Isabel acordou. Quando a
visão voltou ao normal depois de tanto dormir, ela o procurou. Cadê ele?! Não era ele quem iria me acordar
depois de derrotar o dragão? Pensou ela. Ela então se levantou e saiu à sua
procura pelo castelo. A princesa havia sido enfeitiçada por uma bruxa
vingativa, e dormiria até um príncipe vir acordá-la. Mas para isso, teria que
derrotar o terrível dragão.
Não havia ninguém no castelo. Procurou em todos os
cômodos em vão. Isabel começou a se desesperar. Foi para o jardim. A grama
parecia não ter crescido muito após ter pegado no sono. Quanto tempo se passou? No meio das flores, tropeçou em algo. Ajeitou
o seu vestido e foi ver o que era. O objeto era duro e tinha um tom verde
escuro, parecendo uma esmeralda bruta. Tinha o tamanho do antebraço da princesa
e formato oval. Um ovo? Isabel o
colocou no colo. Era pesado e quente e começou a se mexer. Ela largou o ovo e
se afastou, vendo que dele, nasceu um pequeno dragão verde, que como todo
animal recém-nascido, começou a andar desengonçadamente.
A princesa se afastou um pouco mais. Esse é o dragão que meu príncipe vai ter que enfrentar? Para que devo
esperar então?! O dragão começou a se aproximar dela, mas Isabel saiu
correndo para os portões. A bruxa parece ter errado as palavras na hora de
amaldiçoá-la. Não podia perder esta oportunidade. Quando ia encostar no portão,
uma força a empurrou para trás. Tentou de novo, mas aconteceu a mesma coisa. Parece que o encanto da bruxa não deu
totalmente errado. Será que...
O filhote ainda estava no jardim, explorando os
arredores. Isabel chegou até ele, segurando uma lança, que era usada de enfeite
junto com armaduras de cavaleiros. Ela a apontou para o dragão que só a olhava
curioso:
- Esse será o seu fim, criatura maligna! Prepare-se
para...
O dragão começa a brincar com a lança, tentando pegá-la
com suas garras, igual a um gato. Ele consegue e fica mordendo a ponta da lança.
Isabel o olha com pena:
- Não consigo. Não sou um cavaleiro corajoso para fazer
isso. Por que pensei que seria capaz de fazer isso?
Ela solta a lança no chão. O filhote a balança como se
esta fosse um mero pano de chão. Fez isso até a madeira da lança se soltar. A
princesa decidiu fazer algo que nunca pensou que faria em sua vida. Ela pegou a
madeira da lança e a balançou, chamando a atenção do dragão:
- Aqui garoto, aqui...
O réptil soltou a ponta da lança, que estava toda
amassada e babada e tentou pegar a madeira:
- Aqui garoto, aqui. Pega!
Isabel joga o pedaço de madeira para longe. O pequeno
dragão vai atrás dele e volta carregando-o na boca. Essa cena se repetiu umas
dez vezes até Isabel sentir fome. Foi procurar algo no estoque do castelo. Viu
que tinha comida o bastante. Os servos
devem ter ficado tão apavorados com a maldição que saíram correndo sem nem ao
menos levar nada. Pensou a princesa. Nunca pensou que algum dia, ela mesma
teria que cozinhar. Pegou um livro de receitas da biblioteca e fez sua primeira
tentativa. Aproveitou e também trouxe um livro sobre constelações para se
distrair. Mas acabou se distraindo tanto que queimou todo o fundo da sua
estranha gororoba. Ofereceu ao dragão, mas este cheirou e logo se afastou
enojado:
- Vejo que seu
paladar também tem limites.
Isabel
teve que se contentar com essa gororoba, pois não iria arriscar queimar outra
panela. Ela deu pedaços de carne crua para o filhote, que as recebeu com
excitação:
-
Espero que isso dure até eu ser resgatada. E que você não me coma até ela
acabar – disse Isabel em voz baixa.
O
bicho só a olhou com curiosidade, enquanto mastigava o pequeno cubo de carne:
-
Acho que você precisa de um nome. Ou pelo menos algo que irei chamá-lo antes de
tentar me devorar.
O
filhote se aproximou dela, e começou a cheirá-la, procurando outro pedaço de
carne. Isso a deixou paralisada de medo e deixou o livro de constelações cair.
Mas quando ele cheirou os seus dedos, lambeu-os, pois sentia o gosto da carne
picada que ele havia comido anteriormente. Isabel se acalmou e fez uma coisa
que jamais pensaria que iria fazer. Ela acariciou a cabeça do filhote. Este a
parou de lambê-la e a olhou por um momento com seus olhos verdes. Depois passou
a fazer o mesmo com a outra palma. Isabel olha rapidamente para o livro caído
no chão. Ele estava aberto na constelação do dragão:
-
Vou chamá-lo de Draco.
Dias
se passaram. Draco crescia de pouquinho em pouquinho. Com um mês, já alcançava
os joelhos de Isabel. Aprincesa se distraia lendo livros, brincando com seu
companheiro e cozinhando. Queimou a comida umas três semanas. Tinha vezes que
lia para o pequeno dragão, que parecia entender o que era dito conforme
aumentava de tamanho. Parecia ter um entendimento mais de humano do que de um
animal. Isso deixou Isabel tão curiosa, que procurou sobre o assunto na
biblioteca. O único que tratava os dragões como seres portadores de grande
sabedoria e não seres loucos por carne e queimadores de vilas estava em um
canto bem escondido em uma das prateleiras. Só que os dragões lá
ilustrados não possuíam asas e tinha uma
aparência mais similar a de uma serpente do que a de um lagarto ou salamandra,
como era o caso de Draco.
Uma
noite, enquanto Isabel estava apreciando as estrelas com Draco, os portões do
castelo se abriram. A princesa, sem saber quem havia entrado, puxou o dragão,
que naquele momento tinha a sua altura, para um quarto do andar de baixo. Eles
ouviram os passos. Seus visitantes eram bandidos, armados até o último fio de
espada, adagas e várias armas cortantes:
-
Chefe, tem certeza que estamos seguros aqui?
-
E se tiver alguma armadilha?
-
Deixem de ser medrosos! Vão procurando a princesa. Assim que acordá-la, serei
rei e darei uma recompensa bem gorda para todos. Serei mais poderoso do que
nunca!
-
E se não tiver nenhuma princesa, chefe?
-
Então saquearemos tudo que tiver no castelo. Também poderemos usá-lo como
esconderijo...
Isabel
começou a tremer com a aproximação deles no quarto onde estavam escondidos. Mas
Draco tinha um olhar de fúria e determinação. Ele sai de perto da princesa e
vai em direção a porta:
-
Draco, não! – sussurrou Isabel.
Draco
derruba a porta, se revelando para os ladrões:
-
Um dragão! – gritou um deles apavorado.
-
Mas olha o tamanho dele! Ele nem chega a altura dos nossos ombros.
-
Homens, atacar! – gritou o chefe.
Porém,
não conseguiram encostar um dedo sequer na pele escamosa do dragão, pois chamas
verdes saíram de sua boca, queimando os corpos dos invasores. Estes saíram
correndo do castelo e nunca mais foram vistos. Isabel assistiu a cena de
dentro. Essa era a primeira vez que via Draco soprar fogo. Ela saiu do quarto e
foi abraçar Draco:
-
Graças aos céus que você está bem. Nunca mais me dá um susto desses!
Draco
lambeu a face da princesa, limpando suas lágrimas de preocupação. Mas dois
meses se passaram e a carne conservada havia acabado. Draco já media uma Isabel
e meio quando ficava em duas patas. Ainda estava aprendendo a voar, mas como
havia sido mostrado pelos bandidos, seu bafo de fogo funcionava como nunca. Ao
notar que os estoque de carnes havia acabado, a princesa ficou nervosa. Quando
foi para cozinha ver se não havia nenhuma carne escondida, encontrou Draco
próximo ao fogo. Seus olhos estavam fixos nela. O dragão se aproximou dela com
rapidez. Já a princesa deu uns passos para trás. Quando Draco se aproximou o
máximo que pôde, ele abriu a boca e... Cuspiu um gavião morto. Tinha sinal de
queimaduras na ave. Draco então se sentou e olhou para Isabel, que teve uma
reação de surpresa e depois de nojo ao ver a ave toda babada. Ela voltou o seu
olhar para ele:
-
Você quer que eu cozinhe isso?
Ele
acenou que sim com a cabeça. Já ela, pegou um pano e tentou limpar o gavião
antes de depená-lo. Seus dotes culinários haviam melhorado nesses meses, mas em
nenhum desses pratos havia depenado um animal. Acabou que deixou três penas no
cozido, mas o dragão não ligou. Draco caçava uma ave por dia para a refeição
dos dois. Aos poucos, o dragão aprendia a voar cada vez mais alto. Isabel
chegou pensar na possibilidade de ele ir embora e nunca mais voltar. Mas ele
nunca saía dos arredores do castelo, e até aquele momento, seus voos não
passavam dos muros fortificados do palácio. Será
que o feitiço da bruxa também o prende? Ele está preso aqui comigo até que
alguém tire a sua vida?! Pensou a princesa. O desejo de sair um dia daquele
castelo foi substituído pelo medo. Medo de perder o único companheiro que teve
durante todo o ano.
Então,
o dia chegou. O portão do castelo se abriu novamente. Isabel e Draco estavam no
jardim quando ouviram o portão se abrir:
-
Fique aqui – ordenou a princesa.
Isabel
foi silenciosamente para o salão principal. Ao invés de um grupo de homens,
havia apenas um cavaleiro de armadura e espada montado num jovem corcel. Sua
salvação havia chegado. Mas ela não correu para ele. A princesa voltou ao jardim
sem que o pretendente a visse e abraçou Draco chorando:
-
Ele chegou! Sei que é ele! Sua aparência é igual a dos livros. Eu não quero que
você morra...
Draco
olha para o céu estrelado. Depois olha para Isabel. Seus grandes olhos não
demonstravam medo, mas sim uma serenidade. Ele não estava com a sede de sangue
nem a raiva de quando enfrentou os bandidos. Draco gentilmente se afasta do
abraço de Isabel e faz um sinal com a cabeça, encostando em seu ombro:
-
Você quer que eu suba em você? – perguntou ela, tentando conter as lágrimas.
Ele
fez que sim com a cabeça. Ela subiu e ele voou. Voou tão alto que os muros do
palácio pareciam um pequeno ponto. Eles seguiram com sua jornada, pois a
primeira parte já havia sido completada: A princesa derrotou (domou) o dragão.
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