sexta-feira, 8 de maio de 2020

Da tela ao papel


             Ganhei este livro quando estava na faculdade, já faz algum tempo. Ele ficou me esperando durante anos até os olhos da jovem da capa me seduzirem a finalmente pegá-lo. Moça com Brinco de Pérola foi escrito pela americana Tracy Chevalier e lançado em 1999. A edição que tenho em mão é da editora Bertrand Brasil de 2011.

            Após um acidente com o fogão de azulejos, o pai de Griet perdeu a visão e não pode mais trabalhar. Agora, Griet deve trabalhar como criada no ateliê do conhecido pintor Johannes Vermeer, para ajudar no sustento de sua família.

            A capa deste romance na verdade são dois quadros do pintor Johannes Vermeer, que realmente existiu. O primeiro que é o retrato de uma jovem tem o mesmo nome do título deste livro e foi pintada entre 1665 e 1666. Ela é conhecida nos meios artísticos como” a Mona Lisa holandesa”. Enquanto a pintura de baixo se chama Vista de Delft, que foi criada entre os anos de 1660 e 1661. Ambas as pinturas ilustram bem o livro pois a história se passa em Delft e a protagonista é a Moça com Brinco de Pérola.

            Fazer textos inspirados em um quadro ou uma escultura não é algo novo. Na verdade, é muito comum fazer isso como exercício de escrita criativa. Escrevi os livros Tálassa e Flogues e Filhote de quê baseados em uma pintura e escultura respectivamente. Porém, quando são incluídas pessoas que existiram no mundo real, precisa se fazer uma boa pesquisa se quiser convencer seu leitor de que esse evento possa ter acontecido. Lembro de quando a autora Claudia Lage falou sobre o seu romance biográfico Mundos de Eufrásia e de como ela foi até a antiga casa de Eufrásia para que seu livro fosse o mais bem detalhado possível. Não se sabe quem foi a modelo para a Moça com Brinco de Pérola, mas a autora teve criatividade para inventar uma história que fosse coerente com o tempo em que a pintura foi criada.

            Detalhes da vida dos familiares de Vermeer foram acrescentados no livro, como a conversão do pintor para o catolicismo, o ataque que o irmão de Catharina, sua esposa, fez enquanto esta estava grávida e a violência que o pai fazia nela e na mãe, Maria Thins.

            Um tema que é abordado no começo do livro é a diferença entre cristãos e protestantes. Pelos olhos de Griet, vemos o quanto ela fica horrorizada ao ver imagens relacionada a Bíblia, que para o cristianismo é algo comum. Mas são as diferenças entre classes sociais que predominam o romance e que no século XVII eram ainda mais aparentes.

            Além de ter feito uma boa pesquisa de como a sociedade da época funcionava, Chevalier também acrescentou como se eram pintados os quadros e de como suas tintas eram feitas. Um exemplo é o carvão de osso moído para fazer o preto. Era também usado um objeto chamado câmera escura para observar detalhes do quadro, como se fosse uma lupa. Para um livro que se trata de pintura, é um bom toque.  

            Há vários personagens que compõem a narrativa. Griet, que é a protagonista e narradora da história é uma moça séria, calma e quieta, que guarda os sentimentos para si. Pela visão de Griet, vimos um Vermeer tão focado em sua arte que não sabemos se ele a vê como pessoa ou objeto para seu trabalho. Pelo menos, ele a trata com respeito. Catharina é a típica madame esnobe, que sente ciúmes do marido por passar tempo demais com Griet. Mesmo assim, consegui ter um pouco de simpatia por ela, pois o marido não a deixava entrar em seu mundo, mesmo ela querendo tanto.

Na minha opinião, a antagonista principal foi Cornélia, uma das filhas do pintor, que metia Griet em problemas, inclusive no último conflito. E o pior é que ela fazia tudo isso intencionalmente. Esta foi a personagem que mais deu raiva. Maria Thins me fez ter uma reação contrária, sendo a que mais gostei. Rígida e boa em negócios, ela admira as pinturas do genro e faz de tudo para que ele pinte mais. Pieter, o filho do açougueiro seria o segundo interesse romântico para Griet. Apesar de ele ter sido criado para ser mais amigável do que Vermmer, não gostei muito dele. Ele parecia estar convencido de que era o herói salvando a mocinha do perigo e que esta deveria retribuir o favor ficando com ele. Há muitos outros personagens apresentados no livro, mas comentarei apenas estes.

 O romance contém cenas de abuso, que infelizmente eram mais frequentes na época, assim como uma cena de “ato”. Isso já faz com que o livro seja para um público juvenil dos catorze anos para cima.

            Moça com Brinco de Pérola teve uma adaptação para cinema em 2003 e Griet foi interpretada pela atriz Scarlet Johansson, conhecida por interpretar a Viúva Negra nos filmes da Marvel. Não assisti o filme, mas vi que ele foi indicado para várias premiações.      

            De maneira geral, foi uma boa leitura com um final doce e amargo. Se o seu olhar encontrar com o da moça da capa, não desvie. Pois nele escondem histórias que desejam ser contadas.


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