sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

A pequena luz


            Os munhecos são seres curiosos. Eles vivem em um lugar escuro, onde a luz que ilumina o dia é bem fraquinha. A pele deles é lilás quando está de dia e roxa bem escura quando está de noite. Seus cabelos são de cor verde azulado, meio fantasmagórico. Mas tirando esses detalhes, os munhecos são bem parecidos com a gente em aparência. A verdadeira diferença é como eles são concebidos.
            Eles podem até formar casais, mas os bebês vêm da mesma luz que vem o dia e caem sob a macia Montanha Cinza para serem pegos e cuidados pela comunidade. Essa luz, que ilumina tão pouco, sempre foi um mistério para os munhecos. Porém, todos tinham medo de ir até lá, pois a consideravam como uma deusa, que não podia ser tocada. Seguravam sua curiosidade porque viviam bem com a caça dos animais, que normalmente eram cinzas ou negros. O único problema era a Atarab, um ser cascudo e nojento que voava vez ou outra por sobre suas casas, causando tumulto. Fora isso, era tudo tranquilo.
            Mas, em todo o rebanho existe uma ovelha negra. E esta era Darla, uma jovem bastante curiosa, que queria porque queria descobrir o mistério daquela luz. Mesmo que os outros tentassem convencer do contrário, ela não ouvia, e planejou de tudo para chegar à pequena luz.
            Seu primeiro plano foi escalar a Montanha Cinza até chegar ao topo. Só que de vez em quando, a montanha mudava de lugar. A sorte é que nenhum bebê munheco surgia da luz quando ela fazia isso. Darla fez observações e cálculos e aguardou o dia certo para iniciar sua subida, sem o contratempo de descer em outro ponto.
            Darla começou a escalar, só que por algum motivo, a montanha parecia encolher a cada subida que a munheca fazia, até a montanha ficar menor do que ela. Quando ela saiu, a montanha voltou ao tamanho original, para o desprazer de Darla.
            Sua segunda tentativa foi tentar laçar a luz. Teve um imenso trabalho para fazer uma corda bem comprida. Isso também não adiantou. Além de não alcançar a luz, acabou laçando um bode.
            Ela fez outras tentativas, mas todas foram em vão. Tentou flechar a luz para ver se ela caía, porém, a flecha acabou desaparecendo. Jogou outras coisas, que acabaram sumindo também. Quando estava prestes a desistir, viu algo se mexendo no telhado de sua casa, fazendo um enorme barulho. Era a Atarab. O bicho logo voou para o teto do vizinho. Darla então teve uma ideia.
            Pegou a corda comprida que havia feito para o seu segundo plano e laçou a Atarab. A cascuda logo voou, levando Darla consigo. A jovem subiu até chegar nas costas da Atarab. O bicho zunia e se mexia muito, demorando um tempo para Darla domá-lo. Mas quando conseguiu ter controle, a moça logo o mandou para a direção que queria ir. Voou até a luz. Ela quase a cegou.
           Sentiu que a Atarab diminuía de tamanho. Também sentiu que ela mudava com a proximidade. Chegou. Parecia que estava em baixo de algo, pois em cima e dos lados estava escuro. Só neles estava claro. A Atarab estava menor que ela e foi embora rapidamente. Darla não conseguia se mexer. Mas viu que seu corpo havia mudado. Sua pele ficou em um tom rosa claro, seus cabelos ficaram pretos e estava usando um vestido ao invés de uma blusa e uma calça.
            Viu em sua frente, uma mão gigante pegá-la. Não conseguia se mexer. Era uma menina. A criança correu com ela até uma adolescente e disse:
            - Malu, olha o que eu achei!
            - Você achou a Darla?! Onde você a achou?
            - Embaixo da cama.
            - Mas não pode ser. Eu perdi ela há anos atrás. Ela não pode...
            - Posso brincar com ela?
            - ... Pode.

            A menina correu de novo para o quarto e brincou com Darla e suas outras bonecas até crescer e parar. Num certo dia, ela perdeu a Darla, que voltou para o mundo dos munhecos. E então, Darla contou para os outros munhecos o que ela descobriu, não é? Não, ela não pôde fazer isso, pois bebês não tem uma boa memória. 

13 comentários:

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  2. Essa Darla...gostei dela rs. As ovelhas negras não são necessariamente "ovelhas negras". São seres diferenciados pela curiosidade, e que podem se dar bem ou não, mas que inevitavelmente sempre ganham da vida o aprendizado. E se forem espertos, ganham mais q isso....��.

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    1. Concordo. Geralmente são os diferentes que acabam mudando o mundo. Abraço.

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  3. Fenomenal, Mariana! Gostei de tudo... Dos munhecos, do mundo deles, o mistério da luz na montanha cinza, de Darla (a curiosa e ousada, não exatamente a ovelha negra da "tribo"!), do Atarab que é estranho, mas não é mal,... Putz! Um desbunde de conto e rico de poesia. Obrigada por compartilhar!

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  4. Imaginação vendo a vida. Bom ler seus textos.

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