sexta-feira, 2 de junho de 2017

O Juiz


            Acordei.  Estava em um lugar escuro, sentado em um banco de madeira.  Ao meu lado, um senhor muito bem vestido com uma cara de espanto.  A última coisa que me lembro antes de parar aqui era que havia pulado da janela do décimo terceiro andar.
            Depois de alguns minutos, apareceu uma moça.  Não consigo lembrar seu rosto, só que era bem pálido.  Usava um capuz preto.  Ela nos olhou como quem estava com saco cheio e disse:
            - Ai, mais dois.  Aguardem que vou checar a ficha de vocês.
         - Espere um momento, minha senhora!  Explicar-me-ia o que acontece aqui? – perguntou o senhor desesperado.
            - Simples.  Vocês dois morreram.  Agora esperem um instante que vou pegar a ficha...
            - Como assim eu morri?  Eu nem estava doente!
         - Olha, meu senhor, eu estou para ver a causa da sua morte e a do rapaz.  É só esperar um momento.
            - Então eu morri mesmo?  Podemos ter uma conversinha?
            - Ai, haja paciência.  Mortícia!
            De um canto escuro, surge uma figura semelhante à moça correndo esbaforida:
            - Por favor, ache as fichas com os rostos desses senhores enquanto eu dou um chá de realidade no de terno.
            - Sim, senhora.
            Mortícia desaparece e ficamos novamente sozinhos com a atendente macabra:
            - Olha, senhor.  Não sou eu quem decide a hora da pessoa bater as botas.  Só recebo ordens.  Entenda, por favor.
            - A senhora sabia que eu sou juiz e um dos melhores?  Não posso partir ainda.
            - Sempre chega a hora de todos.  Por que o senhor não fica quietinho e espera como o moço ao seu lado?
          - Senhora, tente compreender.  Eu ganho muito como juiz.  Sou homem de posses.  Se me deixar regressar, eu poderei recompensá-la regiamente.
          - Acha mesmo que pode subornar a morte?  Seu dinheiro não vale nada aqui.  Que belo farsante, hein seu juiz!
            - Farsante nunca, minha senhora!  Sou bem formado na melhor faculdade do Brasil.
            - E nessa faculdade aprendeu o uso do suborno?
            - Que isso, minha senhora!  Respeite.  Sou juiz.
            - Mas aqui Vossa Excelência é só mais uma alma como outra qualquer.  As leis daqui são mais igualitárias que as do mundo de cima.  Principalmente, porque o nosso juiz é muito mais competente que o senhor.
            - Olhe, minha senhora.  Quando minha ficha chegar, verá o tremendo engano que cometeu.  Pois eu estava muito bem andando na rua, sem nenhuma dor ou desconforto.
            Mortícia reaparece, com as fichas.  Entrega-as para a chefe e desaparece.  Ao olhar para a primeira folha, a atendente dá um sorriso do tamanho de um bonde:
            - Como eu imaginava.  O senhor não vale muita coisa.  E a sua morte...ha há há...
            - Do que a senhora está rindo?  Afinal de contas, do que eu morri?
            - De peso nas costas.
            - Como assim?  Eu não sentia dor nenhuma.
            - Foi repentino.  O senhor serviu de colchão para o rapaz ao seu lado que se suicidou.  Há há... Pelo menos, salvou a vida de alguém, não é senhor juiz?
            - Mas como? – perguntei.
            - Acorde!
            Acordei.  Estava em um lugar claro, deitado em uma cama de hospital...
            

Nenhum comentário:

Postar um comentário