Parte
9
Uma semana se passou. Os tremores já tinham chegado perto
da lagoa, mas não eram tão fortes quanto Alana esperava. O homem deve ter exagerado quando mostrou o resultado. Pensou ela.
Mas mesmo assim era alarmante. Incomodava quem passava pela floresta. Quase não
dava para andar direito. Enquanto isso, Rosemary exercitava a sua manipulação
de água na torneira. Ela dizia que já conseguia fazer uma gota se mexer, porém
não tinha muita credibilidade em suas palavras.
Rosemary decidiu que já estava pronta para fazer isso com
um copo com água, e então foi isso que tentou fazer. Não moveu nenhuma gota.
Alana anotava tudo em Bot. Não deixava escapar uma coisinha sequer e estava
fazendo isso naquele exato momento, sentada no sofá. Impaciente, Lana bateu na
mesa, fazendo o copo derramar o líquido:
- Viu só?! Estou conseguindo. – disse Rosemary quando
aconteceu a ação acima.
- Está nada! Fui eu que derramei. Isso está demorando
demais! Precisamos nos apressar e chamar alguém mais experiente.
- Está pensando em chamar outro unicórnio?
- Não apenas um unicórnio, mas algum que já trabalhou
para Alcateia.
- Vai chamar alguém da Alcateia? Ficou maluca?! Nós
estamos no topo. Se chamarmos alguém, parecerá que não somos boas o suficiente
para o trabalho. E ainda por cima um unicórnio?! Somos solitários e bons o
suficiente para precisar da ajuda de outros.
- Mas sempre achei que cavalos andassem em grupo. – disse
Alana, se intrometendo na conversa, mas ainda com os olhos para a tela detrás
da cabeça de Bot.
- Não somos cavalos! E por que você ainda está aqui? Seu
objetivo aqui já foi concluído. Volte para a sua casa!
- Se eu pudesse, já teria ido. Aqui não tem sinal para eu
chamar ajuda. Então vou aproveitar e ver como o povo daqui se comporta.
- Nossa, que trabalho legal. – falou Rosemary sarcástica.
– Mas voltando ao assunto, não vou usar o meu chifre para chamar um unicórnio.
- Não. Não vamos usar seu chifre para chamarmos um
unicórnio. Usaremos o seu chifre para teletransportá-lo para cá.
- Unicórnios não têm poder para fazer isso.
- Eles têm com a ajuda desse cristal.
Lana tira um cristal violeta da sua bolsa. Ele tinha dois
furos com uma fita dentro deles, com a utilidade de prender o cristal no punho,
ou nesse caso, no chifre:
- Comprou isso daquela moça do mercado? – perguntou
Alana, ainda digitando.
- Como você... Ah esquece. Vamos testá-lo. Nunca usei um
desses. Vamos lá para fora!
- Eu já disse que não quero.
- Precisamos salvar as pessoas, Rosemary.
- Eu disse que...
Lana puxou Rosemary pelo chifre. Mesmo sendo mais forte
que ela, o chifre era algo que dependendo do jeito, poderia se rachar. Lana só
pegava nele quando a situação era de urgência. Então, Rosemary foi lá fora com
ela. Alana parou de digitar e foi correndo segui-las, carregando Bot no colo. Não
queria perder nada.
Foram em direção da fronteira da cidade com a floresta.
Ficaram obviamente, no lado de pedra, pois uma pequena andada para o lado verde
já daria para sentir uma tontura. Lana amarrou o cristal cuidadosamente no
chifre de Rosemary e disse:
- Vai lá e faça o que eu te pedi. A vida de todos daqui
depende disso. E não só as humanas.
O grupo ficou em silêncio. Os únicos sons que davam para
ouvir eram os dos tremores da floresta e das rodas de carroça na cidade. Que
para falar a verdade, atrapalhavam muito na hora dela concentrar. Mas Rosemary
foi persistente. Fechou os olhos. Seu chifre brilhou, o que fez o cristal preso
a ele transmitir uma luz da cor roxa na grama. Ao parar com brilho, na frente
deles, quase não conseguindo ficar em pé por causa dos tremores, estava um
unicórnio todo branco, com uma barbicha de bode perto da boca:
- O que foi isso? Onde estou? Por que a terra está tremendo?
- Funcionou!
- Esse tipo de energia me faz lembrar as máquinas
teletransportadoras lá do meu mundo. Será que...
- Pai?!
- Rosemary?
O velho unicórnio saiu da grama da floresta e foi para a
parte da cidade, retomando o seu equilíbrio e sua compostura:
- Eu estava pastando no meu campo até sentir algo me
puxar...
- Eu te teletransportei para cá com essa pedra mágica no
meu chifre.
- É, eu já vi uma dessas há uns seiscentos anos atrás. –
disse ele olhando para o cristal. – Por que me trouxeram aqui?
- Precisamos que Rosemary aprenda o domínio da água.
- Isso ela aprenderá sozinha, quando for mais velha.
- Precisamos que ela aprenda logo. Essa cidade depende
disso.
- Unicórnios não ajudam uns aos outros. Temos orgulho
próprio.
- Viu! Eu te falei.
- Mas antes, éramos unidos. Trabalhando em equipe.
Ninguém se achava melhor que ninguém. Sinto saudades desses dias de potro.
Quando o bando se separou, só nos juntávamos para cuidar dos filhotes. Depois
que eles cresciam, cada um seguia o seu caminho. No meu caso, eu fui trabalhar
com os humanos e outros seres na Alcateia.
- Eu sou da Alcateia, pai.
- Você é? Então deixe esse orgulho de lado. Se é urgente,
eu vou te ensinar. Mas não espere que eu dê mole para você só porque é minha
filha.
- E nem quero que você dê.
- Então, vamos para outro lugar. Aqui treme muito.
- Tem um campo com um riacho no outro lado da cidade. –
disse Lana. – Mas será uma caminhada mais longa.
- Tudo bem, estou precisando fazer uns exercícios. Mesmo
já tendo dois mil e quinhentos anos, é bom estar em forma. Mas vão devagar. Eu
não corro mais como corria antigamente.
A caminhada até o outro lado da cidade demorou umas duas
horas, não contando a parada que o grupo fez para almoçar em um restaurante.
Alana ficou impressionada que lá havia lugares para unicórnios, gnomos e outros
seres grandes e pequenos quando comparados ao tamanho humano. Ela até viu um
casal de gnomos sentado à mesa. Conseguiu que Bot tirasse uma foto deles
escondido. Não ficou tão boa, mas ainda dava para ver. Ele tirou mais fotos de
Rosemary e seu pai quando chegaram ao riacho. Essas sim ficaram perfeitas. O
ambiente era tranquilo. Tinha poucas árvores, sendo mais dominado pela grama. O
pequeno rio era bem limpo e tão transparente que dava para ver os peixes
nadando.
Demorou quatro dias para ela se especializar na dominação
de água, o que para um unicórnio que só aprende com pelo menos mil anos, foi
muito rápido. Mas os tremores já haviam chegado em Ouro Branco. E só restavam
três dias para resolver o problema. O velho unicórnio então se despediu do
grupo, no lugar de treinamento:
- Sabe, eu estou orgulhoso de você Rosemary. Tenho
certeza que irão conseguir. Se eu pudesse, até iria com vocês. Mas não sou mais
jovem como era antes. Não corro mais tão bem e minha magia já não mais tão
forte quanto era antes. Me mande de volta para casa, querida.
- Pode deixar.
- Longa vida a Alcateia!
Como Rosemary não conseguia usar o cristal para
teletransportar o seu pai, ele teve que ir trotando para além do riacho. O
grupo ficou lá até ele desaparecer de vista. Com tudo preparado, estavam
prontos para ir em direção ao antigo vulcão.
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