sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O Livro que Originou Cupido e Psiquê

 


            Vocês conhecem a história de Cupido e Psiquê? História essa que inspirou o conto da Bela e a Fera e muitos outros que envolvem um noivo animalesco que na verdade é um príncipe amaldiçoado? Sabiam que Cupido e Psiquê é apenas um texto dentro de um romance maior? O Asno de Ouro ou Metamorfoses foi escrito por Lucio Apuleio. Não se sabe quando exatamente foi a sua data de publicação, mas é estimado que tenha sido no final do século II, sendo o único romance a ter sobrevivido completo desde o Império Romano. Vamos para o resumo:

            Lucio Apuleio estava indo em direção a Tessália em busca de conhecimento mágico. Quando chegou na cidade de Hipata, Lucio foi se instalar na casa de Milón, um homem avarento, por recomendação de seu amigo Demeas. Ele encontra uma prima de sua mãe, que avisa para tomar cuidado com a mulher de Milón, Panfilia, que era uma feiticeira poderosa. Depois de saber mais detalhes por sua amante e empregada do casal, Fotis, isso o deixou mais curioso, querendo ver as artimanhas de Panfilia. Ao ver que esta era capaz de se tornar uma ave após passar um unguento, Lucio pediu para que Fotis também passasse nele para ter essa experiência antes de se tornar humano novamente. Porém, a moça passou o unguento errado e ele virou um asno, começando assim suas desventuras.

            O texto é dividido em onze livros, tendo cada um deles de três a seis capítulos. Em cada capítulo, tem um resumo do que ocorrerá, o que é algo ruim para quem deseja ser surpreendido conforme lê a narrativa. Enquanto estes resumos o narrador é onisciente, o resto é narrado pelo próprio protagonista. Por ser um texto antigo, houve momentos em que não entendia certas palavras. Outra coisa que vale mencionar é que o nome do protagonista é o mesmo do autor. Talvez, assim como a maioria de nós, ele desejasse viver uma aventura mágica.

            O Asno de Ouro é, como dito no resumo, uma narrativa que foca nos perrengues que Lucio passa na forma de asno, sendo roubado, vendido e trabalhando feito um condenado. E depois de tanto sofrimento, ele consegue por fim voltar ao normal, graças a deusa Isis, que aqui incorpora todas as deusas romanas. Assim, ele se torna um fiel seguidor dela, tentando ao máximo seguir seus mandamentos e se afastar dos pecados. Acabei dando um grande spoiler, mas era previsível que ele fosse voltar ao normal. Isso do protagonista que vai para uma religião após esta resolver o seu problema me lembrou do conto da Dama Bai, a serpente branca*. É comum nas histórias que quando a gente faz um trato com um deus benéfico, ele cumpra e te beneficia, ao contrário dos tratos do diabo. Porém, para deixar a história mais interessante, o autor acaba fazendo com que o humano descumpra o trato com seu beneficiador. Isso não acontece aqui. O escritor quis que o protagonista tivesse sua redenção e cumprisse com sua palavra, o que também acontece com várias pessoas religiosas que dizem que seu Deus as ajudou. Não teria me desgostado do final se as aventuras de Lucio transformado em asno fossem interessantes, o que infelizmente não foram.

            Assim como em Mil e uma Noites, o livro contém várias histórias que Lucio vai ouvindo no decorrer do livro, sendo Cupido e Psiquê uma delas e a que mais durou, tendo começado no final do quarto livro e terminado no penúltimo capítulo do sexto livro. A história foi contada por uma velha comungada com ladrões, tentando acalmar uma noiva sequestrada. Apesar de ter minhas críticas com Cupido e Psiquê, entendo o porquê dentre todos os contos contidos deste livro, esta é a que chama mais atenção. Além da presença dos deuses greco-romanos, esta é uma das poucas com um final feliz enquanto a maioria é trágica.

            A única outra história que achei interessante foi esta, contada por um convidado da prima da mãe do protagonista: este homem, que cobre a face conta que topou o trabalho de vigiar um defunto por causa das bruxas que gostam de roubar membros dos mortos. Ele cai no sono e ainda assim ganha o dinheiro por seus contratantes não saberem disso. O morto retorna a vida por um tempo, brigando com a viúva e contando que as bruxas passaram sim por ali, mas confundiram ele com o vigia dorminhoco, e acabaram cortando as orelhas e o nariz dele, que caíram depois. Esta foi a única história que chamou me atenção por seu final tragicômico.

            Quanto a história de Cupido e Psiquê, o conto se trata da mais nova de três filhas, que era tão bela que as pessoas ofereciam oferendas como se fosse a própria deusa da beleza, Vênus. Mas Vênus não gostou nem um pouco disso e mandou que seu filho, Cupido, se livrasse dela. Apesar de suas irmãs terem conseguido se casar, Psiquê não estava tendo a mesma sorte apesar do quão venerada ela era. Seus pais foram para o oráculo, que disse que deveriam vesti-la com roupas de luto e deixá-la na montanha, pois o genro deles não seria um mortal. Seria um ser venenoso como uma serpente... Aqui temos o clichê das irmãs mais velhas invejosas que se dão mal, e a realidade da sogra malvada (brincadeira...). Também temos o noivo fugitivo e a noiva que vai atrás dele e recebe ajuda de aliados. O meu problema está nessa ajuda. Ao invés de Psiquê oferecer algo em troca para eles, ela tenta cometer suicídio e, com pena dela, os aliados a ajudam. Os contos que vieram dessa base foram melhores. Outra coisa que me faz questionar se Cupido e Psiquê com o cânone da mitologia greco-romana é a relação de Vênus (Afrodite) e Juno (Hera). Juno é esposa de Júpiter (Zeus) e deusa do casamento enquanto Vênus é a deusa da luxúria. Ela competiu com Vênus pelo pomo de ouro, que foi dado a Vênus por ser considerada a deusa mais bela. Como ela pode ser considerada amiga de Vênus aqui no conto? Se a história condissesse com a personalidade de Juno, que é ciumenta e invejosa e se opõe a Vênus em suas crenças, teria feito dela uma das aliadas de Psiquê, por ser a favor do casamento e contra sua rival do Olimpo. Outra coisa que me confunde é parentesco entre Marte (Ares) e Cupido. Aqui é dito como ele se fosse o padrasto enquanto na mitologia grega, Cupido é o filho que ele teve Afrodite enquanto esta estava casada com Hefesto. 

            Não gostei muito do livro. O que Lucio passou enquanto estava transformado em asno foi repetitivo e foram poucas as histórias que me interessaram. Entendo agora o porquê do conto de Cupido e Psiquê ser mais lembrado. Este pelo menos inspirou A Bela e a Fera e vários outros contos de fada. E existem vários livros só dele para que ninguém tenha que ler O Asno de Ouro. Mas se ainda assim, desejam ler este romance, fiquem avisados:  ele contém várias cenas de sexo e escatologia. Desde homens travestidos que enganavam os outros com sua religião, mulheres que mijam em corpos, uma madrasta que se apaixona pelo seu enteado e zoofilia. E nunca passem unguento de bruxa.

 

 

*Resenha de Dama Bai, a serpente branca: Ponte para o Imaginário: Contos de Fadas do Leste Asiático


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