sexta-feira, 9 de junho de 2017

Jeitos de matar

           Eu jogava cartas no bar da esquina com um grupo bem improvável. Era eu, a senhora Joaquina do quinto andar, o porteiro Zé, que trabalha nas terças e quintas e o Antônio do primeiro andar. Éramos bem diferentes. A senhora Joaquina adorava cachorros, tinha uns cinco em casa e os tratava como filhos. Algumas vezes eu a via passeando com um deles de carrinho. O porteiro Zé era fofoqueiro. Fofoqueiro mesmo. Sabia de tudo o que acontecia no prédio e se quisesse saber de alguma coisa ruim de alguém do condomínio, era só perguntar para ele. O Antônio era um rapaz em que saúde era prioridade. Era vegetariano e só bebia suco no bar. E quanto a mim, sou uma pessoa normal.
            Então, a pergunta é: Por que um grupo de pessoas tão diferentes se reunia para jogar cartas? Era pelo amor às cartas? Negativo, às vezes nós mudávamos o jogo. A nossa união não era promovida pelo amor, mas sim pelo ódio. Ódio a uma pessoa: Dona Candinha. Ô velha chata! Ninguém ali gostava dela. Cada um de nós discutia um bom jeito de matá-la, apesar de ninguém ter a coragem de fazê-lo.
            A senhora Joaquina a odiava porque ela sempre reclamava dos latidos dos seus cachorros, apesar deles normalmente latirem à tarde, em um horário em que as pessoas já estão acordadas. Porém, a velha sempre queria tirar uma soneca nesta hora e sempre implicava com os cães da Joaquina. Seus jeitos de matar a velha sempre envolviam os seus cachorros. “Vou treiná-los para quando ela bater na minha porta, eles a mordam até ela parar de respirar” ou “Vou enforcar ela em uma coleira e colocá-los para arrastar o seu corpo até virar pó” foram algumas de suas sugestões.
            O porteiro Zé não aguentava o tanto de reclamação que vinha dessa mulher. Ela reclamava do barulho da construção, do barulho dos vizinhos e até do barulho do rádio, a única distração que o Zé tinha. Ela reclamava com os outros porteiros, mas o Zé era um caso especial, pois ela falava da sua postura e aparência, mandando ele cortar o bigode. “Quando eu cortar o meu bigode, vou fazer ela o engolir até engasgar e parar de respirar” era uma das opções. Uma outra era “Vou pedir para o meu cunhado eletricista colocar eletricidade no portão só para a velha morrer com o choque”.
            Antônio era do tipo que se dava bem com todo mundo, apesar de ser meio obsessivo quando se trata de sua saúde. Não suportava cigarro, mas tentava aguentar o cheiro. Só que dona Candinha passava dos limites. Ela morava no segundo andar, bem em cima dele e jogava os restos do cigarro pela janela, deixando aquele cheiro horrível logo pela manhã. “Eu não me incomodaria tanto se ela jogasse os cigarros no lixo, Mas não! Ela joga logo pela janela! E ainda reclama dos outros. Que vontade de fazê-la engolir esses troços, ou melhor ainda, enfiá-los no seu...”
            E quanto a mim, eu dividia a mesma vaga de carro que ela. Como ela foi a primeira a alugar, se achou no direito de escolher o lado que queria. Essa vaca quase não saía com o carro e eu tinha que trabalhar todo dia. Ela estacionava tão mal que prendia o meu automóvel e eu não conseguia sair. Já quis trocar de lugar várias vezes, mas ela sempre deu aquela desculpa de que já era uma senhora de idade e blá blá blá. Eu também não estava na idade de pular o banco. Eu tinha vontade de atropelá-la com o meu carro ou prendê-la no carro dela e tacar fogo com ela dentro.
            A gente se reunia todos os domingos e sempre inventávamos um jeito novo de matá-la. Imaginar ela morrendo de velhice era chato e sem graça demais. Porém, isso tudo mudou. Eu estava saindo com o carro e notei que o dela não estava mais lá. Achei normal no começo. Passou três dias e o carro dela ainda não estava na vaga. Quando eu estava indo comprar pão, encontrei o Zé, que veio logo me contar algo. Imaginei que era uma fofoca. E acertei:
            - Sabe, você foi quem chegou mais perto.
            - Mais perto do que?
            - De como ela ia morrer. O carro dela ficou sem gasolina em uma subida. Esqueceu o freio de mão e desceu ladeira abaixo até bater em outro carro. Ela não resistiu.
            Houve um minuto de silêncio, até Zé voltar a falar:
            - Você vai com a cara do seu Oswaldo?
            - Não, ele é muito ranzinza.
            - Então venha nesse domingo se reunir com o grupo. Jogaremos baralho.
            - Combinado.
            Fui comprar pão. Me reuni com eles no domingo e discuti novos meios de matar.

            

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