sexta-feira, 30 de junho de 2017

O culpado

            Entrei em minha casa. Pequenas manchas de sangue no chão. Vou seguindo o rastro até ele me levar para a sala. Nódoas de sangue no sofá; uma almofada toda rasgada. Vejo mais gotas desse sangue na minha cama, com os travesseiros em um estado pior que o da almofada. E por último, verifiquei a cozinha. Entrei em estado de choque. O saco de pão francês dilacerado, com migalhas espalhadas pelo recinto, e gotículas vermelhas. Fui até o banheiro da cozinha. Lá, encontrei o culpado, na verdade “a culpada”, comendo a prova do crime:
            - Lassie, saia daí! Direto para o castigo! Já!
            Tive que limpar todo o sangue da minha cadela, que no momento estava no cio.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

João e Maria

Dica: Antes de começar a leitura, leia, caso já não tenha lido, o conto Cachinhos de ouro que postei em fevereiro de 2017, para assim você entender melhor o final. Boa Leitura!





         Bem, todos os dias a gente ia para a floresta ajudar o nosso pai a trazer lenha para vender, enquanto a nossa madrasta cuidava da casa. Para a gente não se perder, nosso pai nos dava algo para marcar o caminho.
            - O que ele dava para a gente marcar variava. Um dia foi pedrinhas, outro foi sementes e...
            - Então nesse dia ele deu pão para a gente marcar e...
            - Vocês usaram o pão, mas algum bicho comeu e fez vocês se perderem.
            - Não, a gente comeu o pão. Estávamos quase sem comida em casa, não iríamos desperdiçar colocando no chão.
            - Eu peguei um graveto e pedi para João que o arrastasse para não nos perdermos.
            - Mas alguma coisa passou por ali e desfez nosso caminho.  
            - Então fomos andando e andando até que na manhã seguinte, encontramos uma casa feita de doces.
            - Como estávamos com muita fome, comemos parte dela.
         - Só que aí apareceu uma velha feia dizendo: Ah, vocês comeram a minha casa! Terão que trabalhar duro para repor.
           - Então, ela nos obrigou a fazer tarefas de casa. Não conseguimos fugir porque ela trancava tudo na hora de dormir. E...
            - Para falar a verdade, não queríamos fugir. Tinha comida à beça e muitos doces gostosos. Só que não percebemos algo: Ela sempre apertava os nossos braços. Ela dizia que era para ver se a gente estava ficando fortinho, mas na verdade...
            - Ela nos media para ver se a gente estava engordando. Quando viu que eu estava mais pesado, ela me colocou em uma jaula para me engordar mais e depois me comer.
            - E me obrigou a fazer a arrumação da casa toda sozinha, aquela bruxa! Mas eu, como sou inteligente, percebi que ela não enxergava bem, e na hora de ela apertar o braço do João, eu entregava um osso de galinha, e enganava ela.
            - A gente tentou planejar algo falando nossa língua secreta, que só nós que somos gêmeos sabemos falar.
            - Sim, mas isso não é importante, João. Teve um momento que a velha suspeitou da nossa trama e parou de dar coisa com osso para a gente comer e mediu o braço do João. Ela se sentiu satisfeita e ligou o forno.
            - Foi então que eu, que havia comido bastante e estava forte, quebrei a jaula e joguei a bruxa no forno.
           - Que mentira! Você não conseguia se mexer do lugar de quão gordo você está. Fui eu que tirei a chave dela e a empurrei no forno.
            - Prefiro a minha versão.
          - Então, vocês a mataram por defesa, e nada disso teria acontecido se seu pai e sua madrasta tivessem tomado conta de vocês e não os abandonassem na floresta?
            - Espera aí!
            - Eles fizeram de propósito?
           - Senhor Joaquim, você tira a lenha da floresta desde muitos anos, e parece conhecê-la tão bem quanto sua própria casa. E é claro, sabe que os animais comem de tudo por lá. Deixar as crianças marcarem o caminho com o pão não é algo muito esperto para alguém que tem esse conhecimento. E ainda mais para quem estava quase sem comida em casa. Admitam! Você e sua esposa queriam se livrar das crianças para não ter que alimentá-las mais.
            - Eu não queria, eu juro! Amo os meus filhos. Foi essa megera que insistiu para que eu fizesse isso. Eu tentava dar outros meios para resolver o problema, mas não. Temos que nos livrar das crianças, se não morreremos de fome.
            - Agora você vai jogar a culpa em mim?!
          - Eu estava bem, tentando superar a morte da minha esposa e cuidando dos meus filhos até você aparecer e me seduzir, casar comigo e convencer a deixar meus filhos na floresta na primeira falta de leite. E mesmo após o nosso casamento, você nunca me apresentou a sua mãe. Eu ouvi pelas bandas que ela ainda estava viva.
            - Você não ia se dar bem com ela. Ela era excêntrica.
         - Era? O que aconteceu com sua mãe, senhora Lídia? Por acaso ela caiu no fogão e morreu queimada?
            - Como?
        - Sabe, eu investigava um sumiço de crianças que se perdiam no meio da floresta. E pelo catálogo do seu nome, vi que a senhora já se separou muitas vezes.
            - E o que isso tem a ver?
            - Tem a ver que todos os seus ex-marido moravam em cidades que contornavam a floresta. E todos eles tinham crianças do casamento anterior. O que a senhora tem a dizer sobre isso?
          - Está certo! – disse Lídia, começando a chorar. – Minha mãe era uma bruxa devoradora de crianças. Eu atraía as crianças para ela. Até que essas crianças a mataram! Minha pobre mãezinha...
          - Aff, cada caso que eu tenho que resolver. Primeiro a garotinha cleptomaníaca na casa dos Ursos, agora isso?! 

sexta-feira, 16 de junho de 2017

O Livro do Cemitério análise



         Livro infanto-juvenil gótico escrito por Neil Gaiman conta a história de um garoto chamado Ninguém Owens que foi criado por fantasmas em um cemitério. Por ter um assassino à sua procura no mundo dos vivos, o jovem é vigiado pelo cemitério, e proibido de sair sem autorização (o que ele obviamente não irá cumprir).
            Gostei bastante dos personagens e dos seres míticos que aparecem no livro. Não fazia ideia do que era um ghoul até esse livro me apresentar. Ghoul é um ser monstruoso que come carniça, para os que não sabem. Bem criativo o significado de sabujo de Deus, dando uma outra origem para um ser imaginário que todo mundo já conhece, que não vou revelar seu nome por ser um spoiler.
         Cada capítulo é uma aventura diferente que o menino passa enquanto vai crescendo. Mas no final, essas vivências dão experiência para ele e o ajudam no clímax do último capítulo. Achei a motivação do assassino não muito criativa comparada com a mitologia que Neil Gaiman criou para o mundo dos mortos, porém não me atrapalhou.

Li em algum lugar que este romance se assemelha ao de Mogli, o menino lobo. Não sei dizer se isso é verdade, pois ainda não li o livro do Mogli, mas pelo título original em inglês que é The Jungle Book, traduzido fica O Livro da Selva, nota-se uma semelhança com o título do livro analisado. Bom, se eu o ler, eu conto a vocês se existe mais semelhanças ou não. Aconselho O Livro do Cemitério para pessoas que gostam de literatura fantástica envolvendo fantasmas, mas que não é tão dark por ser designado a um público de faixa etária entre onze a treze anos. 

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Jeitos de matar

           Eu jogava cartas no bar da esquina com um grupo bem improvável. Era eu, a senhora Joaquina do quinto andar, o porteiro Zé, que trabalha nas terças e quintas e o Antônio do primeiro andar. Éramos bem diferentes. A senhora Joaquina adorava cachorros, tinha uns cinco em casa e os tratava como filhos. Algumas vezes eu a via passeando com um deles de carrinho. O porteiro Zé era fofoqueiro. Fofoqueiro mesmo. Sabia de tudo o que acontecia no prédio e se quisesse saber de alguma coisa ruim de alguém do condomínio, era só perguntar para ele. O Antônio era um rapaz em que saúde era prioridade. Era vegetariano e só bebia suco no bar. E quanto a mim, sou uma pessoa normal.
            Então, a pergunta é: Por que um grupo de pessoas tão diferentes se reunia para jogar cartas? Era pelo amor às cartas? Negativo, às vezes nós mudávamos o jogo. A nossa união não era promovida pelo amor, mas sim pelo ódio. Ódio a uma pessoa: Dona Candinha. Ô velha chata! Ninguém ali gostava dela. Cada um de nós discutia um bom jeito de matá-la, apesar de ninguém ter a coragem de fazê-lo.
            A senhora Joaquina a odiava porque ela sempre reclamava dos latidos dos seus cachorros, apesar deles normalmente latirem à tarde, em um horário em que as pessoas já estão acordadas. Porém, a velha sempre queria tirar uma soneca nesta hora e sempre implicava com os cães da Joaquina. Seus jeitos de matar a velha sempre envolviam os seus cachorros. “Vou treiná-los para quando ela bater na minha porta, eles a mordam até ela parar de respirar” ou “Vou enforcar ela em uma coleira e colocá-los para arrastar o seu corpo até virar pó” foram algumas de suas sugestões.
            O porteiro Zé não aguentava o tanto de reclamação que vinha dessa mulher. Ela reclamava do barulho da construção, do barulho dos vizinhos e até do barulho do rádio, a única distração que o Zé tinha. Ela reclamava com os outros porteiros, mas o Zé era um caso especial, pois ela falava da sua postura e aparência, mandando ele cortar o bigode. “Quando eu cortar o meu bigode, vou fazer ela o engolir até engasgar e parar de respirar” era uma das opções. Uma outra era “Vou pedir para o meu cunhado eletricista colocar eletricidade no portão só para a velha morrer com o choque”.
            Antônio era do tipo que se dava bem com todo mundo, apesar de ser meio obsessivo quando se trata de sua saúde. Não suportava cigarro, mas tentava aguentar o cheiro. Só que dona Candinha passava dos limites. Ela morava no segundo andar, bem em cima dele e jogava os restos do cigarro pela janela, deixando aquele cheiro horrível logo pela manhã. “Eu não me incomodaria tanto se ela jogasse os cigarros no lixo, Mas não! Ela joga logo pela janela! E ainda reclama dos outros. Que vontade de fazê-la engolir esses troços, ou melhor ainda, enfiá-los no seu...”
            E quanto a mim, eu dividia a mesma vaga de carro que ela. Como ela foi a primeira a alugar, se achou no direito de escolher o lado que queria. Essa vaca quase não saía com o carro e eu tinha que trabalhar todo dia. Ela estacionava tão mal que prendia o meu automóvel e eu não conseguia sair. Já quis trocar de lugar várias vezes, mas ela sempre deu aquela desculpa de que já era uma senhora de idade e blá blá blá. Eu também não estava na idade de pular o banco. Eu tinha vontade de atropelá-la com o meu carro ou prendê-la no carro dela e tacar fogo com ela dentro.
            A gente se reunia todos os domingos e sempre inventávamos um jeito novo de matá-la. Imaginar ela morrendo de velhice era chato e sem graça demais. Porém, isso tudo mudou. Eu estava saindo com o carro e notei que o dela não estava mais lá. Achei normal no começo. Passou três dias e o carro dela ainda não estava na vaga. Quando eu estava indo comprar pão, encontrei o Zé, que veio logo me contar algo. Imaginei que era uma fofoca. E acertei:
            - Sabe, você foi quem chegou mais perto.
            - Mais perto do que?
            - De como ela ia morrer. O carro dela ficou sem gasolina em uma subida. Esqueceu o freio de mão e desceu ladeira abaixo até bater em outro carro. Ela não resistiu.
            Houve um minuto de silêncio, até Zé voltar a falar:
            - Você vai com a cara do seu Oswaldo?
            - Não, ele é muito ranzinza.
            - Então venha nesse domingo se reunir com o grupo. Jogaremos baralho.
            - Combinado.
            Fui comprar pão. Me reuni com eles no domingo e discuti novos meios de matar.

            

sexta-feira, 2 de junho de 2017

O Juiz


            Acordei.  Estava em um lugar escuro, sentado em um banco de madeira.  Ao meu lado, um senhor muito bem vestido com uma cara de espanto.  A última coisa que me lembro antes de parar aqui era que havia pulado da janela do décimo terceiro andar.
            Depois de alguns minutos, apareceu uma moça.  Não consigo lembrar seu rosto, só que era bem pálido.  Usava um capuz preto.  Ela nos olhou como quem estava com saco cheio e disse:
            - Ai, mais dois.  Aguardem que vou checar a ficha de vocês.
         - Espere um momento, minha senhora!  Explicar-me-ia o que acontece aqui? – perguntou o senhor desesperado.
            - Simples.  Vocês dois morreram.  Agora esperem um instante que vou pegar a ficha...
            - Como assim eu morri?  Eu nem estava doente!
         - Olha, meu senhor, eu estou para ver a causa da sua morte e a do rapaz.  É só esperar um momento.
            - Então eu morri mesmo?  Podemos ter uma conversinha?
            - Ai, haja paciência.  Mortícia!
            De um canto escuro, surge uma figura semelhante à moça correndo esbaforida:
            - Por favor, ache as fichas com os rostos desses senhores enquanto eu dou um chá de realidade no de terno.
            - Sim, senhora.
            Mortícia desaparece e ficamos novamente sozinhos com a atendente macabra:
            - Olha, senhor.  Não sou eu quem decide a hora da pessoa bater as botas.  Só recebo ordens.  Entenda, por favor.
            - A senhora sabia que eu sou juiz e um dos melhores?  Não posso partir ainda.
            - Sempre chega a hora de todos.  Por que o senhor não fica quietinho e espera como o moço ao seu lado?
          - Senhora, tente compreender.  Eu ganho muito como juiz.  Sou homem de posses.  Se me deixar regressar, eu poderei recompensá-la regiamente.
          - Acha mesmo que pode subornar a morte?  Seu dinheiro não vale nada aqui.  Que belo farsante, hein seu juiz!
            - Farsante nunca, minha senhora!  Sou bem formado na melhor faculdade do Brasil.
            - E nessa faculdade aprendeu o uso do suborno?
            - Que isso, minha senhora!  Respeite.  Sou juiz.
            - Mas aqui Vossa Excelência é só mais uma alma como outra qualquer.  As leis daqui são mais igualitárias que as do mundo de cima.  Principalmente, porque o nosso juiz é muito mais competente que o senhor.
            - Olhe, minha senhora.  Quando minha ficha chegar, verá o tremendo engano que cometeu.  Pois eu estava muito bem andando na rua, sem nenhuma dor ou desconforto.
            Mortícia reaparece, com as fichas.  Entrega-as para a chefe e desaparece.  Ao olhar para a primeira folha, a atendente dá um sorriso do tamanho de um bonde:
            - Como eu imaginava.  O senhor não vale muita coisa.  E a sua morte...ha há há...
            - Do que a senhora está rindo?  Afinal de contas, do que eu morri?
            - De peso nas costas.
            - Como assim?  Eu não sentia dor nenhuma.
            - Foi repentino.  O senhor serviu de colchão para o rapaz ao seu lado que se suicidou.  Há há... Pelo menos, salvou a vida de alguém, não é senhor juiz?
            - Mas como? – perguntei.
            - Acorde!
            Acordei.  Estava em um lugar claro, deitado em uma cama de hospital...