: o caboclo. Sinceramente, senti que isso era mais uma crítica exemplificada do que um conto crítico. Foi o conto mais sem graça que li em toda essa coletânea.
Urupês – O conto descreve o personagem Jeca Tatu, um caboclo roceiro de vida e pensamento simples. A história que mais esperava ler, pois Jeca Tatu, assim como os personagens do Sítio, é um dos mais icônicos das criações de Lobato. E de fato, o jeito que ele descreve o personagem me faz querer uma história com ele. Mas o conto em si não entrega isso. Ele dá pequenos acontecimentos para conhecermos o personagem, porém nada mais que isso. Este conto foi vítima de minhas expectativas altas e me decepcionou muito. Velha Praga foi o conto que menos gostei, mas Urupês fica logo em segundo ou terceiro. Dez anos depois, Monteiro Lobato lança o livro infantil Jeca Tatuzinho, inspirado no personagem, que ensina as crianças a terem mais higiene. Em 1959, Amácio Mazzaropi finalmente pega o personagem e utiliza em seu filme Jeca Tatu. Não é um dos filmes mais originais do mundo, mas finalmente vi o personagem inserido em uma história, além do filme ser um marco no cinema nacional. Uma curiosidade: urupê é um tipo de cogumelo e a figura de Jeca Tatu é relacionada a ele no final.
            A maioria dos contos trata de personagens que vivem na área rural, ou seja, regionalista. Por serem de uma outra época e local, tive dificuldade com algumas expressões. Mesmo com rodapés explicativos, tive dificuldade nos primeiros contos. Concidentemente ou não, pelo menos em três contos, aparece um cachorro chamado Brinquinho. Fico pensando se o autor tinha um cachorro com esse nome para usá-lo várias vezes.
            Como é tradicional da literatura regionalista, os contos transmitem alguma crítica e acabam em sua maioria das vezes com um final triste. Muitas pessoas acham isso interessante, pois o final feliz é usado na maioria das histórias e é considerado um clichê e o final triste é mais realista. Mas discordo disso, pois o final “infeliz” também é um clichê pois na grande maioria da literatura regionalista e realista acaba em desgraça. O realismo não é realista. É pessimista. A vida tem altos e baixos e as histórias realistas insistem em finalizar de forma pessimista que nem sempre ocorre. É sempre bom ter um fiozinho de esperança de que as coisas podem melhorar.
            Analisando o livro como objeto, não gostei da capa. Entendo que o autor seja famoso e que colocar o nome dele em letra grande seja uma jogada para chamar a atenção, mas o título do livro podia ser maior do que é. Além disso, a capa é sem graça, não possuindo nenhuma imagem que chame sua atenção, colocando em letras grandes o nome de textos de Lobato que nem aparecem nessa coletânea.
            Por esse livro, vejo que Monteiro Lobato tinha capacidade tanto para o imaginário divertido da literatura infantil quanto para a realidade crítica da literatura adulta. Aconselho a ler tendo em mente a cultura da época.


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