AnaCrônicas foi escrito
por Ana Cristina Rodrigues pela editora Aquário Editorial. Pelo nome, dá para
ver que é uma brincadeira com Ana (nome da autora) + crônicas, que forma a
palavra anacrônicas, que quer dizer antiga, obsoleta. Apesar desse significado,
não sei se esse título combina com o tema deste livro, que é composto de
crônicas e contos envolvendo o mundo fantástico. Por serem várias histórias ao
invés de uma só, analisarei um pouco de cada uma. Preparem-se para a lista.
O mapa para a Terra das Fadas – O
coelho de Miguel havia acabado de morrer. Ana, sua mãe, tenta consolá-lo, pois
para o menino, ele era um coelho especial que podia ir para a Terra das Fadas.
Na apresentação do livro, é dito que essa e outras duas histórias são
consideradas crônicas que misturam o real e o fantástico. O formato de uma
crônica é muito difícil de se definir, mas sei que ela tem base algo que
acontece no cotidiano. Acredito que algo semelhante a essa história aconteceu
com a autora. Achei simples. Nada de espetacular ou de horroroso. Sem querer
ser chata, mas coelho não é roedor como é descrito na crônica.
Campeonato de beijar sapos – A
amiga de Ana, Dani, é doida para arrumar um namorado e vive chamando a amiga
nessas buscas. Só que Ana já se casou e tem outras responsabilidades agora,
achando essa necessidade da amiga um tanto chata e dando desculpas para não ir
a esses encontros. Depois de tantos telefonemas, ela decidiu acompanhar Dani em
um restaurante. Então uma mulher misteriosa senta com elas e pergunta se elas
procuram alguma diversão. Essa é a segunda história que a apresentação descreve
como crônica e até certa parte era, até você ser surpreendida com um final
fantasioso. Bem legal.
Deus embaralha, o destino corta – Deus
joga baralho? Será que é um bom
jogador? Um conto bem curto, se é que devo considerar isso um conto. Me pareceu
mais um modo criativo de reclamar da vida.
Queda e paz – Um
anjo se apaixona pela rainha das serpentes, deixando de ser anjo para ir ter
amores com ela. O que você acha que vai acontecer? Bem, ela é a rainha das
serpentes, o que você acha que ela vai fazer? Vi algo simbólico da religião
católica, mesmo tendo a mistura com uma religião primitiva.
A casa do Escudo Azul – Uma
mulher trabalha procurando objetos raros que a Guerra Final não conseguiu
destruir. Distopia futurística com um final irônico. Legalzinha, mas não acho
que se encaixe com o tema do livro.
A morte do Temerário – Para
o neto do duque Carlos da Borgonha não acreditar nos boatos que os inimigos falam
da morte de seu avô, o antigo soldado Olivier de La Marche inventa uma história
sobre a busca do duque pela pena de um pássaro que renasce das chamas e provar
que merece o trono. Admito que esperava que no final, essa história que La
Marche conta acabasse se comprovando verdadeira. Mas não foi assim.
Lenda do deserto – Uma
lenda contada por um homem de uma caravana sobre a origem da árvore no topo de
uma montanha no deserto. Essa história envolve djins, que são conhecidos no
ocidente como gênios. Cada um é associado a um elemento da natureza e a lenda
envolve o amor proibido entre djins de elementos diferentes. O modo como é
contado lembra muito aquelas lendas de folclore brasileiro, como a
vitória-régia e a mandioca, que apesar de serem curtas, entretêm.
Mudanças – A pedido do Guardião da
Floresta, um ser mágico que é o narrador da história, se encontrará com uma
humana, o que é proibido. Essa história é muito curta e deixou um gostinho de
querer saber mais por causa de seu final aberto. Pena que não li este conto
antes, pois estava fazendo um curso que tratava justamente desse ser.
A princesa de Toda a Dor – Uma
princesa indígena nasceu com um destino triste em suas mãos, na total
ignorância de seu nome até o momento chegar. Um conto que mostra a briga entre
índios e europeus com algo mágico no final.
A vila na areia – Um
grupo de piratas conhecido como Sereia do Inferno, sai em busca de uma ilha de
pescadores, onde as velhas guardavam baús debaixo de suas camas. Toda essa
história foi contada pelo capitão do navio, o único sobrevivente. Ao contrário
do conto A morte do Temerário, esta
história deixa um final mais ambíguo se o que é contado realmente aconteceu. Curto,
mas interessante.
Como nos tornamos fogo – Um
homem, que parecia ser um mago, invocou um ser de fogo, pelo qual se apaixonou
e fez de tudo para que a tornasse tocável. O título entrega o final.
Viagem à Terra das Ilusões Perdidas
– Uma
mulher que puxa assunto com alguém sobre o porquê de ter vindo a Terra das
Ilusões Perdidas. Esse texto é composto apenas de diálogo e a situação é meio
surreal, lembrando um pouco Alice no País
das Maravilhas.
Maria e a fada – Olivier
de La Marche está de volta. Oito anos antes do primeiro conto que ele aparece,
a duquesa Maria, filha do duque Carlos da Borgonha, pede para Olivier recontar
a história da fada Melusina. Ao contrário do conto A morte do Temerário, neste aqui já está comprovado que a fada
realmente existe nesse mundo e é parente distante da duquesa. A história da
fada me lembrou bastante a Eros e Psique
pelo fato de haver condições para o casamento ocorrer e uma das partes acabar
descumprindo. Achei interessante que apesar de serem complementares, este e A morte do Temerário podem ser lidos
separadamente. Lembra o que fiz alguns contos do meu livro A pena mágica e outros contos, assim como o livro Mboi Tu’i e outros contos de Renan
Cardozo.
O ladrão-de-sonhos – Um
rapaz acorda sem memórias de quem e anda pelo nada até encontrar um coelho
branco falante, que mostra o caminho para o Clube da Irrealidade, onde
encontrará alguém que possa ajudar em seu problema. Além da aparição do suposto
coelho branco da Alice, há também a aparição de um personagem da Bíblia. Meio
louco, não é? Um conto interessante que acaba de um jeito que dava para ter
continuação. Um detalhe: na página 98 há dois erros gramaticais que achei
gritantes. De resto, é um bom conto e esperava que fosse maior, apesar de ser
um dos grandes.
Sono de beleza – Sônia
anda tendo sonhos estranhos. Quando uma amiga dá a ela uma medicação, eles
param. Mas quando decide ficar um dia sem tomar os remédios... Mais um conto
que está relacionado a outro. O título já dá uma dica de qual seja. Final
engraçadinho.
O eremita – Percebendo
que a natureza se vingaria se a maltratasse, um homem considerado louco decide
não fazê-lo . O resto de mundo segue cortando árvores, matando animais por
matar e etc, até o planeta dar o troco. Em dúvida do porquê disso estar
acontecendo, um grupo de lenhadores decide procurar o eremita. Conto de
proteção á natureza. Não que eu não concorde com o a mensagem, mas estou meio
enjoada desse tipo de história.
Carta a Monsenhor – Uma
carta a um abade vinda de Matheus Lavarius, que trabalhava para um duque
anotando a quantidade de pessoas para depois serem cobradas as taxas. Era um
período de peste e ele foi em uma vila que ainda não tinha sido afetada. Ficou
hospedado em uma igreja até que durante a noite, ouviu um som tranquilo. Ele e
o padre foram investigar. Esse conto me lembrou um pouco as histórias de terror
de H.P. Lovecraft.
O longo caminho de volta – Clio
volta para Biblos, sua cidade natal que guarda livros de todo o mundo, após ser
exilada por dez anos por sugerir que todo o conhecimento fosse compartilhado
pelo povo, ao invés de ser mantido em segredo. Ao invés de voltar para pedir
desculpas, Clio quer que o seu caso volte para discussão no tribunal. Conto
interessante, mas acho que a mãe da protagonista podia ter mais
desenvolvimento. Sei que é um conto e que não dá para ter tanto desenvolvimento
quanto um romance, porém uma frase já teria resolvido. Com o que foi
transmitido, ela não passou de uma vilã unidimensional. Talvez porque eu não
esteja acostumada a ver uma mãe com ódio da própria filha, seja na ficção ou na
vida real.
Vida na estante – Um
ser que vive de comer livros. Não posso dizer muita coisa, pois esta história
só tem uma página. Um conto ok.
A menina do Val de Grifos – O
Val de Grifos é conhecido por sua
criação de grifos. Por conta de alguma doença ocorrida nas fêmeas, os ovos de
grifos machos não surgiam saudáveis. Devido a um contratempo, o encarregado dos
ovos deu para a filha do duque do lugar, Brites, para jogá-los fora. Mas a
garota decide provar o seu valor criando um dos ovos para mostrar ao seu pai
que merecia ser a herdeira do trono e não o seu irmão. Uma boa história. Queria
que fosse maior. Eu só não conjugaria os verbos no pronome tu, mesmo que a
história se passe num imaginário medieval.
Os olhos de Joana – Um
reconto de Joana d’Arc antes de ser queimada. Ela prevê o futuro de um homem
que é pai de um dos personagens que aparece em um conto anterior. Fiquei
surpresa em descobrir que esse personagem e seus descendentes realmente
existiram. Claro que esses contos que estão aqui são imaginários, mas parte
disso realmente aconteceu.
O ensurdecedor silêncio dos deuses –
Uma
profetisa é designada para conversar com os deuses e prever que será o herdeiro
do povo do Céu. Mas os deuses não respondem. Então, ela terá que pagar o preço.
Uma alegoria da escravidão. Um conto ok.
“É tarde” – Uma
versão alternativa de Alice no País das
Maravilhas sob o ponto de vista do Coelho Branco. É a terceira vez que
aparece um coelho nesse livro e a segunda que se trata do coelho branco de
Alice. A autora deve ser tão apaixonada por esse personagem quanto eu sou pelo
lobo mal da Chapeuzinho. Curto, mas eficiente.
A dama de Shalott – Por
seu nascimento ter causado a morte da mãe, o pai de Liliane a mantém no castelo
de Shalott para protegê-la. Mas quando completa quinze anos, o pai vê que está
na hora de casar a filha. E quando a jovem se prepara para fiar sua roupa para
ir a Camelot, ela ouve um sussurro, dizendo que uma maldição cairá sobre ela se
olhar diretamente para Camelot. A autora baseou este conto em uma balada
vitoriana escrita por Albert Tennyson. Pelo resumo do poema, vi que alterou um
pouco a história (o que faz sentido, pois se não o fizesse, este conto não
seria dela). Prefiro esta versão à original.
Infelizmente, o erro que encontrei na página 98 não foi o
único que encontrei neste livro. Os contos O
longo caminho de volta, Os olhos de Joana e O ensurdecedor silêncio dos deuses também tinham erros de
ortografia, no caso do primeiro, há um erro na organização do texto, pois
menciona o nome de uma personagem antes dela se apresentar para a protagonista.
Já vi um ou dois erros em livros, mas esse teve muitos, e isso incomoda na hora
da leitura.
Apesar dos erros que mencionei acima, tive uma leitura agradável,
pois os contos foram bem gostosos de ler. Claro, que não gostei de todos, mas
isso é normal devido a variedade de textos apresentados. Comprei este livro
junto com O outro lado da cidade, que
também se trata de contos envolvendo fantasia e realidade, em um evento que a
editora estava vendendo seus exemplares junto com várias outras. Ainda não li
esse livro, mas no segundo evento que encontrei esta editora, comprei o
quadrinho pequenos Heróis.
Gostei
do quadrinho. Ele mostra várias histórias com diversos artistas e recomendo
para quem for fã de história em quadrinhos. Mencionei isso por achar
interessante que uma editora lance tanto quadrinhos quanto livros sem ter selos
que os diferenciem. Será que o quadrinho já está sendo aceito como literatura?
Voltando a resenha do livro, aconselho a leitura para quem gostar de literatura
fantástica e não tiver tempo ou não gostar de leituras demoradas. A maioria dos
contos são rápidos e fáceis de entender, não sendo por isso menos
interessantes.