quinta-feira, 18 de maio de 2017

Kirin

                                                           Escultura de Luísa Siqueira

                Em terras dominadas pela guerra e pela doença, vivia uma família nem tão rica, mas nem tão pobre que ficou em péssimas condições de moradia por causa das circunstâncias de seu país. A filha mais velha, Hana, havia completado dezoito anos:
                  - Está na hora de nos mudarmos desse local antes que a doença nos pegue.
            - Filha, você acha que temos condições para isso? – falou sua mãe, séria. - Não temos dinheiro para isso. Tudo o que nos resta é nos esconder aqui no subsolo, enquanto esperamos que a guerra acabe e seu pai volte.
                   - Eu também quero muito sair. – disse Marina, a irmã mais nova de Hana. – Eu não vou lá para cima desde que eu tinha seis anos.
                   - Eu lembro muito bem. – começou a avó de ambas. – Como se fosse hoje, de que a gente podia ver criaturas místicas nas florestas passeando e a gente...
                  - Mãe, todos sabemos que os seus tempos eram melhores que os nossos. Não precisa ficar repetindo todas as vezes. É hora de abrir o seu presente, Hana.
                 Hana abriu o presente. Era um cobertor:
                 - Obrigada mãe. – disse ela, sem muito entusiasmo.
                 Ouviu-se um som de uma corneta:
                 - É hora de todos irmos para cama. Amanhã a gente come o resto do bolo.
            Todos foram para os seus quartos, que eram bem minúsculos. Antes que Hana tivesse a chance de pegar no sono, foi cutucada no braço. Era a sua avó:
                 - Acorda, Hana. – sussurrou ela. – Eu ainda não entreguei o seu presente.
            Hana se sentou. Sua avó segurava uma vela com uma mão e o presente, que parecia ser pesado, com a outra. Hana pegou e o abriu. Era um livro de título Os quatro seres sagrados:
            - Abra na página cento e trinta.
            Ela abriu. Naquela página estava desenhada uma criatura escamosa, com patas de cavalo e chifres:
            - Este ser magnífico se chama Kirin. De acordo com a lenda, ele só aparece em lugares puros.
            - Está me sugerindo que eu vá em busca de um deles para ele nos levar para um lugar melhor?
            - Sim, e esse livro diz como.
            A avó virou algumas páginas, até aparecer um mapa:
           - Quando a lua aparece no céu, um kirin desce para beber água do rio Mitsuki, e recuperar suas energias. – a avó apontou para o rio desenhado no mapa. – E nós estamos aqui.
         Ela apontou novamente, dessa vez para o local escrito Planícies do Sol. Não parecia ser tão longe. Demoraria apenas algumas horas para chegar:
          - Vó, eu gostaria muito de ir para lá. Mas você sabe que a mãe não vai permitir. E nem sei como sair daqui para a superfície.
            - Deixa isso comigo. Amanhã eu te falo.
            Antes de voltar a dormir, Hana aproveitou para ler um pouco mais sobre a criatura que podia ser a solução para os seus problemas. O texto a descrevia como gentil e amável, se propondo a ajudar os que precisavam. Isso deixou a moça com mais esperança. No dia seguinte, Hana acordou e viu sua mãe e avó conversando, já bem despertas:
           - Mãe, por que você quer tanto que eu compre banana? Sabe que está difícil encontrar uma dessas nessa cidade subterrânea, e deve estar custando os olhos da cara.
              - Banana faz bem para pele. E minha pele está ficando bastante molenga. Quer ver?
            - Está bem, está bem. Eu vou procurar a sua banana. Mas devo demorar algumas horas para voltar. A senhora e Hana ficam de olho na casa enquanto eu não volto.
         Dizendo isso, ela pegou sua bolsa, que estava desgastada com o tempo, e saiu. Hana foi preparando o seu café. A idosa esperou um tempo antes de falar:
            - Toma logo o seu café. Vou te ajudar a preparar suas coisas e mostrar o seu caminho.
            Hana fez o que a sua avó mandou e foi junto com ela preparar as suas coisas. Quando estavam finalizando, Marina aparece e pergunta:
            - Para aonde vocês vão?
            - Não é dá sua conta. – respondeu Hana impaciente.
            - Vamos passear. – disse a avó com delicadeza.
            - Posso ir?
            - Não, minha querida. É coisa de adulto.
            - Passear não é coisa só de adulto.
            - O lugar para aonde a gente vai é só para adultos.
            - Você fica aqui e se comporta.
            - Aff. Tá bom.
            As duas saíram. Lá fora, havia uma correria, com gente carregando sacolas de comida. Sua grande maioria era de mulheres e jovens. A idosa puxou sua neta para um lugar onde não havia ninguém a vista. Ela a puxou até ambas chegarem em uma parede rochosa. A avó bateu nela três vezes no lado direito e quatro no lado esquerdo. Uma passagem se abriu:
            - Como a senhora...
            - Isso é história para outro dia. Agora vá. Você tem a katana de seu avô e o livro. Vai dar tudo certo.
            A senhora deu um beijo de despedida na neta. Hana pegou a lanterna e entrou na passagem, que se fechou atrás dela. Caminhou por uns vinte minutos nas paredes rochosas e ásperas até que, em sua frente, viu uma luz que quanto mais se aproximava mais ela aumentava de tamanho. Chegou à superfície vinda de um lugar que parecia ser a toca de um urso. Hana havia parado em uma floresta linda, que parecia ter sido intocada pela guerra. Ela pegou o livro e abriu onde estava o mapa. Ela teria que ir para o centro e estava bem na ponta do Oeste. Recomeçou então sua longa caminhada.
            Foi aos poucos observando a natureza do local. A vegetação era bem verde, com flores de cores bem vivas e variadas e pássaros cantando diversas melodias. Hana tinha saído de um lugar escuro quase sem ar para um que parecia um jardim encantado cheio de vida. Isso já a satisfazia muito. Porém, sentia que estava sendo observada. Não pelos pássaros e os outros animais, por algo ou alguém que parecia estar seguindo-a.
            Hana parou de repente, só para ouvir os passos de outro alguém pisando na folhagem. Ela pega a katana de seu avô e a balança para trás. Marina se assusta e dá um pequeno gritinho:
            - Marina?! O que você está fazendo aqui? Devia estar em casa com a vovó.
            - Mas vocês estavam fazendo segredinho desde ontem à noite, e me deixaram curiosa. Então peguei a chave reserva e segui vocês escondida. Esperei a vovó ir embora e fiz a mesma coisa que ela fez e aqui estou.
            - Você ficou ouvindo a nossa conversa de ontem? Que falta de educação.
            - Tenho um sono muito sensível.
            - Aff, já caminhamos demais para voltar e te deixar em casa.
            - E se você voltar para me deixar em casa, a mamãe irá descobrir o que você estava planejando. – disse Marina dando um sorriso malicioso.
            - Pirralha chata. Está bem, vamos.
            Marina foi para o lado de sua irmã muito contente. Hana, que estava bem tranquila até um momento atrás, encheu-se de preocupação. Agora além de mim, vou ter que cuidar dela, pensou. Andaram até a hora do almoço, dividindo a comida. Marina aproveitou a deixa para fuçar na mochila da irmã:
            - Para de mexer nas minhas coisas!
            - Só estou vendo. Uma corda? Mas esse bicho que vamos pegar não poderia destruí-la com os seus dentes?
            - Também não entendi o porquê da vovó separar isso. Além dos dentes, ele também solta fogo. Olha aqui.
            Hana passou o livro para Marina, que por ser estabanada, no ato que o pegou, acabou soltando a corda no fogo que cozinhava a comida:
            - Que droga, Marina! – disse Hana desesperada, tentando tirar a corda do fogo. – Quer colocar fogo em tudo?!
            - Desculpe...
            Mas quando Hana a tirou, não havia nada queimado. Estava tão intacta quanto antes:
            - Vovó, quantos segredos você guarda da gente?
            - A vovó não está aqui para responder.
            - Era uma pergunta retórica, Marina.
            - Retórica...
            - Aff...
            A duas terminaram de comer e voltaram a andar. Marina quis ler o livro, mas só pôde dar umas pequenas espiadas antes de Hana o retomar para ver o mapa. Então ela aproveitou para contemplar a natureza. Não se lembrava de ter alguma vez visto, pois era muito pequena quando a família se mudou para o subsolo. Foi colhendo diferentes flores para presentear a mãe quando voltassem. Chegaram no ponto aproximadamente às cinco horas. E qual não foi a surpresa delas verem um kirin deitado perto do rio:
            - É ele, Hana. – cochichou Marina. – Ele é lindo!
            - Como ele pode estar aqui agora? A vovó disse que ele só passava aqui à noite.
            Apesar de Hana estar confusa com relação a história da avó, ela até achou melhor que o ser místico já estivesse ali, pois o sol ainda estava lá em cima, e seria bem mais fácil capturá-lo se pudesse enxergar o que estava fazendo:
            - Você fique aqui escondida tomando conta da mochila. – disse Hana para a irmã, enquanto retirava a corda e a katana.
            - Tá bom. Tome cuidado.
            Hana foi se aproximando devagar. A katana estava pendurada em suas costas e a corda estava em suas mãos. Ficando próxima ao pescoço do kirin, conseguiu amarrá-la antes de ele acordar. Quando acordou, fez um movimento brusco que derrubou Hana para o outro lado. Mas mesmo assim, ela não soltou a corda:
            - Quem é você?! – perguntou o ser, sem mexer a boca, em uma voz jovial.
            - Pode falar?
            - Claro que eu posso, humana maluca! Larga a corda!
            Hana soltou. O kirin olhou bem para o fundo dos seus olhos e perguntou:
            - O que você quer comigo, humana insolente?!
            - Sou Hana. Quero que o senhor mostre a mim e a minha irmã um lugar pacífico para nossa família poder morar.
            - Então, você espera que eu a leve em minhas costas para um lugar perfeito para morar.
            - Isso.
            - Ha ha ha ha...
            Ele continuou rindo até Marina sair de seu esconderijo irritada e perguntar:
            - Qual é a graça?!
            - Isso é algo sério! Estamos em guerra e não podemos viver nessas condições para sempre.
            - Humanas tolas. Acham mesmo que tal lugar existe? Se ele existisse e eu levasse vocês lá, iriam estragá-lo.
            - Não iríamos não!
            - Iriam sim. Vocês são os seres mais destrutíveis do mundo e brigam por qualquer coisa. Não existe nenhum que seja digno o bastante.
            - Nem todos os humanos são do jeito que você pensa. E você também não parece nada com o ser bondoso e humilde que é mostrado no livro.
            - Isso porque além de serem destrutivos são também mentirosos. Não sou um ser perfeito. Mas ainda assim sou melhor que toda a sua espécie.
            - Então prove. Prove que é melhor que a gente e nos ajude.
            - Eu irei... Espere um pouco, você acha que pode me enganar assim tão facilmente? Não farei o que vocês querem. Vocês é que tem que provar que são dignas da minha ajuda.
            Hana puxou a katana de suas costas enquanto Marina pegava a corda:
            - Vocês sabem que eu posso soltar fogo, não sabem?
            - Você sabe que a corda é a prova de fogo, não é? – disse Marina.
            - E esta katana é bem afiada e resistente. – continuou Hana.
             O kirin lançou fogo de sua boca na corda, mas como era de se esperar, nada aconteceu. Tentou assim lançar nas meninas, o que também foi em vão, pois no desespero, Hana as defendeu com a katana. Quando o ser ia voar, Hana saltou nele com a katana perto do pescoço do animal:
            - Está bem, está bem! Eu as levarei para algum lugar ideal. Tire essa katana de perto do meu pescoço!
            - Promete?
            - Prometo.
            Hana fez sinal com a cabeça para Marina se aproximar. Ambas subiram em suas costas e foram para o céu. Hana guardou a arma e segurou firme, com medo de cair. Marina tocava nas nuvens, que logo se dissolviam. Estava tão animada com aquilo, que quase caiu:
            - Pare de brincar e se segure! – disse Hana, nervosa e tensa. – Você vai morrer se cair.
            - Está bem, sua chata.
            Era noite. Marina tentou pegar as estrelas em vão. O kirin pousou no que parecia ser o começo de uma montanha. Apesar da iluminação das estrelas, não dava para ver muita coisa:
            - Perto daqui, há um vilarejo. Creio que será do agrado de vocês.
            - Iremos até lá amanhã. – concluiu Hana. – Agora vamos jantar. Marina, colha os galhos daquelas árvores aqui perto para ele fazer fogo.
            - Tá bom.
            - Como?! Vocês não vão me soltar?!
            - Preciso confirmar se você  não está mentindo.
            - Sou um ser místico. Ao contrário de vocês, tenho palavra.
            - Veremos.
            Marina trouxe os galhos e o kirin lançou suas chamas sobre eles. As meninas comeram, não deixando de soltar a corda. Marina, oferecendo parte da sua comida para o ser, perguntou:
            - Qual é o seu nome?
            - Minha espécie não se utiliza desse tipo de costume. Não há necessidade.
            - Então, você não tem um nome? Vou dar um para você.
            - Olha, eu não que...
            - Você se chamará Kirito. O que acha Hana?
            - É um bom nome. Quer mais um pedaço de carne, Ki – ri – to?
            - Pare de me chamar assim!
            Após o jantar, todos dormiram. E como havia dado a sua palavra, Kirito não tentou escapar enquanto as irmãs dormiam. No dia seguinte, o grupo foi em direção ao vilarejo:
            - Como vamos passar pelo vilarejo com ele junto? – perguntou Hana para si mesma. – Vai chamar muita atenção.
            Mal havia se virado e viu que que no lugar da criatura que parecia ser uma mistura de espécies, havia um belo rapaz de cabelos longos e negros:
            - Como?
            - Realmente, vocês não sabem nada sobre minha espécie. Isso é algo simples para nós.
            - Legal! – disse Marina excitada. – Você pode me transformar também?!
            - Claro, posso te transformar em uma formiga se você vier...
            - Não! Nada de transformações.
            - Chata.
            Com Kirito como guia, as irmãs chegaram até a aldeia. Mas ao contrário do que Hana havia pensado, ela era bem simples, e longe de ser um paraíso. Na verdade, estava caindo aos pedaços:
            - Que lugar é este? – perguntou Marina.
            - Não me parece ser um lugar perfeito para se morar. Parece até com a minha casa, só que no ar livre.
            - Esse é o melhor local que eu posso levar vocês. Não posso passar destes dois países.
            - Espere, está me dizendo que estamos no país inimigo? – cochichou Hana
            - Sim.
            Hana puxou os dois para fora do vilarejo, de volta para perto da montanha:
            - Como pode ter nos mandado para um território inimigo? E como assim você só pode nos deixar nesses dois países?! O livro diz...
            - Pare de acreditar em tudo em que um livro diz. O livro não diz tudo sobre mim. Eu fui castigado pelos outros de minha espécie. – respondeu Kirito, irritado.
            - Por quê? – perguntou Marina curiosa.
            - Não é da sua conta, menina irri...
            Hana tirou a katana de suas costas e o encarou com um olhar que dizia xinga a minha irmã para ver o que te acontece ou fala logo o motivo senão eu corto sua garganta:
            - Eu fui expulso de casa por não aceitar essas crenças.
            - Que crenças? – perguntou Hana.
            - De que devemos ajudar os humanos.
            - E por que você discorda?
             - Porque sua espécie é ingrata. Quando a ajudamos a encontrar uma terra boa, o que ela faz? Destrói o local e ainda briga com o vizinho por achar que a dele é melhor. Vocês já até invadiram a nossa moradia sagrada e ainda assim temos que ajudar vocês?
            - Então, isso significa que nós somos do mal? – perguntou Marina, em tom triste.
            - Sim. E que a minha é idiota. Como me dói admitir isso.
              Hana tirou a katana de perto do pescoço do kirin e a guardou. Marina ficou olhando para o chão sem dizer nenhuma palavra:
            - Nos leve de volta. – disse Hana, áspera.
            O kirin voltou a sua forma original e carregou as meninas. Ninguém disse uma palavra durante a viagem. Chegaram na hora do almoço. Fizeram uma fogueira para prepararem a comida. Depois de muito tempo calada, o que era anormal para ela, Marina perguntou:
            - Hana, por que estamos em guerra?
            - Se não me engano, o país de Kiiro achou que parte das nossas terras continha algo que poderia enriquecê-los. Então, nos atacaram para nos tirar parte do território e estamos nisso até hoje.
            - E o nosso pai? Acha que ele está bem?
            - Não sei. – disse Hana com tristeza. – Espero que sim.
            Hana se lembrava de como as pessoas falavam mal de seu pai, por ser estrangeiro e não merecer estar entre eles. Ela própria sofreu com isso por um tempo. Mas Marina é que se destacava nas cochichadas por ter o cabelo loiro como o do pai. Ele foi lutar na guerra  não apenas para proteger sua família, mas também provar aos outros que considerava este país como seu lar. Mesmo assim, as pessoas...
            - Acha que conseguiremos acabar com a guerra para podermos voltar a morar aqui em cima? – perguntou Marina
            - Se nossos guerreiros poderosos estão lutando até agora, você acha mesmo que duas garotas vão acabar com a guerra?
            - Pode ser que sim. Me dá o livro.
            Hana passou o livro para Marina, afastando a irmãzinha do fogo para ela não acabar fazendo besteira. A menina ficou folheando por alguns minutos até que parou em uma página. Leu por mais alguns minutos e mostrou para Hana:
            - Aqui.
            Hana leu. Se tratava de um objeto mágico, criado por um poderoso dragão chamado Mão Dourada do Oh. Tudo que era tocado pela mão, era transformado instantaneamente em ouro. Por ser considerado um objeto de cobiça e extremamente perigoso, foi escondido em uma caverna da montanha Yama e guardado por um ser da neve desconhecido.
            - Se dermos isso ao imperador de Kiiro, ele provavelmente irá acabar com a guerra. Mas seremos consideradas traidoras pelo nosso país por entregarmos isso sem lutar. Afinal, nosso povo é orgulhoso, que nem um certo alguém aqui.
            - Humpf. – Kirito virou sua cabeça irritado.
            - Mas com isso, podemos pensar em um plano para derrotar o imperador de Kiiro.
            - Isso não seria cruel.
            - Marina, ele é conhecido por cortar as cabeças de empregados que colocaram pouco açúcar em seu chá. Você não escuta nada das conversas da vovó com as suas amigas.
            - Conversas de gente velha me dão sono.
            - E elas falaram que ele tem mais de mil anos e só teve uma esposa que desapareceu misteriosamente. Acho que tenho um plano. Mas primeiro, precisamos da ajuda de nosso amigo aqui.
            - E eu tenho alguma escolha? – disse o ser em tom sarcástico.
            - Não. A montanha Yama é um lugar muito frio e não fazemos ideia do monstro que guarda o tesouro. Acho que os seus parentes de mais experiência podem nos ajudar.
            - Ficou maluca! Eles não vão deixar eu entrar em nossa moradia sagrada.
            - Mas você estará ajudando duas humanas, não é?
            Hana olhou para Kirito com um sorriso de eu sou esperta. Ele sorriu de volta da forma como um ser que é uma mistura de vários animais poderia sorrir. Acabando de comer, eles partiram para a residência dos kirins. Ficava nas nuvens, mas por algum motivo, lembrava muito a floresta em que as garotas encontraram Kirito pela primeira vez, só que mais paradisíaca. Os kirins os encaravam com maus olhares, mas era mais devido a presença de Kirito do que as irmãs em si. Um deles se dirigiu ao trio. Era um dos maiores, só que era bem mais pálido devido a sua idade:
            - Você voltou, meu jovem. Se tivesse voltado sozinho, teríamos te prendido. Mas você trouxe humanas para cá. Creio que mudou sua opinião sobre ajudar esses seres mal orientados.
            - Ser preso por uma corda mágica e ameaçado por uma katana faz qualquer um mudar de opinião. – disse Kirito sarcástico.
            - O que as trouxe aqui moças?
            - Ele. – respondeu Marina, apontando para Kirito.
            - Não foi isso que eu quis dizer, pequenina. Eu...
            - Sou Hana. E esta é minha irmã Marina. Viemos pedir ajuda para ir a montanha Yama e pegar a Mão Dourada do Oh.
            - E para que a quer?
            - Para acabar com a guerra. – respondeu Marina.
            - Bom, pelo que eu ouvi, este objeto causou o mal de uma família. Há muito tempo atrás, um poderoso dragão, cujo o nome não me recordo, presenteou o imperador Oh, do país de Niwa, com uma réplica de sua mão, que podia tornar qualquer coisa em ouro. Ele a usou com cuidado e evitando que ela tocasse qualquer pessoa. Mas quando sentiu que seu poder o estava corrompendo, jogou em uma caverna da montanha Yama. Falecendo por idade, ele deixou uma filha que para continuar suas gerações, precisava se casar. Ela era apaixonada pelo atual imperador de Kiiro, que também é muito bom na arte da feitiçaria.
            - É por isso que ele vive até hoje?
            - Ele transferiu sua alma para algum objeto. Por isso, seu corpo não envelhece. Mas voltando a história, a princesa Yuki foi iludida pelo seu charme, não sabendo o quão ganancioso ele era, e que também sabia do objeto guardado pela família dela. Após a união dos dois, o imperador pediu para que sua esposa o mostrasse os pertences da família, pois agora faziam parte da mesma. Ela o levou até a caverna. E como ele não precisava mais dela, ele a esfaqueou e a deixou na neve. Pegou a mão com cuidado e foi embora. Porém, antes que ele pudesse sair da montanha, Yuki pediu ao seus ancestrais que, antes de morrer, queria se vingar de seu antigo amor. Com isso, ela e a neve da montanha se tornaram uma só entidade. Como não podia matá-lo, pois não teve coragem, ela congelou parte dos seus pensamentos, fazendo-o se esquecer o porquê de estar ali. Ela tomou a Mão de Oh e se tornou sua nova guardiã.
            - E depois disso, o trono foi passado para o seu primo. – completou Hana.
            - Isso mesmo. O descongelamento de seu pensamento demorou, mas agora ele se lembra e quer tomá-la de volta.
            - E decidiu começar uma guerra envolvendo pessoas inocentes por ganância.
            - Exatamente.
            Houve um silêncio por um tempo, até que o líder dos kirins decidiu quebrar o gelo:
            - Sou o maior e mais velho dos kirins...
            - Isso eu já percebi. – falou Marina. Hana a cutucou com o ombro para ela ficar quieta.
            - E vejo em vocês um motivo nobre em seu objetivo...
            - Vindo de uma pessoa que queria se mudar para um lugar perfeito e deixar os outros morrerem. – disse Kirito em voz baixa. Hana o cutucou com o ombro para ele ficar quieto.
            - Por isso, decidi ajudar vocês. Me sigam.
            Ele foi em frente, sendo seguido pelas irmãs até que Kirito pergunta:
            - E quanto a mim? Eu ajudei elas a chegarem aqui. Posso retomar a minha casa?
            - Pode. Mas seu castigo só será totalmente retirado quando a missão delas acabar.
            O assunto se deu por encerrado naquele dia. Quando viu a katana de Hana, o grande kirin resolveu treiná-la, pois já havia viajado pelo mundo e aprendido muita coisa, incluindo a arte de manusear uma katana. Marina também quis aprender, e assim foi consentido o seu desejo. Só que ela não podia usar uma katana de verdade e só ganharia, de acordo com a sábia criatura, quando completasse treze anos. Se passou um mês, e Hana aprendeu as técnicas com rapidez, pois já conhecia algumas delas devido ao seu avô. Assim como Marina, ela treinou usando pedaços de madeira. Foi dito que devolveriam a katana quando chegasse a hora, com uma pequena surpresa. Apesar de ser bem tratada e o lugar ser paradisíaco, ela sentia um vazio no seu peito, que foi logo transformado em palavras pela irmã enquanto estavam treinando:
            - Sinto saudades da mamãe. E da vovó também.
            - Aqui é muito bom. Mas depois de um tempo fica sem graça sem as pessoas que a gente conhece. Foi assim que eu me senti quando o papai saiu e não voltou.
              Elas pararam de treinar. O kirin chefe as chamou. As irmãs foram para o salão principal. Havia muitos kirins reunidos, incluindo Kirito. Em uma mesa de pedra estava a katana. O líder disse:
            - Chegou o dia. Hana, venha pegar sua arma.
            Hana se aproximou da mesa de pedra e pegou sua katana. Chamas reluzentes saíram de sua lâmina. A jovem sentia o calor dela:
            - Acrescentei um algo a mais nela. Acho que você vai gostar.
            Hana fez movimentos com sua nova velha katana. Ela lançava chamas quando movimentada, acertando algumas paredes. Mas como o lugar era mágico, logo que as chamas as tocavam, imediatamente desapareciam, sem causar nenhum dano:
            - Adorei. Só espero que ela cause dano de verdade.
            - Em seus inimigos ela causará. Você... – disse ele se referindo ao Kirito. – Mostre a ela seu casaco e a bolsa com os suprimentos antes de levá-la a montanha Yama.
            - Sim senhor.
            - E eu? – perguntou Marina.
            - Você fica aqui até eu voltar.
            - Mas eu quero ir.
            - Aqui é mais seguro. Você é só uma criança. Ainda não pode lutar.
            - Posso sim. Eu treinei com vocês. Só me falta uma katana.
            - Você não vai e ponto final!
            - Você não é minha mãe. Não pode mandar em mim.
            - Chega! – gritou o kirin chefe. – Leve a sua irmãzinha. Ela poderá ser de grande ajuda em sua batalha.
            - Legal!
            - Aff...
            Marina foi com a irmã e Kirito pegar as coisas e partiram. A montanha fazia fronteira com a floresta, mas mesmo assim, o clima quente e úmido dela não parecia afetar o frio congelante da poderosa Yama. Além dos casacos, Hana e Marina também usavam capas, pois não estavam acostumadas com esse tipo de frio. Kirito não usava nada, como sempre:
            - Você não sente frio? – perguntou Marina
            - Não muito. Sou um ser que cospe fogo e meu organismo é muito quente. Ao contrário da sua espécie que é...
            - Vai começar. Será que poderia parar de falar mal da gente? – pediu Hana, já irritada.
            - Não estou falando mal de vocês. Estou falando mal da sua espécie. E além disso, sua irmã não chega a ser ruim como você, então ainda há uma esperança.
            - Eu mereço...
            Com a ajuda do mapa do livro, o trio chegou à caverna sem se perder. Como a caverna era escura, Marina e Kirito que estava na forma humana naquele momento seguravam tochas. Hana ficava de olho em Marina para a garota não derrubá-la, enquanto segurava sua katana flamejante com uma mão. Não parecia haver nada nem ninguém ali dentro. Continuaram até o fundo, onde as moças ouviram algo. Parecia um sussurro:
            - Vocês ouviram isso? – perguntou Marina, assustada.
            - Parece a voz de um homem. – continuou Hana.
            - Eu não ouvi nada. Podemos continuar?
            Então continuaram. A voz parecia mais próxima e, para Hana, mais familiar:
            - Não sabe o quanto eu senti saudades...
            - Pai? – falou Hana, baixinho
            Seguiram em frente. Chegaram a ver de longe um pedestal dourado com algo protegido por um vidro. Outras vozes começaram a surgir:
            - Minhas filhas. Não sabem o quanto eu procurei vocês. Me deixaram preocupada.
            - Mamãe? – disse Marina. – Mamãe!
            - Pare! – gritou Kirito segurando o braço de Marina. – Seja o que for que estejam ouvindo é uma armadilha.
            As vozes pararam de repente:
            - Você não nos engana! – gritou Hana. – Apareça!
            Neve sendo levada por um vento surgiu do interior da caverna. Seus flocos se juntaram e dois monstros de neve gigantes se materializaram. Rugindo em fúria, eles atacaram o trio. Hana usou sua katana para defender todos. Para ajudá-la, Kirito lançou uma bola de fogo em um dos monstros. Mesmo eles se derretendo, eles logo recuperavam sua forma anterior. Mais deles foram surgindo do vento que não parava. Enquanto os dois estavam distraídos com os monstros, Marina viu um vulto. Ele era fantasmagórico e era dele que vinha a ventania de gelo:
            - Hana! Ali! – apontou Marina. – É dele que vem...
            O fantasma jogou uma estaca de gelo na direção, que por pouco não desviou. A forma dele ficou mais bem definida. Era uma mulher jovem, cabelo grande e negro, usando um kimono branco como sua pele:
            - É a Yuki! – gritou Marina.
            Hana olhou rapidamente para a mulher. Quase que um monstro acerta um golpe nela:
            - Cuida dos monstros para mim. – disse Hana ao Kirito. – Eu vou cuidar dela.
            - Como?
            Ela saiu da batalha, deixando Kirito com as aberrações de neve:
            - Que droga!
              A mulher da neve não facilitou para Hana. Quanto mais ela tentava se aproximar, mais vento e estacas de gelo Yuki direcionava à Hana, deixando-a até mesmo com frio, apesar de bem agasalhada e em posse de uma katana de fogo. Hana não conseguia mais avançar. Até que ela sentiu algo tocar a sua mão.
Juntas, Hana e Marina foram até Yuki, que só enfraqueceu com a proximidade da lâmina flamejante e da tocha, que ainda tinha um pingo de chama sobre a madeira queimada. Os monstros derreteram quando a mulher se pôs ao chão, enfraquecida e suando:
- Vocês não entendem. A Mão de Oh pode corromper qualquer pessoa à ganância. Quase corrompeu meu pai e atraiu um homem que me usou para chegar até ela. – disse a mulher fantasma, suando pelos olhos. -  Agora como castigo, estou presa aqui, protegendo este artefato indesejado, que sempre precisará ser vigiado. Meu ódio por aquele homem só aumentou durante todos esses anos. Ele é o culpado por eu estar aqui. Como queria me vingar.
Hana e Marina olharam uma a outra, depois de Yuki acabar de falar. Havia pena em seus olhos.
                                                                           ...
             
            No palácio do imperador de Kiiro, chegam duas figuras encapuzadas, montadas em um kirin, pedindo aos guardas uma audiência com o seu soberano. Por terem visto a figura majestosa de um ser sagrado, eles avisaram na hora. O imperador permitiu a entrada e mandou elas irem para o salão do trono real. Lá, ele as esperou sentado no trono, segurando o seu cajado de ouro. Ele então perguntou:
            - O que as senhoritas trazem aqui em meu domínio vindas em uma criatura tão magnífica? – disse ele em tom falso.
            - Eu e minha irmã viemos do reino de Niwa propor a paz. – disse a menorzinha.
            - Bem, o seu povo possuía algo que é meu por direito. Só vou parar minhas tropas até...
            A garota maior e encapuzada tira algo de sua bolsa. Era um objeto enrolado com panos de ouro. Os olhos do imperador se esbugalharam e um sorriso sinistro surgiu em sua face:
            - Ora, ora, se aproxime senhorita, para que eu possa vê-la melhor.
            Claro que o soberano de Kiiro estava falando do objeto. A moça se aproximou enquanto o imperador havia se levantado de seu trono, deixando o cajado e segurando um lenço grande, que ia usar para pegá-lo:
            - Entregue-a para mim.  
            Quando se aproximou da moça, o lenço começou a congelar. E também o seu corpo:
            - Mas o quê?
            - Surpreso, querido?
            Sua esposa o congelara por completo. Antes que os guardas pudessem reagir, ela correu para o trono e com seu poder de gelo, quebrou o cajado. No lugar do imperador congelado, surgiu um líquido verde que logo evaporou e desapareceu. Depois desse ocorrido, a guerra foi cessada. Hana, que estava de guarda no lugar da princesa, entregou a verdadeira Mão aos kirins, que teriam mais cuidado com ela. As irmãs se reencontraram e voltaram para casa. Yuki nunca mais foi vista.


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