Quando escuto a palavras “realismo” e “mágico” uma ao lado da outra, minha cabeça já fica confusa. No entanto, tentarei explicar. O realismo mágico, como diz seu nome, é algo que mistura o cotidiano com a ficção, a magia. Mas ao contrário de histórias como Harry Potter, cujo mundo mágico existe junto ao mundano e tudo que há de sobrenatural tem uma explicação, o realismo mágico deixa tudo no mistério, sendo mais similar a um sonho. José J. Veiga é considerado um dos maiores autores do realismo mágico no Brasil e o livro Os cavalinhos de Platiplanto, lançado em 1959, está composto de vários de seus contos. Se eles têm algo de realismo mágico ou não, é o que vamos descobrir:
A
ilha dos Gatos Pingados – O narrador se lembra dos tempos que
andava com Cedil, um menino que apanhava do namorado da irmã enquanto a mãe
tinha medo de agir. Para esquecer de sua rotina, Cedil, o narrador e seu
outro amigo Tenisão, decidem transformar uma ilha num local de diversão. Senti
o tom de realismo, mas não o mágico. Um conto meio triste que faz ver como o
sertão de antigamente era normal ter esse tipo de violência com a criança.
A
usina atrás do morro – A cidade estava curiosa com a chegada
de um casal estrangeiro. Mas o pouco que eles falavam e o jeito como agiam fez
com que o povo ficasse desconfiado. Então, as coisas começaram a ficar
estranhas. Acho que esse seria um exemplo de realismo mágico com suspense. Um bom conto.
Os
cavalinhos de Platiplanto – O avô do narrador havia
prometido que se ele tomasse o remédio para o pé, o garoto ganharia um cavalo.
Mas com o avô ficando doente e o tio comprando sua fazenda, acabou que ele não ganhou
o seu cavalinho. Ou pelo menos, foi isso que pensou. Um conto que não se sabe
se foi sonho ou realidade.
Era
só brincadeira – Um homem, que se intitula major Beviláqua,
faz uma visita ao narrador para fazer umas perguntas sobre o seu amigo
Valtrudes, sem que o protagonista saiba do porquê desta entrevista. Outro
conto que te faz perder a cabeça.
Os
do outro lado – Havia uma casa grande e vermelha. Quando os moradores desta residência iam
para as ruas, todos se escondiam. Um dos contos mais estranhos que já li. Seu
nível de estranheza me lembrou Alice no
país das Maravilhas.
Fronteira
– O
narrador conta que quando era menino, as pessoas o usavam para ser guia pois
tinha um bom conhecimento da estrada. Era isso até ele descobrir que quem deixa
cair uma moeda em um córrego e tenta pegá-la, passará a vida inteira tentando
pegar mais moedas; e o pai dele se comprometeu a fazer isso para provar o
contrário. Conto bem feito que mistura drama cotidiano com as fábulas e mitos
que a gente ouve.
Tia
Zi rezando – Aparentemente, Firmino, o tio do narrador,
incendiou a casa de Lázio, amigo de seu sobrinho, com quem o narrador havia
sido proibido de entrar em contato, mas não o obedeceu, e por algum motivo, o
tio tentou matá-lo. Sua tia Zi, apesar de fingir ignorância, sabia das idas do
sobrinho e chegou até a ajudá-lo em um momento. Todos guardam um segredo do
narrador. Esse conto te fará teorizar, porém, como já esperava, ele não te dá a
resposta.
Professor
Pulquério – Pulquério era um homem que fazia
atividades variadas para ganhar um dinheirinho para família, como por exemplo
vender galinhas e retalhar vacas. Porém, era também professor, com grande
conhecimento histórico. Até ficar obcecado em achar um tesouro de um engenheiro
austríaco em um monte perto de sua vila. Não achei que tivesse um grande nível
de estranheza quanto alguns dos contos anteriores, mas dá para entreter.
A
Invernada do Sossego – Balão, o cavalo favorito do narrador
e de seu irmão Benício, havia sumido. Depois de ser encontrado morto, os irmãos
decidem que aquele não era o Balão e que este ainda estava perdido por aí. Me
lembrou um pouco Os cavalinhos de
Platiplanto. O final é confuso, algo nada incomum para o gênero desse
conto.
Roupa
no coradouro – Por não ganhar muito dinheiro no emprego
antigo, o pai do narrador decide virar vendedor e sai de casa, deixando o filho
ajudando a mãe em casa. Mas toda a vez que a mãe lhe pedia ajuda, o garoto se
distraía com alguma coisa e não fazia o que lhe era pedido. Um conto triste.
Segunda história que não achei nada de mágico ou estranho.
Entre
irmãos – O narrador conhece seu irmão, que mora na casa de seus
pais a dezessete anos. Ambos se sentem desconfortáveis em puxar assunto. Conto
curto que novamente, não vi nada de mágico. Ele transmite bem o desconforto do
narrador.
A
espingarda do rei da Síria – Em uma caçada, Juventino
perdeu sua espingarda, algo precioso para alguém viciado em caçadas. Até ele
ganhar uma do rei da Síria. Outro conto estranho. Não tenho muito a dizer.
A maioria das histórias pode ser classificada como realismo mágico, tirando três delas, que eram realistas. Apesar do autor ser conhecido por
este gênero, isso não significa que ele só tenha escrito isso e o livro é uma
coletânea de seus contos, não sendo distinguida pelo gênero. Mesmo assim, notei
várias semelhanças entre suas histórias. Em quase todas, tirando a última, o
narrador era um personagem da história. E todas, sem exceção, se passam no
campo. José J. Veiga tem um bom conhecimento da vida nas fazendas por ter sido
criado em uma e, por ter nascido em 1915, havia certas coisas naquela época que
não são aceitas hoje, como a punição corporal nas crianças. Além disso, o
estereótipo do homem machão do campo e da mulher passiva que cuida da casa são
bastante explorados em seus contos. Acredito que isso era comum naquele tempo,
apesar de não ser do meu gosto pessoal.
Ler esse livro foi uma experiência interessante, pois não
me lembro de ter entrado em contato com esse tipo de literatura antes. Apesar
de preferir um mundo completamente fantástico e acontecimentos abertos sem
explicação me irritarem um pouco, esse é um dos poucos livros brasileiros que
conheci que tem algo de fantasia, mesmo que sendo misturada com a realidade.
Por algum motivo, não temos muitos autores brasileiros que façam histórias do
gênero fantástico para adultos ou jovens adultos. Mesmo que essa coletânea de
contos não seja puramente de fantasia, esta contém alguns desses elementos e isso já me satisfaz um pouco. Se
quiser ler histórias em que a realidade se misture com o estranho e...
O
final ficará em aberto. A vida não dá resposta para tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário