sexta-feira, 29 de julho de 2022

Mundos escondidos

 


        Mais um livro de contos que li na academia. Para quem gosta de leitura, mas não gosta de academia, fica a dica: leia um livro enquanto você pedala na bicicleta ergométrica. O tempo passará voando. O outro lado da cidade é uma antologia de contos produzida por autores diversos, lançada em 2014. Pela capa, já se deduz que a temática do livro é fantástica, o gênero que mais gosto. Por serem vários contos, resumirei cada um deles rapidamente:

Costumes em comum – Escrito por Ana Cristina Rodrigues. Esta autora também escreveu o livro Anacrônicas. Tem uma resenha deste livro no Blog para quem estiver interessado. Clio e sua amiga Rosa planejavam fugir de Biblos, a cidade biblioteca, para ver como é o mundo fora da redoma. Mas infelizmente são capturadas quando estavam na área da Ficção, o local menos valorizado. Quem poderia imaginar que elas seriam acusadas de assassinato? Mistura de ficção e distopia. Este conto é uma prequel (acontecimento anterior) do conto O longo caminho de volta*.

Coração Mecânico – Escrito por Bárbara Morais. Na época em que Dom Pedro II ainda reinava, Ana vivia com uma doença cardíaca que só piorava. Aos dezesseis anos finalmente fez uma cirurgia implantando um coração mecânico, algo que todos viam com curiosidade. Esse conto poderia se tornar uma história maior e seu final dá a possibilidade para isso.

Vingança é uma palavra de quatro letras – Escrito por J. M. Beraldo. Antônio é um escravo de ganho que acabou sendo roubado. Para não sofrer punição do seu senhor, ele foi até a Vovó Conga, uma escrava liberta com uma forte ligação com os orixás, pedir ajuda. Não conseguiu a ajuda deles, mas acabou conseguindo de um certo alguém de gorro vermelho. Será que ele conseguiu sua vingança?

João Anticristo – Escrito por Rodrigo van Kampen. João é perseguido por estranhos de moto. Depois disso acorda em um hotel e um homem revela que ele é o anticristo e que tanto o céu quanto o inferno querem matá-lo. Um conto bem louco envolvendo até viagem no tempo.

Sem troco – Escrito por Vinícius Lisbôa. Um menino foi assaltar uma mulher com os amigos. Mas um homem armado os viu e foi atrás deles. Tentando escapar, o garoto acaba entrando em um ônibus. Mas esse não era um ônibus comum. Era um ônibus de mortos. Um conto tocante que te faz pensar sobre as motivações dos personagens. Você entende como a pobreza faz o criminoso, mas também compreende a raiva e o medo de suas vítimas e o desejo por justiça e vingança.

O relógio – Escrito por Lucas Zanenga. O detetive Mallear vai até uma mansão resolver um misterioso caso de um morto que possui vários cortes, mas nenhum sangue derramado. Termina com um final aberto, parecendo ter uma continuação.

O Rei e a Deusa – Escrito por Lucas Rocha. Depois de anos fora de seu reino subterrâneo, o Rei dos Ratos retorna para tomar seu trono. Mas acaba por descobrir que alguém já o usurpou. Um conto que dá deixa para uma continuação.

Santuário Profanado – Escrito por Roberta Spindler. Após mais um caso de uma fada assassinada, o elfo D'joy decide sair do Santuário para pedir a ajuda de uma velha conhecida. Mais um conto que termina com deixa para continuação.

O que os gatos dizem – Escrito por Mary C. Müller. Beatriz estava em seu quarto prestes a ir dormir quando ouviu um “psiu" na janela. Qual não foi a surpresa ao descobrir que quem estava a chamando era um gato? Uma história fofa.

O Estranho da Meia-noite – Escrito por Lena Rodrigues. Ayla perderá a sua irmã gêmea a três anos atrás, mas Ainda a ouvia como se estivesse em sua cabeça.  Em sua classe entrou um garoto novo que parecia saber de sua voz imaginária. É óbvio que não era apenas uma voz na cabeça dela. Uma história que está mais para terror do que fantasia. A menos que você considere espíritos como algo fantástico.

            Os contos no geral são legais. Meu favorito foi o Sem troco, pois ele te faz pensar. Recomendo para aqueles que gostam de fantasia escrita por autores brasileiros. 




*Para saber mais sobre este conto, ele aparece no livro Anacrônicas cuja resenha você pode acessar clicando aqui: Ponte para o Imaginário: AnaCrônicas - resenha (ponteparaoimaginario.blogspot.com)

 


sexta-feira, 8 de julho de 2022

Realismo mágico


        Quando escuto a palavras “realismo” e “mágico” uma ao lado da outra, minha cabeça já fica confusa. No entanto, tentarei explicar. O realismo mágico, como diz seu nome, é algo que mistura o cotidiano com a ficção, a magia. Mas ao contrário de histórias como Harry Potter, cujo mundo mágico existe junto ao mundano e tudo que há de sobrenatural tem uma explicação, o realismo mágico deixa tudo no mistério, sendo mais similar a um sonho. José J. Veiga é considerado um dos maiores autores do realismo mágico no Brasil e o livro Os cavalinhos de Platiplanto, lançado em 1959, está composto de vários de seus contos. Se eles têm algo de realismo mágico ou não, é o que vamos descobrir:

 

A ilha dos Gatos Pingados – O narrador se lembra dos tempos que andava com Cedil, um menino que apanhava do namorado da irmã enquanto a mãe tinha medo de agir. Para esquecer de sua rotina, Cedil, o narrador e seu outro amigo Tenisão, decidem transformar uma ilha num local de diversão. Senti o tom de realismo, mas não o mágico. Um conto meio triste que faz ver como o sertão de antigamente era normal ter esse tipo de violência com a criança.

A usina atrás do morro – A cidade estava curiosa com a chegada de um casal estrangeiro. Mas o pouco que eles falavam e o jeito como agiam fez com que o povo ficasse desconfiado. Então, as coisas começaram a ficar estranhas. Acho que esse seria um exemplo de realismo mágico com suspense. Um bom conto.

Os cavalinhos de Platiplanto – O avô do narrador havia prometido que se ele tomasse o remédio para o pé, o garoto ganharia um cavalo. Mas com o avô ficando doente e o tio comprando sua fazenda, acabou que ele não ganhou o seu cavalinho. Ou pelo menos, foi isso que pensou. Um conto que não se sabe se foi sonho ou realidade.

Era só brincadeira – Um homem, que se intitula major Beviláqua, faz uma visita ao narrador para fazer umas perguntas sobre o seu amigo Valtrudes, sem que o protagonista saiba do porquê desta entrevista. Outro conto que te faz perder a cabeça.

Os do outro lado – Havia uma casa grande e vermelha. Quando os moradores desta residência iam para as ruas, todos se escondiam. Um dos contos mais estranhos que já li. Seu nível de estranheza me lembrou Alice no país das Maravilhas.

Fronteira – O narrador conta que quando era menino, as pessoas o usavam para ser guia pois tinha um bom conhecimento da estrada. Era isso até ele descobrir que quem deixa cair uma moeda em um córrego e tenta pegá-la, passará a vida inteira tentando pegar mais moedas; e o pai dele se comprometeu a fazer isso para provar o contrário. Conto bem feito que mistura drama cotidiano com as fábulas e mitos que a gente ouve.

Tia Zi rezando – Aparentemente, Firmino, o tio do narrador, incendiou a casa de Lázio, amigo de seu sobrinho, com quem o narrador havia sido proibido de entrar em contato, mas não o obedeceu, e por algum motivo, o tio tentou matá-lo. Sua tia Zi, apesar de fingir ignorância, sabia das idas do sobrinho e chegou até a ajudá-lo em um momento. Todos guardam um segredo do narrador. Esse conto te fará teorizar, porém, como já esperava, ele não te dá a resposta.

Professor Pulquério – Pulquério era um homem que fazia atividades variadas para ganhar um dinheirinho para família, como por exemplo vender galinhas e retalhar vacas. Porém, era também professor, com grande conhecimento histórico. Até ficar obcecado em achar um tesouro de um engenheiro austríaco em um monte perto de sua vila. Não achei que tivesse um grande nível de estranheza quanto alguns dos contos anteriores, mas dá para entreter.

A Invernada do Sossego – Balão, o cavalo favorito do narrador e de seu irmão Benício, havia sumido. Depois de ser encontrado morto, os irmãos decidem que aquele não era o Balão e que este ainda estava perdido por aí. Me lembrou um pouco Os cavalinhos de Platiplanto. O final é confuso, algo nada incomum para o gênero desse conto.

Roupa no coradouro – Por não ganhar muito dinheiro no emprego antigo, o pai do narrador decide virar vendedor e sai de casa, deixando o filho ajudando a mãe em casa. Mas toda a vez que a mãe lhe pedia ajuda, o garoto se distraía com alguma coisa e não fazia o que lhe era pedido. Um conto triste. Segunda história que não achei nada de mágico ou estranho.

Entre irmãos – O narrador conhece seu irmão, que mora na casa de seus pais a dezessete anos. Ambos se sentem desconfortáveis em puxar assunto. Conto curto que novamente, não vi nada de mágico. Ele transmite bem o desconforto do narrador.

A espingarda do rei da Síria – Em uma caçada, Juventino perdeu sua espingarda, algo precioso para alguém viciado em caçadas. Até ele ganhar uma do rei da Síria. Outro conto estranho. Não tenho muito a dizer.

 

            A maioria das histórias pode ser classificada como realismo mágico, tirando três delas, que eram realistas. Apesar do autor ser conhecido por este gênero, isso não significa que ele só tenha escrito isso e o livro é uma coletânea de seus contos, não sendo distinguida pelo gênero. Mesmo assim, notei várias semelhanças entre suas histórias. Em quase todas, tirando a última, o narrador era um personagem da história. E todas, sem exceção, se passam no campo. José J. Veiga tem um bom conhecimento da vida nas fazendas por ter sido criado em uma e, por ter nascido em 1915, havia certas coisas naquela época que não são aceitas hoje, como a punição corporal nas crianças. Além disso, o estereótipo do homem machão do campo e da mulher passiva que cuida da casa são bastante explorados em seus contos. Acredito que isso era comum naquele tempo, apesar de não ser do meu gosto pessoal.

            Ler esse livro foi uma experiência interessante, pois não me lembro de ter entrado em contato com esse tipo de literatura antes. Apesar de preferir um mundo completamente fantástico e acontecimentos abertos sem explicação me irritarem um pouco, esse é um dos poucos livros brasileiros que conheci que tem algo de fantasia, mesmo que sendo misturada com a realidade. Por algum motivo, não temos muitos autores brasileiros que façam histórias do gênero fantástico para adultos ou jovens adultos. Mesmo que essa coletânea de contos não seja puramente de fantasia, esta contém alguns desses elementos e isso já me satisfaz um pouco. Se quiser ler histórias em que a realidade se misture com o estranho e...

 

O final ficará em aberto. A vida não dá resposta para tudo.

 

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A melancolia dos contos japoneses


        Novamente lhes trago uma coletânea de contos de outros países, dessa vez vinda do Japão. O Cortador de Bambu e outros contos japoneses foi escrito por Sonia Salerno Forjaz e lançado em 2012. Como faço com a maioria desses livros, resumirei cada conto e darei minha opinião no final. Comecemos:

 

O conto do Cortador de Bambu – No seu trabalho rotineiro de cortar bambus, Sanuki encontrou no talo de um deles uma pequena e bela menina de uns dez centímetros de altura. A história da princesa Kaguya é uma das mais famosas bastante do Japão. Ouvi falar dela pela primeira vez através do filme da Ghibli O conto da princesa Kaguya. É um conto longo dividido em nove partes. Ao contrário dos contos de fadas, todos os pretendentes da princesa falham em suas missões e seu final é bem melancólico.

A Princesa Hase – Desesperados por um filho, o casal Toyonari e Murasaki pediram a uma deusa cuja escultura foi feita de madeira mágica. A deusa atendeu ao pedido e os deu uma menina que chamaram de Hase. Infelizmente, a princesa Hase perdeu a mãe e seu pai se casou com uma mulher que não gostava dela. Diferente do outro, este se parece um pouco com os contos de fadas que conhecemos, com a madrasta malvada tentando se livrar da enteada bondosa. Mas nesse, o pai não é um completo inútil.

A bela bailarina de Yedo – Sakura-ko perdeu o pai e foi vendida para alimentar a mãe. Já adulta, se tornou uma gueixa com vários dons musicais e de dança. Ela então acabou atraindo três pretendentes diferentes. Um final aberto sem explicação.

A donzela de Unai – A bela donzela de Unai era proibida de sair e ser vista por qualquer um que não fosse seu pai, sua mãe e sua babá. Tudo isso por causa de uma profecia que seu pai tentava de todas as formas impedir que acontecesse. Como ocorre na maioria dessas histórias, quem tenta impedir uma visão futura acaba se aproximando ainda mais dela.

A flauta – Apesar de não ter filhos homens para herdar suas terras, um cavalheiro nobre de Yedo era feliz com sua esposa e filha. Mas infelizmente sua esposa faleceu quando a menina tinha doze anos. Ele então se casou com outra mulher que sem saber, odiava sua enteada. Quando se preparava para sua viagem, sua criança lhe deu uma flauta de bambu para se lembrar dela pois nunca mais iam se ver. Uma história que seria típica, se não tivesse um final trágico. Pelo menos este pai não era um escravo da esposa como em tantos outros.

Milagre na véspera de Ano Novo – Um casal de idosos estavam se preparando para a comemoração do ano novo. Então, o marido saiu para comprar o peixe para a ceia. Mas no caminho, encontrou seis Jizo-sama, estátuas que protegem os viajantes, cobertos de neve. Ele decide comprar chapéus para as estátuas, porém, não daria para levar o peixe. O que ele vai fazer? A resposta é óbvia. Um típico conto de gentileza gera gentileza.

Pochi, um cão leal – Numa cidade próxima ao rio, um casal bondoso encontrou uma caixa e, dentro dela, um cachorro. Os dois o chamaram de Pochi e cuidaram dele com tanto amor que o cão os recompensou mostrando um lugar onde havia moedas de ouro enterradas. Ouvindo essa notícia, o casal vizinho pediu o cachorro emprestado... Outra história em que o bem compensa e o mal é punido.

Rai – Taro, o filho do Trovão – Rai-Taro é filho do Deus trovão, Rai-den, e ambos moravam no Castelo de Nuvem. Um dia, Rai-den pediu ao seu filho que olhasse para os mortais e escolhesse com qual deles ele viveria. O rapaz escolheu um casal pobre sem filhos. História similar à da princesa Kaguya, em que um deus vai viver com um casal humano para recompensá-los pela sua bondade até que um dia, esse deus retorna para os céus, deixando seus pais adotivos tristes.

 

            De maneira geral, gostei dos contos. Foi legal conhecer a história original da princesa Kaguya, que é uma figura popular em seu país de origem, assim como ver as semelhanças e diferenças de suas narrativas para com os contos de fadas do resto do mundo e o quão melancólicos eles podem ser quando comparados aos finais felizes que estamos acostumados. Recomendo a todos que desejam conhecer um pouco da literatura japonesa.