sexta-feira, 8 de julho de 2022

Realismo mágico


        Quando escuto a palavras “realismo” e “mágico” uma ao lado da outra, minha cabeça já fica confusa. No entanto, tentarei explicar. O realismo mágico, como diz seu nome, é algo que mistura o cotidiano com a ficção, a magia. Mas ao contrário de histórias como Harry Potter, cujo mundo mágico existe junto ao mundano e tudo que há de sobrenatural tem uma explicação, o realismo mágico deixa tudo no mistério, sendo mais similar a um sonho. José J. Veiga é considerado um dos maiores autores do realismo mágico no Brasil e o livro Os cavalinhos de Platiplanto, lançado em 1959, está composto de vários de seus contos. Se eles têm algo de realismo mágico ou não, é o que vamos descobrir:

 

A ilha dos Gatos Pingados – O narrador se lembra dos tempos que andava com Cedil, um menino que apanhava do namorado da irmã enquanto a mãe tinha medo de agir. Para esquecer de sua rotina, Cedil, o narrador e seu outro amigo Tenisão, decidem transformar uma ilha num local de diversão. Senti o tom de realismo, mas não o mágico. Um conto meio triste que faz ver como o sertão de antigamente era normal ter esse tipo de violência com a criança.

A usina atrás do morro – A cidade estava curiosa com a chegada de um casal estrangeiro. Mas o pouco que eles falavam e o jeito como agiam fez com que o povo ficasse desconfiado. Então, as coisas começaram a ficar estranhas. Acho que esse seria um exemplo de realismo mágico com suspense. Um bom conto.

Os cavalinhos de Platiplanto – O avô do narrador havia prometido que se ele tomasse o remédio para o pé, o garoto ganharia um cavalo. Mas com o avô ficando doente e o tio comprando sua fazenda, acabou que ele não ganhou o seu cavalinho. Ou pelo menos, foi isso que pensou. Um conto que não se sabe se foi sonho ou realidade.

Era só brincadeira – Um homem, que se intitula major Beviláqua, faz uma visita ao narrador para fazer umas perguntas sobre o seu amigo Valtrudes, sem que o protagonista saiba do porquê desta entrevista. Outro conto que te faz perder a cabeça.

Os do outro lado – Havia uma casa grande e vermelha. Quando os moradores desta residência iam para as ruas, todos se escondiam. Um dos contos mais estranhos que já li. Seu nível de estranheza me lembrou Alice no país das Maravilhas.

Fronteira – O narrador conta que quando era menino, as pessoas o usavam para ser guia pois tinha um bom conhecimento da estrada. Era isso até ele descobrir que quem deixa cair uma moeda em um córrego e tenta pegá-la, passará a vida inteira tentando pegar mais moedas; e o pai dele se comprometeu a fazer isso para provar o contrário. Conto bem feito que mistura drama cotidiano com as fábulas e mitos que a gente ouve.

Tia Zi rezando – Aparentemente, Firmino, o tio do narrador, incendiou a casa de Lázio, amigo de seu sobrinho, com quem o narrador havia sido proibido de entrar em contato, mas não o obedeceu, e por algum motivo, o tio tentou matá-lo. Sua tia Zi, apesar de fingir ignorância, sabia das idas do sobrinho e chegou até a ajudá-lo em um momento. Todos guardam um segredo do narrador. Esse conto te fará teorizar, porém, como já esperava, ele não te dá a resposta.

Professor Pulquério – Pulquério era um homem que fazia atividades variadas para ganhar um dinheirinho para família, como por exemplo vender galinhas e retalhar vacas. Porém, era também professor, com grande conhecimento histórico. Até ficar obcecado em achar um tesouro de um engenheiro austríaco em um monte perto de sua vila. Não achei que tivesse um grande nível de estranheza quanto alguns dos contos anteriores, mas dá para entreter.

A Invernada do Sossego – Balão, o cavalo favorito do narrador e de seu irmão Benício, havia sumido. Depois de ser encontrado morto, os irmãos decidem que aquele não era o Balão e que este ainda estava perdido por aí. Me lembrou um pouco Os cavalinhos de Platiplanto. O final é confuso, algo nada incomum para o gênero desse conto.

Roupa no coradouro – Por não ganhar muito dinheiro no emprego antigo, o pai do narrador decide virar vendedor e sai de casa, deixando o filho ajudando a mãe em casa. Mas toda a vez que a mãe lhe pedia ajuda, o garoto se distraía com alguma coisa e não fazia o que lhe era pedido. Um conto triste. Segunda história que não achei nada de mágico ou estranho.

Entre irmãos – O narrador conhece seu irmão, que mora na casa de seus pais a dezessete anos. Ambos se sentem desconfortáveis em puxar assunto. Conto curto que novamente, não vi nada de mágico. Ele transmite bem o desconforto do narrador.

A espingarda do rei da Síria – Em uma caçada, Juventino perdeu sua espingarda, algo precioso para alguém viciado em caçadas. Até ele ganhar uma do rei da Síria. Outro conto estranho. Não tenho muito a dizer.

 

            A maioria das histórias pode ser classificada como realismo mágico, tirando três delas, que eram realistas. Apesar do autor ser conhecido por este gênero, isso não significa que ele só tenha escrito isso e o livro é uma coletânea de seus contos, não sendo distinguida pelo gênero. Mesmo assim, notei várias semelhanças entre suas histórias. Em quase todas, tirando a última, o narrador era um personagem da história. E todas, sem exceção, se passam no campo. José J. Veiga tem um bom conhecimento da vida nas fazendas por ter sido criado em uma e, por ter nascido em 1915, havia certas coisas naquela época que não são aceitas hoje, como a punição corporal nas crianças. Além disso, o estereótipo do homem machão do campo e da mulher passiva que cuida da casa são bastante explorados em seus contos. Acredito que isso era comum naquele tempo, apesar de não ser do meu gosto pessoal.

            Ler esse livro foi uma experiência interessante, pois não me lembro de ter entrado em contato com esse tipo de literatura antes. Apesar de preferir um mundo completamente fantástico e acontecimentos abertos sem explicação me irritarem um pouco, esse é um dos poucos livros brasileiros que conheci que tem algo de fantasia, mesmo que sendo misturada com a realidade. Por algum motivo, não temos muitos autores brasileiros que façam histórias do gênero fantástico para adultos ou jovens adultos. Mesmo que essa coletânea de contos não seja puramente de fantasia, esta contém alguns desses elementos e isso já me satisfaz um pouco. Se quiser ler histórias em que a realidade se misture com o estranho e...

 

O final ficará em aberto. A vida não dá resposta para tudo.

 

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