sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O diário

09/05/12

Acordei. Pela primeira vez sem a correria do trabalho. Meu filho estava coberto de lençóis em sua cama donde não se levantaria, mesmo que quisesse. Fui até a cozinha e preparei meu café da manhã. Mesmo não tendo trabalho, teria um dia cheio em casa.
Meu nome é Cláudio e faz um mês que construí um laboratório onde poderia fazer minhas pesquisas. Pesquisas que, se dessem certo, poderiam revolucionar o mundo. Meu laboratório fica em um lugar secreto da casa e só é aberto por uma passagem que não revelarei aqui.
Depois que comi, subi as escadas e fui ao quarto de meu filho, Daniel. Peguei-o no colo. Era pesado porque já tinha completado dezessete anos. Carreguei-o até onde havia a passagem secreta e a abri. Entrei e o deixei em cima da mesa. Dentro do meu laboratório havia um tubo enorme cujo interior havia uma substância que elaborei recentemente. Esta substância tem a capacidade de regenerar corpos. Fiz uma experiência colocando uma cauda de lagartixa num copo e três horas depois nasceu uma lagartixa que compartilhava o mesmo DNA da original. Se isso funcionava com pessoas era o que eu iria descobrir.
Abri a gaveta e dela retirei uma pequena faca. Depois peguei a mão de Daniel e cortei-lhe um pedaço de unha. Teria doído, se ele pudesse sentir dor. Peguei o pedaço da unha com uma pinça, subi em uma cadeira e coloquei-o dentro do tubo. Como o organismo humano era mais complexo que o de uma lagartixa, o novo corpo provavelmente demoraria um dia para crescer. Amanhã eu voltaria para ver se tinha dado certo.


10/05/12       

Mal fiz o desjejum e fui correndo para o laboratório. Lá eu vi. Dentro do enorme tubo, uma réplica exata do meu filho. Estava na mesma posição de um feto dentro do ventre de sua mãe. Se eu o tirasse do tubo agora seria o mesmo que o nascimento de um bebê. Despertaria com a inocência de uma criança. Mas eu não queria uma criança recém-nascida. Eu queria o meu filho de volta. E eu o teria de qualquer jeito.
 Desde que ele era pequeno, soube que ele havia herdado a grave doença que matou a minha esposa. Por isso, implantei um chip em seu cérebro que gravava toda sua memória e experiência de vida. Estava na hora de testá-lo no clone.
 Usei uma alavanca para deitar o tubo. Abri a tampa do tubo para sair toda a substância. Ele abriu os olhos. Ficou me olhando com uma expressão curiosa, sem saber como se mexer. Tirei-o do tubo e coloquei-o na mesa com certa dificuldade.   Ele ficou sentado me olhando enquanto eu tirava a anestesia geral da gaveta. Injetei-a em seu braço e coloquei-o para deitar. Ao lado, o corpo de Daniel estava coberto por uma grande manta. Retirei-a, coloquei minhas luvas e com um bisturi, abri cuidadosamente a cabeça de meu filho. Retirei o chip de seu cérebro e coloquei-o em um paninho. Comecei a abrir a cabeça do clone, que logo seria o meu filho. Implantei cuidadosamente o chip em seu cérebro e costurei sua testa de volta.
Vi que seu coração batia. Estava dormindo, o efeito da anestesia só terminaria amanhã de manhã. Costurei a testa do corpo morto de meu filho e o tirei do laboratório. Fui até os fundos da casa. Lá tinha uma pá que usei para cavar e enterrar o corpo antigo de meu filho.  Amanhã ele acordaria em um corpo novo e saudável.


11/05/12


Acordei. E desta vez nem comi. Fui direto para o laboratório. O clone estava de pé. Resolvi chamá-lo pelo nome de meu filho para ver se ele atendia. E atendeu, me chamou de pai e perguntou por que ele estava em meu laboratório quando acordou. Respondi que o havia levado para ver se conseguia lhe salvar a vida. E consegui.
Ele agia do mesmo jeito que o antigo Daniel, comia, bebia, gesticulava igual ao meu filho. Eu sou um gênio. Consegui fazer algo que nenhum ser humano jamais fez. Eu ressuscitei uma pessoa. Finalmente o homem evoluiu o suficiente para chegar ao nível de um deus.
Agora que consegui o que queria, vou curtir o resto desta semana com o meu filho e semana que vem o levarei a escola.  
No final do dia, enquanto o meu filho estava dormindo, fui até os fundos da casa para regar as plantas. Para a minha surpresa, o lugar onde eu tinha enterrado o antigo corpo de meu filho estava remexido. E o corpo não estava mais lá.       


13 comentários:

  1. O que aconteceu com o corpo? Curiosa!!....

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  2. Para além do conceito de Deus ou deuses, se se dribla a morte, se dribla a dor e se o corpo some, logo a culpa some também... Mas pra onde vai a angústia do evento em si mesmo? Podemos apagar alguma história? Os Danieis, mesmo com o chip, jamais serão iguais... Live and let die! Feel the moment as possible...

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    1. Aloysio, seus comentários são sempre um aprendizado para mim. Obrigada. Abraço.

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  3. Será que o Criador resolveu buscar sua criatura?
    Se sim, entregou os pontos ou deu xeque-mate no Claudio?
    Daniel foi levado pelo Daniel por força do inconsciente?
    E não haverá o dia seguinte no diário de Claudio...

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  4. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  5. Muito bom Mariana !!! Amei seu blogs. E adoro histórias do imaginário. Parabéns!!!

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  6. Creio que a criatura excluiu a prova de que ela seria uma cópia, tornando-se assim a original.

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