sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A Penelopíada


              Já vi o ponto de vista da amante. Por que não o da esposa? A Odisseia de Penélope foi escrita por Margaret Atwood, mesma autora de O Conto da Aia, no ano de 2005. Apesar deste último ter ficado famoso devido a série de tv, nunca assisti ou li O Conto da Aia. Sendo assim, A Odisseia de Penélope é o primeiro livro que leio desta autora. Então, sua fama não irá me influenciar.

            Agora que está morta e cansada de ser vista como o exemplo da “mulher perfeita e leal”, Penélope decide contar a sua versão da história, esperando que alguém do mundo dos vivos escute murmúrios.

            Começo com uma pequena reclamação: o título original da obra é The Penelopiad (A Penelopíada) e aqui foi traduzida como A Odisseia de Penélope. Sei que nossa tradução é mais sonora, porém ela acaba com o sentido original. Apesar de usarmos a palavra Odisseia para jornadas longas, cheias de aventura, seu significado original é “A história de Odisseu”, ou “A aventura de Odisseu”. Não faz jus com a proposta do livro.

            Como mostrada no resumo, a proposta da novela é contar a Odisseia do ponto de vista de Penélope, a esposa de Odisseu, conhecida por ter enganado seus pretendentes, dizendo que escolheria um deles após o término da mortalha de seu sogro. Só que ela nunca era terminada, pois à noite Penélope a desfazia e começava novamente no dia seguinte. Como a aparição de Penélope não é tão grande fora da Odisseia, a autora teve que inventar para dar mais enredo à história. Como por exemplo, o boato que não se sabe se é verdade ou não de que Ícaro, rei de Esparta e pai de Penélope, a tenha jogado no mar quando era pequena. Mas ela foi salva por patos, o que fez com que seu pai a visse como especial e não quisesse dá-la a mais ninguém. Por causa disso, Penélope nunca confiou no pai.

            Algo que também se destaca é a rivalidade entre Penélope e sua prima Helena. Penélope tanto a odeia por ser uma metida, que zomba dela por ser menos bela e mais certinha quanto por ser a principal causadora da Guerra de Troia, que levou Odisseu para longe, trazendo vários problemas em sua porta após a saída do marido. Gosto da dualidade das duas: a esposa fiel vs a traidora sedutora; a pata vs o cisne; os dois lados de uma moeda. Pena que não temos a visão de Helena na história.

            Apesar do título, a novela não é composta apenas do ponto de Penélope. Há capítulos em que vemos os pensamentos das doze escravas mortas por Odisseu, devido ao seu relacionamento com os pretendentes. Porém, existia uma boa razão pela qual elas dormiam com eles. Esses capítulos variavam de linguagem, sendo alguns em forma de poesia, outros em prosa ou texto teatral. Foi um bom toque. A linguagem poética e teatral parece fazer referência a como esses mitos eram contados na Grécia Antiga.

            Bastante tempo se passou desde que Penélope foi para o Hades. Ela conta como os espíritos chegaram a ser convocados por magos na idade média e por videntes no século XXI. A mistura dos elementos antigos com os do presente me interessou, por isso, os mencionei aqui neste parágrafo.

            No primeiro parágrafo, fiz uma brincadeira, pois na resenha passada avaliei Circe, que é sobre a bruxa que em alguns mitos teve um caso com Odisseu. Mas nenhuma das duas narrativas estão relacionadas e ambas foram escritas por autoras diferentes. O destino de Penélope e Telêmaco é diferente do que é apresentado no livro que estou resenhando agora. A personalidade deste último também é algo que se difere bastante da novela de Atwood. Diria que Atwood foi mais fiel a Odisseia neste tópico.

            A capa representa bem a cena em que Penélope é salva pelos patos. Só não sei se aquilo ela segura é uma corda, que poderia ser a corda usada para enforcar as escravas, ou um pedaço de tecido que ela usara para fazer sua mortalha.

            De maneira geral, gostei do livro. Seu maior pecado, tirando a tradução do título, é ser curto. A autora poderia ter aumentado um pouco mais com diálogos e histórias sobre a vida de Penélope antes de conhecer o marido. Também poderia desenvolver mais as escravas, dando a elas mais individualidade. Porém, a pouca caracterização delas parece ter sido proposital, para demonstrar o quão eram insignificantes para a história da Odisseia. A única nomeada foi Melanto, a de belas faces, porém isso é tudo que lhe é descrito. Elas são doze, mas agem como um só. Se desejam ouvir as palavras de Penélope, procurem uma vidente para servir como fio telefônico. Ou compre a novela. O que for mais fácil para vocês.

            

 

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