Depois de fazer resenha
sobre contos russos, ciganos, japoneses e chineses, chegou a vez dos celtas. Os
melhores contos de fadas celtas, como o próprio nome diz, é uma coletânea
de contos celtas, composta por diversos autores, lançada em 2020. Como sempre
em livros assim, resumirei cada um deles separadamente e direi minha opinião
geral no final. Comecemos:
A História de
Deirdre – Escrito por Joseph Jacobs em 1892. Um
profeta disse a Malcolm Harper que por causa de sua filha, muito sangue seria
derramado no país, inclusive o de três célebres heróis. Para que isso não
acontecesse, Malcolm mandou sua filha Deirdre junto a sua parteira para ser
criada em uma colina bem longe. Anos se passaram sem nada acontecer, até um
caçador aparecer pedindo abrigo... Por causa da beleza de uma mulher, uma briga
foi travada. Me lembrou a guerra de Tróia, só que com um final mais trágico
para a mulher e seu amado.
Filhos de Lir –
Escrito por Joseph Jacobs em 1894. Para que o rei Lir da Colina do Campo Branco
o aceitasse como Rei dos Reis da Irlanda, Dearg ofereceu três mulheres para que
Lir escolher uma delas para desposar. Lir elege a mais velha e tem quatro
filhos com ela. Após sua mulher morrer no seu segundo parto de gêmeos, Lir
ficou muito triste. Sentindo sua tristeza, Dearg dá a ele a mão de Oifa, a irmã
da falecida. Mas após o casamento, Oifa começou a nutrir ciúmes da relação de
seu marido e seus enteados e decidiu se livrar deles de vez, os transformando
em cisnes com apenas uma chance de sua maldição ser quebrada. O começo parece o
seu típico conto de fadas, porém, este não teve um final feliz.
O Lobo Cinzento –
Escrito por George MacDonald em 1871. Um jovem estudante inglês se perdera do
seu grupo em uma das ilhas do arquipélago de Shetland. Após usar uma caverna de
abrigo, uma mulher aparece em sua entrada, falando que ele poderia se abrigar
na cabana de sua mãe. Parece uma versão diferente da Chapeuzinho Vermelho.
O Rei do Deserto
Negro – Escrito por Douglas Hyde em 1904. O Rei
O’Connor tinha um filho muito rebelde. Um dia, este saiu e encontrou um velho
grisalho sentado ao pé de um arbusto. O idoso oferece uma partida de cartas.
Quem ganhasse, teria que atender o pedido do outro. O príncipe ganhou e para
testar o homem, desejou que este trocasse a cabeça da madrasta por a de uma
cabra por uma semana. E seu pedido foi atendido. Essa é a típica história com a
famosa regra dos três* dos contos de fadas e que o protagonista consegue
aliados para fazerem tudo por ele.
Lis Amarela –
Escrito por Laure Claire Foucher e Herschel Williams em 1908. Há muito tempo
atrás, o príncipe de Erin, que gostava muito de apostas, acabou por apostar com
o Gigante de Loch Lein e ganhou. Mesmo sendo avisado para não fazer mais isso,
ele jogou uma segunda e uma terceira vez. Ele ganhou a segunda mas perdeu a
terceira, cujo pagamento seria a sua cabeça. Porém, o gigante o deixou viver
por um ano e um dia. O que será que o jovem vai fazer para fugir dessa
enrascada? Estrutura bem parecida com O Rei do Deserto Negro, incluindo as
apostas e o príncipe tendo que ir até um lago roubar um utensílio da filha do
antagonista para esta o ajudar a se safar de pagar sua dívida. Só que aqui, Lis
Amarela, a filha do gigante, tem uma personalidade mais zombeteira que Finnuala,
a filha do Rei do Deserto Negro. Além de não apostar demais, o conto dá outra
lição que é de dar mais valor ao objeto antigo ao invés do novo, pois com o velho
você tem mais familiaridade. Isso serve para esta história, mas na vida real, varia
de situação para situação.
Tam Lin –
Escrito por Francis James Child em 1860. Janet foi a Cartehaugh, onde encontrou
Tam Lin, um homem amaldiçoado a viver na terra das fadas. Mas, ele conta a Janet
um jeito de libertá-lo para assim se tornar seu marido. Interessante saber a
origem do nome de um dos personagens de Corte de Espinhos e Rosas. Ao contrário
das anteriores, esta história está em forma de poesia.
A Floresta de
Dooros – Escrito por Edmund Leamy em 1890. Após o
antigo rei ser morto e ter seu trono usurpado, seu filho Niall foi mandado para
longe enquanto sua filha Rosaleen, uma das moças mais bonitas do reino, foi enfeitiçada
e sua aparência se tornou uma das mais feias. Morando sozinha num celeiro, Rosaleen
era rejeitada por todos. Mas seu único amigo, um pintarroxo, decide ir para a
Floresta de Dooros pegar uma frutinha mágica que a faria recuperar a sua beleza,
e estava sendo guardada por um gigante. Quem diria que um passarinho poderia
ser um herói. Uma história bem bobinha.
O Caçador de Focas
e o Sereiano – Escrito por Elizabeth W. Grierson em 1910.
Um caçador ganhava o seu sustento caçando e vendendo peles de focas. Um dia,
ele acabou atingindo uma foca com sua faca e esta fugiu com a arma presa em sua
pele. No caminho para casa, o caçador encontrou um estranho e alto cavaleiro,
que pediu uma enorme quantia de pele de focas para aquela noite. O caçador
disse não possuía essa grande quantidade então, o cavaleiro ofereceu levá-lo a
um lugar onde ele pudesse caçar. As sereias aqui têm uma aparência mais similar
a das focas, me lembrando as selkies. Um conto que mostra que boas ações podem ser
recompensadas.
A Donzela do Mar –
Escrito por Joseph Jacobs e J. F. Campbell em 1892. Um pescador estava tendo
dificuldade para apanhar peixe. Até que uma donzela do mar aparece e oferece sua
ajuda em troca do filho primogênito do homem. O velho aceita e consegue o que
quer. Após vinte anos, chegou a hora de ele entregar o que deve. Não querendo
fazer isso, o filho se oferece sair de casa e embarca em sua própria jornada. Outra
história que tem a famosa regra dos três dos contos de fadas, além de possuir
uma semelhança com o conto russo A princesa sapo, em que o antagonista
guarda a sua alma dentro de várias coisas.
O Gigante Egoísta
– Escrito por Oscar Wilde em 1888. Após sete anos, o Gigante
retorna a sua moradia, só para encontrar crianças brincando em seu jardim. Ele
as expulsa e constrói um muro em torno de seu jardim, proibindo qualquer um que
quisesse entrar lá. Com as crianças fora do jardim, a Primavera se recusou a
vir até ele, deixando o Inverno fazer a festa. Já esperava que o Gigante fosse
aprender a lição, mas não esperava que tivesse uma tonalidade religiosa no
final.
A Tosa da Lã
Encantada – Escrito por Anna MacManus em 1904. Um
reino está sendo atormentado por balidos de ovelhas fantasmas. Preocupado, o
rei pede aos seus druidas que investiguem a causa e eles acabam descobrindo que
isso é obra de Manannan-Mac-Lir, o Deus do mar. Mas que não sabem o motivo pelo
qual ele fizera isso. Até que um dia, um estranho veio até o castelo e oferece
encontrar e tosquiar o rebanho encantado. Um conto bem fraquinho.
O Dragão Relutante
– Escrito por Kenneth Grahame em 1898. Após seguirem rastros
de um animal que consideravam ser um dragão, duas crianças vão parar na moradia
do homem do circo. Ficaram lá por um tempo antes de chegar a hora de ir para
casa. O dono do circo oferece acompanhá-las. Aproveitando a situação, a menina
pede que ele conte uma história. Então, o homem conta a história de um menino
que vira amigo de um dragão preguiçoso que ama poesia. Mas o povo, que adora
uma luta, chama São Jorge para matar o dragão. Como resolverão este problema? Achei
um conto bem infantil. Uma curiosidade: este conto inspirou uma animação de
mesmo nome, lançada em 1941.
O Gatinho Branco –
Escrito por Edmund Leamy em 1890. Após o Rei das Torrentes ser morto pelo
gigante Trencoss, a Princesa Eileen é foi forçada a viver com o assassino de
seu pai e este logo a deseja desposar. A jovem se desespera, mas um gatinho
branco logo lhe diz um jeito dela enrolar o gigante. Enquanto isso, o gato vai
ao encontro do Príncipe do Rio da Prata e diz como salvar a princesa. Outro
conto que possui a regra dos três, com o herói desobedecendo as regras do aliado,
mas conseguindo salvar a mocinha no final.
A Dama da Fonte –
Escrito por Andrew Lang e Lady Charlotte Schreiber. Após Kynon contar sobre sua
fracassada luta contra um cavaleiro misterioso, Owain decide ir até lá. Depois
de derrotá-lo, Owain segue o homem até um castelo. Não conseguindo entrar, uma
moça oferece ajudá-lo, dando a ele um anel de invisibilidade para que esse não
fosse morto pelos homens do castelo. No meio da noite, foi anunciado que o cavaleiro
que Owain enfrentou faleceu e após ver a viúva dele, a condessa da fonte, Owain
acaba se apaixonando por ela. Luned, a donzela que entregou a ele o anel, o
ajuda a enganar e a se casar com sua senhora. Depois de alguns anos, o Rei
Arthur começa a sentir falta de seu cavaleiro e decide procurá-lo com seu grupo
de homens e trazê-lo de volta. Aparentemente, você pode ficar com a mulher do
cara que matou e esquecê-la por três anos desde que passe por grandes lutas em
sua jornada de volta para casa.
O Cavalo Preto – Escrito
por Joseph Jacobs em 1898. Tendo o rei falecido, sua herança teve que ser
dividida entre seus três filhos. Mas os mais velhos não deixaram nada para o
caçula a não ser um garrano branco, velho e manco. Cavalgando com o ele, o
príncipe encontra um rapaz, que oferece trocar seu cavalo negro pelo garrano,
dizendo que este podia levar seu cavaleiro para qualquer lugar que ele desejasse.
Com a troca feita, o príncipe pensou em ir ao Reino Sob as Ondas, que foi uma
má ideia pois o filho do rei deste local o ordenou que trouxesse a filha do Rei
dos Gregos para ele antes do sol nascer senão o enfeitiçaria. Outro conto em
que quem resolve os problemas é mais o aliado do que o protagonista.
Os Animais Gratos
– Escrito por Patrick Kennedy em 1909. Um rapaz chamado
Jack estava caminhando até a feira até ver crianças maltratando um rato. Ele as
paga e solta o rato. Ele fez o mesmo com uma doninha e um burro, sendo que o
último fica com ele. Ao tirar um cochilo debaixo de uma árvore, um gigante e
seus servos o acordam dizendo que seu burro havia feito um estrago em seu campo.
Então o prenderam dentro de um baú e o jogaram no rio. Esse é um daqueles contos
que mostra que gentileza gera gentileza.
As Mulheres
Chifrudas – Escrito por Lady Wilde em 1887. À noite,
uma senhora estava preparando sua lã enquanto seus familiares e empregados
dormiam. Até que uma voz chamou e bateu à porta. Quando ela atendeu uma mulher
com um chifre na testa entrou. Logo depois chegaram outras, cada uma com um
chifre a mais que a anterior até chegar a doze. Esse começo me lembrou um pouco
do Hobbit, quando os anãos entram na casa de Bilbo e este não tem
coragem de os expulsar. Só que ao invés de levar a protagonista para uma
jornada, as bruxas quase a fizeram de escrava. Um conto curto e meio sem graça.
As Três Coroas –
Escrito por Andrew Lang e Patrick Kennedy em 1866. Um rei tinha três filhas e
cada uma namorava um príncipe. Os dois casais mais velhos eram orgulhosos e
arrogantes enquanto o par dos mais novos era gentil. Um dia, eles encontraram
um lindo barco na beira do lago. As princesas logo entraram, mais antes que seu
pai e seus namorados fizessem o mesmo, apareceu um homenzinho que os enfeitiçou
e raptou as três moças, descendo com elas para o fundo de um poço. Os rapazes
foram atrás, um de cada vez. Quando chegou a vez do mais novo descer o poço, ao
invés de um lugar escuro e cheio de água, ele encontra um castelo. Mais um
conto com a regra dos três e cujos mais velhos são ruins e os mais novos são
bons. Pelo menos, todo mundo teve um final feliz, e as irmãs mais velhas tem
uma redenção, o que infelizmente não acontece no conto de A Bela e a Fera.
Mas o mesmo não posso dizer dos príncipes mais velhos. Eles sofrem punições
mais não aprendem. Acho que eles não mereciam ser recompensados no final.
O Violino de Nove
Centavos – Escrito por Seosamh Mac Cathmhaoil em 1904.
Um irlandês tocava o seu violino de nove centavos até um leprechaun aparecer. Esta
história é a mais curta desse livro, possuindo apenas uma página. Como Tam
Lin, O Violino de Nove Centavos também possui rimas, mas ao
contrário de Tam Lin que pelo menos tem uma pequena trama, aqui só fala
de um encontro entre um homem e um leprechaun através de um violino. Talvez, esta
história queira mostrar que mesmo um violino de nove centavos possa atrair
coisas maravilhosas nas mãos da pessoa certa, e ainda tocar uma melodia melhor
do que os mais caros. Porém, ainda achei sem graça.
A Caverna
Encantada – Escrito por Edmund Leamy em 1890. O Príncipe
Cuglas estava caçando um cervo quando este foi parar em uma caverna. O cavalo
de Cuglas o seguiu descontrolado, levando o seu dono pela escuridão da caverna.
Até que o final da caverna revelou ser uma planície verdejante e, a sua espera,
estava o mensageiro da Princesa Crede, dizendo que esta estava apaixonada por
Cuglas. Mas o príncipe já estava apaixonado por Lady Ailinn, e como prova de
seu amor, usava um bracelete que só se soltaria se ele deixasse de amá-la. Será
que um dia ela cairá? Outra história com a regra dos três e que o protagonista
desobedece aos avisos de seu ajudante. Mas ao contrário do que acontece
normalmente, em que o herói consegue seu objetivo na terceira vez após errar
nas outras duas, aqui ele falha em todas. Ainda assim, ele consegue o seu final
feliz.
A Visão de MacConglinney
– Escrito por Joseph Jacobs em 1890. Cathal, o Rei de
Munster, foi acometido com uma fome insana. Sua gula estava causando prejuízos,
até que o jovem sábio Anier MacConglinney se propõe a ajudar, em troca de uma
ovelha branca de cada curral entre Cam e Cork. Esse conto possui apenas seis
páginas, porém, poderia ser menor. Sei que a enrolação foi proposital e fazia sentido
no contexto, mas achei um tanto chato.
Nuckelavee –
Escrito por Sir George Brisbane Douglas em 1901. Tammas saiu numa certa noite e
acabou encontrando Nuckelavee, um ser horripilante, que tem a aparência de um
homem gigante montado em um cavalo, mas que não possuía pele alguma, além de
ser conhecido por causar todo tipo de pragas para a humanidade. Tentando se
salvar, Tammas correu para o lago, pois a água doce era fraqueza da criatura. Um
conto curto que serve para apresentar este ser do folclore escocês. A única
outra história que me lembro em que o Nuckelavee aparece é no livro O
Segredo do Kelpie.
Princesa Finola e
o Anão – Escrito por Edmund Leamy em 1890. Finola
vivia em uma choupana isolada com uma mulher mal-humorada, sem poder sair de
lá. O único ser vivo que passava por lá era um anão mudo que trazia saco de
milho para a casa uma vez por mês. Ele era apaixonado por ela e gostaria de tirá-la
daquele lugar. Foi então que apareceu um duende da metade do tamanho do anão,
que com uma varinha mágica, devolveu-lhe a fala e disse que sabia o jeito de salvar
Finola, mas que ele teria de pagar um preço. Outro conto com a regra dos três. Achei
a história legal, mas acredito que as pessoas do politicamente correto não irão
gostar.
A Balada de Oisin
na Terra da Juventude – Escrito por Brian O’Looney e John
O’Daly em 1909. Oisin, seu pai Fionn e o resto dos Fianna estavam em uma caçada
até aparecer uma bela mulher chamada Niamh da Cabeça Dourada, dizendo estar
apaixonada por Oisin, e querendo levá-lo consigo para a Terra da Juventude. Ele
aceita e parte com ela. Uma história de final melancólico, que me lembrou o fim
do conto Filhos de Lir. Aparentemente, quem sai da Terra da Juventude
após muitos anos, acaba envelhecendo todos os anos que se passaram.
A Princesa Leve –
Escrito por George MacDonald em 1864. Já li uma versão desta história lançada
pela editora Pulo do Gato, sob o
título de A Princesa Flutuante. Se desejam ver minha resenha deste
livro, acessem o link: Ponte
para o Imaginário: A gravidade do mundo (ponteparaoimaginario.blogspot.com)
Pelo
que notei, a maioria dos contos de fadas celtas possuem uma estrutura similar
aos contos de fadas clássicos que conhecemos. Não acho isso algo ruim. Se esse
fosse o caso, Lis Amarela, que é uma história que possui vários desses
clichês não teria sido meu conto favorito do livro.
Gostei bastante do livro. A maioria dos contos foram
bons, além é claro, de possuir belas ilustrações antigas dando o clima de uma
época antiga. Quem deseja conhecer, fique à vontade, só tome cuidado para não
encontrar um gigante no meio do caminho. Ou uma mulher chifruda.
*Em muitos contos de fadas,
o número três é relacionado, como por exemplo nos Três Porquinhos em que
os três irmãos tiveram que lidar com o lobo três vezes.
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