sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Contos de fadas celtas


        Depois de fazer resenha sobre contos russos, ciganos, japoneses e chineses, chegou a vez dos celtas. Os melhores contos de fadas celtas, como o próprio nome diz, é uma coletânea de contos celtas, composta por diversos autores, lançada em 2020. Como sempre em livros assim, resumirei cada um deles separadamente e direi minha opinião geral no final. Comecemos:

 

A História de Deirdre – Escrito por Joseph Jacobs em 1892. Um profeta disse a Malcolm Harper que por causa de sua filha, muito sangue seria derramado no país, inclusive o de três célebres heróis. Para que isso não acontecesse, Malcolm mandou sua filha Deirdre junto a sua parteira para ser criada em uma colina bem longe. Anos se passaram sem nada acontecer, até um caçador aparecer pedindo abrigo... Por causa da beleza de uma mulher, uma briga foi travada. Me lembrou a guerra de Tróia, só que com um final mais trágico para a mulher e seu amado.

Filhos de Lir – Escrito por Joseph Jacobs em 1894. Para que o rei Lir da Colina do Campo Branco o aceitasse como Rei dos Reis da Irlanda, Dearg ofereceu três mulheres para que Lir escolher uma delas para desposar. Lir elege a mais velha e tem quatro filhos com ela. Após sua mulher morrer no seu segundo parto de gêmeos, Lir ficou muito triste. Sentindo sua tristeza, Dearg dá a ele a mão de Oifa, a irmã da falecida. Mas após o casamento, Oifa começou a nutrir ciúmes da relação de seu marido e seus enteados e decidiu se livrar deles de vez, os transformando em cisnes com apenas uma chance de sua maldição ser quebrada. O começo parece o seu típico conto de fadas, porém, este não teve um final feliz.

O Lobo Cinzento – Escrito por George MacDonald em 1871. Um jovem estudante inglês se perdera do seu grupo em uma das ilhas do arquipélago de Shetland. Após usar uma caverna de abrigo, uma mulher aparece em sua entrada, falando que ele poderia se abrigar na cabana de sua mãe. Parece uma versão diferente da Chapeuzinho Vermelho.

O Rei do Deserto Negro – Escrito por Douglas Hyde em 1904. O Rei O’Connor tinha um filho muito rebelde. Um dia, este saiu e encontrou um velho grisalho sentado ao pé de um arbusto. O idoso oferece uma partida de cartas. Quem ganhasse, teria que atender o pedido do outro. O príncipe ganhou e para testar o homem, desejou que este trocasse a cabeça da madrasta por a de uma cabra por uma semana. E seu pedido foi atendido. Essa é a típica história com a famosa regra dos três* dos contos de fadas e que o protagonista consegue aliados para fazerem tudo por ele.

Lis Amarela – Escrito por Laure Claire Foucher e Herschel Williams em 1908. Há muito tempo atrás, o príncipe de Erin, que gostava muito de apostas, acabou por apostar com o Gigante de Loch Lein e ganhou. Mesmo sendo avisado para não fazer mais isso, ele jogou uma segunda e uma terceira vez. Ele ganhou a segunda mas perdeu a terceira, cujo pagamento seria a sua cabeça. Porém, o gigante o deixou viver por um ano e um dia. O que será que o jovem vai fazer para fugir dessa enrascada? Estrutura bem parecida com O Rei do Deserto Negro, incluindo as apostas e o príncipe tendo que ir até um lago roubar um utensílio da filha do antagonista para esta o ajudar a se safar de pagar sua dívida. Só que aqui, Lis Amarela, a filha do gigante, tem uma personalidade mais zombeteira que Finnuala, a filha do Rei do Deserto Negro. Além de não apostar demais, o conto dá outra lição que é de dar mais valor ao objeto antigo ao invés do novo, pois com o velho você tem mais familiaridade. Isso serve para esta história, mas na vida real, varia de situação para situação.

Tam Lin – Escrito por Francis James Child em 1860. Janet foi a Cartehaugh, onde encontrou Tam Lin, um homem amaldiçoado a viver na terra das fadas. Mas, ele conta a Janet um jeito de libertá-lo para assim se tornar seu marido. Interessante saber a origem do nome de um dos personagens de Corte de Espinhos e Rosas. Ao contrário das anteriores, esta história está em forma de poesia.

A Floresta de Dooros – Escrito por Edmund Leamy em 1890. Após o antigo rei ser morto e ter seu trono usurpado, seu filho Niall foi mandado para longe enquanto sua filha Rosaleen, uma das moças mais bonitas do reino, foi enfeitiçada e sua aparência se tornou uma das mais feias. Morando sozinha num celeiro, Rosaleen era rejeitada por todos. Mas seu único amigo, um pintarroxo, decide ir para a Floresta de Dooros pegar uma frutinha mágica que a faria recuperar a sua beleza, e estava sendo guardada por um gigante. Quem diria que um passarinho poderia ser um herói. Uma história bem bobinha.

O Caçador de Focas e o Sereiano – Escrito por Elizabeth W. Grierson em 1910. Um caçador ganhava o seu sustento caçando e vendendo peles de focas. Um dia, ele acabou atingindo uma foca com sua faca e esta fugiu com a arma presa em sua pele. No caminho para casa, o caçador encontrou um estranho e alto cavaleiro, que pediu uma enorme quantia de pele de focas para aquela noite. O caçador disse não possuía essa grande quantidade então, o cavaleiro ofereceu levá-lo a um lugar onde ele pudesse caçar. As sereias aqui têm uma aparência mais similar a das focas, me lembrando as selkies. Um conto que mostra que boas ações podem ser recompensadas.

A Donzela do Mar – Escrito por Joseph Jacobs e J. F. Campbell em 1892. Um pescador estava tendo dificuldade para apanhar peixe. Até que uma donzela do mar aparece e oferece sua ajuda em troca do filho primogênito do homem. O velho aceita e consegue o que quer. Após vinte anos, chegou a hora de ele entregar o que deve. Não querendo fazer isso, o filho se oferece sair de casa e embarca em sua própria jornada. Outra história que tem a famosa regra dos três dos contos de fadas, além de possuir uma semelhança com o conto russo A princesa sapo, em que o antagonista guarda a sua alma dentro de várias coisas.

O Gigante Egoísta – Escrito por Oscar Wilde em 1888. Após sete anos, o Gigante retorna a sua moradia, só para encontrar crianças brincando em seu jardim. Ele as expulsa e constrói um muro em torno de seu jardim, proibindo qualquer um que quisesse entrar lá. Com as crianças fora do jardim, a Primavera se recusou a vir até ele, deixando o Inverno fazer a festa. Já esperava que o Gigante fosse aprender a lição, mas não esperava que tivesse uma tonalidade religiosa no final.

A Tosa da Lã Encantada – Escrito por Anna MacManus em 1904. Um reino está sendo atormentado por balidos de ovelhas fantasmas. Preocupado, o rei pede aos seus druidas que investiguem a causa e eles acabam descobrindo que isso é obra de Manannan-Mac-Lir, o Deus do mar. Mas que não sabem o motivo pelo qual ele fizera isso. Até que um dia, um estranho veio até o castelo e oferece encontrar e tosquiar o rebanho encantado. Um conto bem fraquinho.

O Dragão Relutante – Escrito por Kenneth Grahame em 1898. Após seguirem rastros de um animal que consideravam ser um dragão, duas crianças vão parar na moradia do homem do circo. Ficaram lá por um tempo antes de chegar a hora de ir para casa. O dono do circo oferece acompanhá-las. Aproveitando a situação, a menina pede que ele conte uma história. Então, o homem conta a história de um menino que vira amigo de um dragão preguiçoso que ama poesia. Mas o povo, que adora uma luta, chama São Jorge para matar o dragão. Como resolverão este problema? Achei um conto bem infantil. Uma curiosidade: este conto inspirou uma animação de mesmo nome, lançada em 1941.

O Gatinho Branco – Escrito por Edmund Leamy em 1890. Após o Rei das Torrentes ser morto pelo gigante Trencoss, a Princesa Eileen é foi forçada a viver com o assassino de seu pai e este logo a deseja desposar. A jovem se desespera, mas um gatinho branco logo lhe diz um jeito dela enrolar o gigante. Enquanto isso, o gato vai ao encontro do Príncipe do Rio da Prata e diz como salvar a princesa. Outro conto que possui a regra dos três, com o herói desobedecendo as regras do aliado, mas conseguindo salvar a mocinha no final.

A Dama da Fonte – Escrito por Andrew Lang e Lady Charlotte Schreiber. Após Kynon contar sobre sua fracassada luta contra um cavaleiro misterioso, Owain decide ir até lá. Depois de derrotá-lo, Owain segue o homem até um castelo. Não conseguindo entrar, uma moça oferece ajudá-lo, dando a ele um anel de invisibilidade para que esse não fosse morto pelos homens do castelo. No meio da noite, foi anunciado que o cavaleiro que Owain enfrentou faleceu e após ver a viúva dele, a condessa da fonte, Owain acaba se apaixonando por ela. Luned, a donzela que entregou a ele o anel, o ajuda a enganar e a se casar com sua senhora. Depois de alguns anos, o Rei Arthur começa a sentir falta de seu cavaleiro e decide procurá-lo com seu grupo de homens e trazê-lo de volta. Aparentemente, você pode ficar com a mulher do cara que matou e esquecê-la por três anos desde que passe por grandes lutas em sua jornada de volta para casa.

O Cavalo Preto – Escrito por Joseph Jacobs em 1898. Tendo o rei falecido, sua herança teve que ser dividida entre seus três filhos. Mas os mais velhos não deixaram nada para o caçula a não ser um garrano branco, velho e manco. Cavalgando com o ele, o príncipe encontra um rapaz, que oferece trocar seu cavalo negro pelo garrano, dizendo que este podia levar seu cavaleiro para qualquer lugar que ele desejasse. Com a troca feita, o príncipe pensou em ir ao Reino Sob as Ondas, que foi uma má ideia pois o filho do rei deste local o ordenou que trouxesse a filha do Rei dos Gregos para ele antes do sol nascer senão o enfeitiçaria. Outro conto em que quem resolve os problemas é mais o aliado do que o protagonista.

Os Animais Gratos – Escrito por Patrick Kennedy em 1909. Um rapaz chamado Jack estava caminhando até a feira até ver crianças maltratando um rato. Ele as paga e solta o rato. Ele fez o mesmo com uma doninha e um burro, sendo que o último fica com ele. Ao tirar um cochilo debaixo de uma árvore, um gigante e seus servos o acordam dizendo que seu burro havia feito um estrago em seu campo. Então o prenderam dentro de um baú e o jogaram no rio. Esse é um daqueles contos que mostra que gentileza gera gentileza.

As Mulheres Chifrudas – Escrito por Lady Wilde em 1887. À noite, uma senhora estava preparando sua lã enquanto seus familiares e empregados dormiam. Até que uma voz chamou e bateu à porta. Quando ela atendeu uma mulher com um chifre na testa entrou. Logo depois chegaram outras, cada uma com um chifre a mais que a anterior até chegar a doze. Esse começo me lembrou um pouco do Hobbit, quando os anãos entram na casa de Bilbo e este não tem coragem de os expulsar. Só que ao invés de levar a protagonista para uma jornada, as bruxas quase a fizeram de escrava. Um conto curto e meio sem graça.

As Três Coroas – Escrito por Andrew Lang e Patrick Kennedy em 1866. Um rei tinha três filhas e cada uma namorava um príncipe. Os dois casais mais velhos eram orgulhosos e arrogantes enquanto o par dos mais novos era gentil. Um dia, eles encontraram um lindo barco na beira do lago. As princesas logo entraram, mais antes que seu pai e seus namorados fizessem o mesmo, apareceu um homenzinho que os enfeitiçou e raptou as três moças, descendo com elas para o fundo de um poço. Os rapazes foram atrás, um de cada vez. Quando chegou a vez do mais novo descer o poço, ao invés de um lugar escuro e cheio de água, ele encontra um castelo. Mais um conto com a regra dos três e cujos mais velhos são ruins e os mais novos são bons. Pelo menos, todo mundo teve um final feliz, e as irmãs mais velhas tem uma redenção, o que infelizmente não acontece no conto de A Bela e a Fera. Mas o mesmo não posso dizer dos príncipes mais velhos. Eles sofrem punições mais não aprendem. Acho que eles não mereciam ser recompensados no final.

O Violino de Nove Centavos – Escrito por Seosamh Mac Cathmhaoil em 1904. Um irlandês tocava o seu violino de nove centavos até um leprechaun aparecer. Esta história é a mais curta desse livro, possuindo apenas uma página. Como Tam Lin, O Violino de Nove Centavos também possui rimas, mas ao contrário de Tam Lin que pelo menos tem uma pequena trama, aqui só fala de um encontro entre um homem e um leprechaun através de um violino. Talvez, esta história queira mostrar que mesmo um violino de nove centavos possa atrair coisas maravilhosas nas mãos da pessoa certa, e ainda tocar uma melodia melhor do que os mais caros. Porém, ainda achei sem graça.

A Caverna Encantada – Escrito por Edmund Leamy em 1890. O Príncipe Cuglas estava caçando um cervo quando este foi parar em uma caverna. O cavalo de Cuglas o seguiu descontrolado, levando o seu dono pela escuridão da caverna. Até que o final da caverna revelou ser uma planície verdejante e, a sua espera, estava o mensageiro da Princesa Crede, dizendo que esta estava apaixonada por Cuglas. Mas o príncipe já estava apaixonado por Lady Ailinn, e como prova de seu amor, usava um bracelete que só se soltaria se ele deixasse de amá-la. Será que um dia ela cairá? Outra história com a regra dos três e que o protagonista desobedece aos avisos de seu ajudante. Mas ao contrário do que acontece normalmente, em que o herói consegue seu objetivo na terceira vez após errar nas outras duas, aqui ele falha em todas. Ainda assim, ele consegue o seu final feliz.

A Visão de MacConglinney – Escrito por Joseph Jacobs em 1890. Cathal, o Rei de Munster, foi acometido com uma fome insana. Sua gula estava causando prejuízos, até que o jovem sábio Anier MacConglinney se propõe a ajudar, em troca de uma ovelha branca de cada curral entre Cam e Cork. Esse conto possui apenas seis páginas, porém, poderia ser menor. Sei que a enrolação foi proposital e fazia sentido no contexto, mas achei um tanto chato.

Nuckelavee – Escrito por Sir George Brisbane Douglas em 1901. Tammas saiu numa certa noite e acabou encontrando Nuckelavee, um ser horripilante, que tem a aparência de um homem gigante montado em um cavalo, mas que não possuía pele alguma, além de ser conhecido por causar todo tipo de pragas para a humanidade. Tentando se salvar, Tammas correu para o lago, pois a água doce era fraqueza da criatura. Um conto curto que serve para apresentar este ser do folclore escocês. A única outra história que me lembro em que o Nuckelavee aparece é no livro O Segredo do Kelpie.

Princesa Finola e o Anão – Escrito por Edmund Leamy em 1890. Finola vivia em uma choupana isolada com uma mulher mal-humorada, sem poder sair de lá. O único ser vivo que passava por lá era um anão mudo que trazia saco de milho para a casa uma vez por mês. Ele era apaixonado por ela e gostaria de tirá-la daquele lugar. Foi então que apareceu um duende da metade do tamanho do anão, que com uma varinha mágica, devolveu-lhe a fala e disse que sabia o jeito de salvar Finola, mas que ele teria de pagar um preço. Outro conto com a regra dos três. Achei a história legal, mas acredito que as pessoas do politicamente correto não irão gostar.

A Balada de Oisin na Terra da Juventude – Escrito por Brian O’Looney e John O’Daly em 1909. Oisin, seu pai Fionn e o resto dos Fianna estavam em uma caçada até aparecer uma bela mulher chamada Niamh da Cabeça Dourada, dizendo estar apaixonada por Oisin, e querendo levá-lo consigo para a Terra da Juventude. Ele aceita e parte com ela. Uma história de final melancólico, que me lembrou o fim do conto Filhos de Lir. Aparentemente, quem sai da Terra da Juventude após muitos anos, acaba envelhecendo todos os anos que se passaram.

A Princesa Leve – Escrito por George MacDonald em 1864. Já li uma versão desta história lançada pela editora Pulo do Gato, sob o título de A Princesa Flutuante. Se desejam ver minha resenha deste livro, acessem o link: Ponte para o Imaginário: A gravidade do mundo (ponteparaoimaginario.blogspot.com)

 

                Pelo que notei, a maioria dos contos de fadas celtas possuem uma estrutura similar aos contos de fadas clássicos que conhecemos. Não acho isso algo ruim. Se esse fosse o caso, Lis Amarela, que é uma história que possui vários desses clichês não teria sido meu conto favorito do livro.

            Gostei bastante do livro. A maioria dos contos foram bons, além é claro, de possuir belas ilustrações antigas dando o clima de uma época antiga. Quem deseja conhecer, fique à vontade, só tome cuidado para não encontrar um gigante no meio do caminho. Ou uma mulher chifruda.

 

 

 

*Em muitos contos de fadas, o número três é relacionado, como por exemplo nos Três Porquinhos em que os três irmãos tiveram que lidar com o lobo três vezes.

 


 

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