sexta-feira, 3 de outubro de 2025

O Privilégio do Belo

 


                O que você faria se parasse de envelhecer aos dezessete e um retrato seu envelhecesse em seu lugar? Será que isso é tão bom quanto parece? O Retrato de Dorian Gray escrito por Oscar Wilde em 1890 responde essas perguntas. Gostaria de saber as respostas? Vamos para o resumo:

            Dorian Gray é um belo jovem que foi a casa de seu amigo, Basil Hallward, para que este pintasse o seu retrato. Lá também encontrou lorde Henry Wotton, amigo de Basil, e numa conversa entre ele e Gray, acaba mencionado que a juventude não é eterna, que o tempo passaria, que Dorian envelheceria e sua beleza esvaneceria. Quando Basil terminou a pintura, todos acharam bela e Dorian desejou que a pintura envelhecesse em seu lugar...

            Devo dizer que fiquei surpresa em saber que a história não envolveu pacto com o Diabo. O retrato de Dorian começou a envelhecer e mudar sua aparência misteriosamente conforme o jovem fazia suas maldades. Não há explicação para o ocorrido, mas saber o porquê de isto estar acontecendo não importa. O foco do livro é a consequência deste fenômeno.  

            Dentre os personagens, três se destacam: o pintor Basil Hallward, que conheceu Dorian e vê nele não só um modelo, mas um ser próximo do divino que o inspira na hora de fazer suas pinturas; Henry Wotton, um sujeito que tem um pensamento individualista, que acha que todos deviam agir pelo prazer sem pensar nas consequências. Ele faz o papel do diabo no ombro de Dorian enquanto Basil faz o papel de anjo. Wotton influencia o rapaz a ir pelo mal caminho por mera diversão. E por último, temos o protagonista, Dorian Gray, um rapaz que começa bom, ingênuo e bastante emotivo até que começa a seguir esta vida de prazer sem se importar com os outros. Ele é descrito como um jovem de cachos loiros e olhos azuis, algo que a capa do livro não ilustrou. Isso dá a ele uma aparência angelical.

            Por sua aparência se manter a mesma, Dorian se entrega aos vícios e prazeres libidinosos, fazendo com que várias pessoas que ele se relacionou o detestassem por ter sido má influência e arruinado a vida delas. Mesmo assim, Dorian conseguia manter algumas de suas amizades, pois sua beleza era encantadora e pueril. Estas acreditavam que tudo aquilo que ele fez não passava de boatos. Creio que muitos têm este sentimento quando descobrem que uma celebridade fez algo de errado, principalmente quando ela tem uma beleza estonteante. Este é privilégio do belo. É quase que instintivo nós vermos algo bonito e associarmos com o bom e o feio com o mal. Mas nunca julgue o livro pela capa. Devemos julgar pelo conteúdo.

            Respondendo à pergunta do primeiro parágrafo, não seria ruim se um retrato envelhecesse em seu lugar. Só que o retrato de Dorian Gray não apenas envelheceu. Ele se desfigurou conforme as maldades e os vícios do jovem. Ele então deixa de ser um retrato de belo moço e passa a refletir a alma de um homem corrompido. Você aguentaria conviver com um espelho que refletisse todos os seus pecados?

            O Retrato de Dorian Gray é um ótimo livro para se entreter e pensar, não só nos assuntos que mencionei acima, mas também pelas opiniões Wotton, que apesar de discordar de vários de seus pensamentos, muitas de suas falas podem dar bons temas para debates. Então, venha dar uma olhadinha. Só não faça isso próximo de seu retrato.   

 


sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Garotas Mágicas no Mundo Real

 


            Já ouviu falar do gênero das garotas mágicas? Ele está presente em muitos mangás e animações japonesas como Sailor Moon e Sakura Card Captor, que são sobre garotas, geralmente jovens, com poderes mágicos. Normalmente, elas passam por uma transformação que muda sua aparência e roupa. Também costumam usar seus poderes para salvar o mundo. Agora imagine se várias delas existissem em nosso mundo, cada uma com seu poder mágico. O livro Uma garota mágica se aposenta fez esta proposta. Escrito pela coreana Park Seolyeon no ano de 2022 em seu país, foi lançado no Brasil recentemente em junho deste ano. E como fã de Sakura Card Captor, o título desta obra me atraiu e aqui estou eu fazendo sua resenha. Vamos para o resumo:

            Uma mulher de vinte nove anos está prestes a se suicidar na ponte Mapo em Seul, após várias dívidas no cartão e a falta de emprego fixo. Mas uma moça com vestidinho branco e fofo a impede, dizendo que seu destino é se tornar uma “Garota Mágica”.

            Como funciona as garotas mágicas numa história mais realista? Torne-as o equivalente do que seria os super-heróis, com uma escola dos X-men para treinar as garotas, junto a um lugar que ajuda encontrar emprego para elas ganharem dinheiro como por exemplo o de guarda-costas e o de caçadora de recompensas. Achei um conceito interessante. Existe, porém, aquele dilema do herói estar ganhando dinheiro pelo seu heroísmo ao invés de fazer por razões nobres, algo que a própria protagonista julga. Mas não é isso que os policiais e os bombeiros fazem? Os poderes normalmente são despertados quando a moça se sente vulnerável, o que explica o porquê de a maiorias delas ser jovem.

            A protagonista, que não é nomeada na história, é pessimista e esforçada. Devido ao seu problema financeiro, tem muito foco nos gastos e tenta ao máximo conseguir um emprego. No primeiro capítulo cheguei a me identificar com ela quando desejou cometer suicídio sem incomodar ninguém, mas no fundo, gostaria que alguém a consolasse, o que mostra como temos que nos mostrar forte para os outros, mesmo querendo nos abrir para alguém. A segunda personagem com mais foco é Ah Roa, a Garota Mágica da Clarividência. Foi ela que impediu a protagonista de tirar a própria vida. Por trás de sua positividade, esconde uma mulher que tem autoestima baixa, pois apesar de útil, seu poder não é tão forte para luta. Há um romance implícito entre as duas personagens que achei um tanto desnecessário pois a trama era rápida e quase não teve tempo para desenvolvê-las como amigas, muito menos como par romântico. Há outras personagens como Choi Heejin, Garota Mágica do Espaço, que é arrogante e a presidente do Sindicato de Garotas Mágicas, Yeon Riji, a primeira Garota Mágica da Coréia do Sul, que já é uma senhorinha. Ambas tiverem sua relevância apesar de aparecerem pouco. Não vou comentar sobre a antagonista pois seria um grande spoiler. Só direi que seu passado não justifica suas ações.

            Apesar da proposta interessante, acho que o livro deveria ter sido maior. Focado mais na protagonista fazendo amizade com Ah Roa e possivelmente, com outras garotas mágicas. O mundo das Garotas Mágicas em geral podia ser mais explorado, dando a perspectiva de outras personagens e não apenas da protagonista. A resolução do problema foi criativa e até cômica, fazendo parecer uma paródia por um momento.

            O livro me entreteve o suficiente. Daria três de cinco estrelas. Se você gosta do gênero e é a favor do meio ambiente, pode dar uma olhada e lembre-se: quando sentir que tudo está para ruir, não desista. Deixe que sua chama de poder surja e siga em frente. Você não está sozinho.

 

 

 


sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O Ser mais Popular do Folclore Brasileiro


            E para comemorar o Dia do Folclore, estamos aqui com o livro de um ser brasileiro muito popular, escrito por um renomado autor. O Saci foi escrito por Monteiro Lobato e faz parte da coleção do Sítio do Picapau Amarelo. Lobato foi quem popularizou a criaturinha travessa de uma perna só desde antes deste livro. Em 1917, através do “Estadinho”, edição vespertina do jornal O Estado de S. Paulo, ele lançou uma pesquisa pedindo aos leitores que enviassem histórias do endiabrado. Em 1918, ele selecionou setenta e quatro desses depoimentos e transformou no livro O Sacy-Pererê: Resultado de um Inquérito. Depois disso, ele introduziu o saci para o sítio em 1921, no livro que tenho em mãos. Vamos dar uma olhadinha...

            Pedrinho foi passar as férias no sítio da avó, o Sítio do Picapau Amarelo. Num dia, ele estava querendo ir para o Capoeirão dos Tucanos para caçar. Dona Benta, sua avó, foi falando dos bichos perigosos que tinham lá e o menino foi negando ter medo deles até ela mencionar o saci. Do saci, Pedrinho tinha medo. Quando foi consultar Tia Nastácia, a empregada da avó, para falar dessa criatura, a mulher mencionou que ela existe sim e que Tio Barnabé já tinha visto. Então, Pedrinho foi atrás de Tio Barnabé para saber mais sobre o saci...

            O livro faz um bom trabalho dando foco ao Saci, que foi praticamente o herói da história, apesar de Pedrinho ser o protagonista da história. O Saci é aliado e mentor do menino quando se trata dos seres da noite e da floresta, trazendo discussões interessantes entre ele e o menino como o do homem ser mais burro que os outros animais, pois não nasce sabendo o que fazer para sobreviver, ou seja, não tem instinto, e que mata sem necessidade. Apesar dessa discussão do homem caçar por prazer ser errado já ter sido feita em várias histórias infantis, aqui é feita de uma forma criativa e só aparece num capítulo, fazendo com que não desperdicemos nosso tempo. Outra discussão que a narrativa traz é sobre o medo, que vem da incerteza e do escuro, que os monstros só existem nos olhos de quem acredita. Algo bem interessante para se ensinar a uma criança. 

            Os sacis são descritos neste livro como negros pequeninos, de uma perna só, com o gorro vermelho e mãos furadas, que me faz lembrar da lenda do fradinho da mão furada*, vinda do folclore português. Eles nascem dos gomos de taquaruçus (bambus grandes) e se desenvolvem dentro dessa planta por sete anos. Depois de saírem, vivem até setenta e sete anos, virando depois cogumelos venenosos ou orelhas-de-pau (tipo de fungo). Se escondem do sol, pois gostam das trevas, sendo chamados de “filhos da Lua”.  Além de fazer travessuras, também chupam o sangue dos cavalos como morcegos.

             Outros seres do folclore brasileiro também apareceram ou foram mencionados no livro como o Jurupari, ser do folclore indígena que causa pesadelos, insônia e agarra o pescoço das pessoas para não gritarem enquanto tem sonhos ruins; o Curupira; o Boitatá, que é uma cobra flamejante com olhos gigantes e fica próximo de carniça; a Iara, que aqui é uma espécie e não um indivíduo, possui cabelos verdes e na ilustração, é desenhada com pernas ao invés de cauda de peixe; Negrinho do pastoreio; Cuca, que dorme a cada sete anos; o Lobisomem, que aqui é o sétimo filho de sete irmãos, se transforma nas sextas-feiras e é curado ao cortar uma das patas. Ele tem a pele virada. Por dentro é pelo e por fora é carne; a Mula sem cabeça que aqui era uma rainha que ia para o cemitério comer cadáveres e quando o rei a viu fazer isso, ela se transformou na mula sem cabeça e galopou pelo mundo; a Porca dos Sete Leitões que era uma baronesa muito má com seus escravos até que um feiticeiro negro transformou ela e seus sete filhos em porcos. Só um anel pode transformá-los de volta; o Caipora, um duende peludo, meio homem meio macaco, que cavalga em porcos-do-mato para exigir fumo dos viajantes. Não pude deixar de notar que alguns destes seres tem relação com o número sete, que aparece muito nos contos de fadas junto com o três e o treze. Me pergunto se o autor descreveu estes seres exatamente como ele ouviu nas histórias ou se ele inventou alguma coisa.

            Se é para dizer algo negativo, diria que teve algumas palavras que tive que parar para pesquisar o significado, como modorra, jacarandá e barba-de-pau. Isso pode ser um pouco incomodo para quem gosta manter o ritmo da leitura.

        Gostei do livro e recomendo sua leitura tanto para adultos quanto para crianças. Só tomem cuidado ao andarem pela mata à noite. Uma onça pode te encontrar. Ou a Mula sem cabeça.

 



Roteiro: Mariana Torres
Desenho: Maya Flor


*Resenha do livro Obras do fradinho da mão furada: Ponte para o Imaginário: Obras do Fradinho da Mão Furada

 


 


 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O Livro que Originou Cupido e Psiquê

 


            Vocês conhecem a história de Cupido e Psiquê? História essa que inspirou o conto da Bela e a Fera e muitos outros que envolvem um noivo animalesco que na verdade é um príncipe amaldiçoado? Sabiam que Cupido e Psiquê é apenas um texto dentro de um romance maior? O Asno de Ouro ou Metamorfoses foi escrito por Lucio Apuleio. Não se sabe quando exatamente foi a sua data de publicação, mas é estimado que tenha sido no final do século II, sendo o único romance a ter sobrevivido completo desde o Império Romano. Vamos para o resumo:

            Lucio Apuleio estava indo em direção a Tessália em busca de conhecimento mágico. Quando chegou na cidade de Hipata, Lucio foi se instalar na casa de Milón, um homem avarento, por recomendação de seu amigo Demeas. Ele encontra uma prima de sua mãe, que avisa para tomar cuidado com a mulher de Milón, Panfilia, que era uma feiticeira poderosa. Depois de saber mais detalhes por sua amante e empregada do casal, Fotis, isso o deixou mais curioso, querendo ver as artimanhas de Panfilia. Ao ver que esta era capaz de se tornar uma ave após passar um unguento, Lucio pediu para que Fotis também passasse nele para ter essa experiência antes de se tornar humano novamente. Porém, a moça passou o unguento errado e ele virou um asno, começando assim suas desventuras.

            O texto é dividido em onze livros, tendo cada um deles de três a seis capítulos. Em cada capítulo, tem um resumo do que ocorrerá, o que é algo ruim para quem deseja ser surpreendido conforme lê a narrativa. Enquanto estes resumos o narrador é onisciente, o resto é narrado pelo próprio protagonista. Por ser um texto antigo, houve momentos em que não entendia certas palavras. Outra coisa que vale mencionar é que o nome do protagonista é o mesmo do autor. Talvez, assim como a maioria de nós, ele desejasse viver uma aventura mágica.

            O Asno de Ouro é, como dito no resumo, uma narrativa que foca nos perrengues que Lucio passa na forma de asno, sendo roubado, vendido e trabalhando feito um condenado. E depois de tanto sofrimento, ele consegue por fim voltar ao normal, graças a deusa Isis, que aqui incorpora todas as deusas romanas. Assim, ele se torna um fiel seguidor dela, tentando ao máximo seguir seus mandamentos e se afastar dos pecados. Acabei dando um grande spoiler, mas era previsível que ele fosse voltar ao normal. Isso do protagonista que vai para uma religião após esta resolver o seu problema me lembrou do conto da Dama Bai, a serpente branca*. É comum nas histórias que quando a gente faz um trato com um deus benéfico, ele cumpra e te beneficia, ao contrário dos tratos do diabo. Porém, para deixar a história mais interessante, o autor acaba fazendo com que o humano descumpra o trato com seu beneficiador. Isso não acontece aqui. O escritor quis que o protagonista tivesse sua redenção e cumprisse com sua palavra, o que também acontece com várias pessoas religiosas que dizem que seu Deus as ajudou. Não teria me desgostado do final se as aventuras de Lucio transformado em asno fossem interessantes, o que infelizmente não foram.

            Assim como em Mil e uma Noites, o livro contém várias histórias que Lucio vai ouvindo no decorrer do livro, sendo Cupido e Psiquê uma delas e a que mais durou, tendo começado no final do quarto livro e terminado no penúltimo capítulo do sexto livro. A história foi contada por uma velha comungada com ladrões, tentando acalmar uma noiva sequestrada. Apesar de ter minhas críticas com Cupido e Psiquê, entendo o porquê dentre todos os contos contidos deste livro, esta é a que chama mais atenção. Além da presença dos deuses greco-romanos, esta é uma das poucas com um final feliz enquanto a maioria é trágica.

            A única outra história que achei interessante foi esta, contada por um convidado da prima da mãe do protagonista: este homem, que cobre a face conta que topou o trabalho de vigiar um defunto por causa das bruxas que gostam de roubar membros dos mortos. Ele cai no sono e ainda assim ganha o dinheiro por seus contratantes não saberem disso. O morto retorna a vida por um tempo, brigando com a viúva e contando que as bruxas passaram sim por ali, mas confundiram ele com o vigia dorminhoco, e acabaram cortando as orelhas e o nariz dele, que caíram depois. Esta foi a única história que chamou me atenção por seu final tragicômico.

            Quanto a história de Cupido e Psiquê, o conto se trata da mais nova de três filhas, que era tão bela que as pessoas ofereciam oferendas como se fosse a própria deusa da beleza, Vênus. Mas Vênus não gostou nem um pouco disso e mandou que seu filho, Cupido, se livrasse dela. Apesar de suas irmãs terem conseguido se casar, Psiquê não estava tendo a mesma sorte apesar do quão venerada ela era. Seus pais foram para o oráculo, que disse que deveriam vesti-la com roupas de luto e deixá-la na montanha, pois o genro deles não seria um mortal. Seria um ser venenoso como uma serpente... Aqui temos o clichê das irmãs mais velhas invejosas que se dão mal, e a realidade da sogra malvada (brincadeira...). Também temos o noivo fugitivo e a noiva que vai atrás dele e recebe ajuda de aliados. O meu problema está nessa ajuda. Ao invés de Psiquê oferecer algo em troca para eles, ela tenta cometer suicídio e, com pena dela, os aliados a ajudam. Os contos que vieram dessa base foram melhores. Outra coisa que me faz questionar se Cupido e Psiquê com o cânone da mitologia greco-romana é a relação de Vênus (Afrodite) e Juno (Hera). Juno é esposa de Júpiter (Zeus) e deusa do casamento enquanto Vênus é a deusa da luxúria. Ela competiu com Vênus pelo pomo de ouro, que foi dado a Vênus por ser considerada a deusa mais bela. Como ela pode ser considerada amiga de Vênus aqui no conto? Se a história condissesse com a personalidade de Juno, que é ciumenta e invejosa e se opõe a Vênus em suas crenças, teria feito dela uma das aliadas de Psiquê, por ser a favor do casamento e contra sua rival do Olimpo. Outra coisa que me confunde é parentesco entre Marte (Ares) e Cupido. Aqui é dito como ele se fosse o padrasto enquanto na mitologia grega, Cupido é o filho que ele teve Afrodite enquanto esta estava casada com Hefesto. 

            Não gostei muito do livro. O que Lucio passou enquanto estava transformado em asno foi repetitivo e foram poucas as histórias que me interessaram. Entendo agora o porquê do conto de Cupido e Psiquê ser mais lembrado. Este pelo menos inspirou A Bela e a Fera e vários outros contos de fada. E existem vários livros só dele para que ninguém tenha que ler O Asno de Ouro. Mas se ainda assim, desejam ler este romance, fiquem avisados:  ele contém várias cenas de sexo e escatologia. Desde homens travestidos que enganavam os outros com sua religião, mulheres que mijam em corpos, uma madrasta que se apaixona pelo seu enteado e zoofilia. E nunca passem unguento de bruxa.

 

 

*Resenha de Dama Bai, a serpente branca: Ponte para o Imaginário: Contos de Fadas do Leste Asiático


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Felinos num Barco


            Já ouviram falar do filme As Aventuras de Pi, lançado em 2012? Sabia que ele foi adaptado de um romance que entrou em polêmica por ter supostamente plagiado a história de um livro brasileiro? É sobre este livro que irei analisar agora. Max e os Felinos foi escrito por Moacyr Scliar, filho de imigrantes judeus da Bessarábia, em 1981 enquanto A Vida de Pi foi lançado em 2001. Será que houve mesmo plágio ou foi apenas uma coincidência? Vamos descobrir:

            Max se relacionou com Frida, que era casada com um nazista. Ao descobrir o relacionamento da esposa com Max e Harald, amigo socialista de Max, o marido de Frida os denunciou e o jovem é obrigado a fugir de Berlim. Ao perder o navio que o levaria para o Brasil, Max dá um jeito de ir em um cargueiro com o mesmo destino. Mas um dia, o navio começou a afundar e Max não encontrou ninguém da tripulação para ajudá-lo. Por sorte, encontrou um escaler e fugiu. Numa das caixas do naufrágio, algo saltou para seu escaler. Este algo era um jaguar...

            O navio em que o protagonista está afunda e ele fica preso num barco com um felino de grande porte em alto mar. A semelhança entre as duas histórias termina aí. É dito que o autor de A Vida de Pi, Yann Martel, baseou o seu livro numa suposta resenha negativa do livro de Scliar. Quanto ao escritor de Max e os Felinos, este não considerou a obra de Martel como plágio, já que apesar dessa pequena semelhança, o desenvolvimento de ambos os livros é completamente diferente. Mas gostaria que Martel tivesse mencionado sua inspiração em sua publicação.

            Indo para os felinos do título, enquanto no filme As Aventuras de Pi, o tigre no barco de Pi representava o seu lado selvagem tentando sobreviver ao naufrágio, os felinos de Max são representados como medos e desafios que ele deve enfrentar. Como o tigre empalhado da loja de seu pai, cujo Max tinha pavor quando era criança e o jaguar no barco, que não se sabe se era ou não real, pois ele estava tendo alucinações enquanto estava perdido no mar. Sendo reais ou não, Max teve que conviver e enfrentá-los até os domesticar no final.

            O protagonista passa por muita coisa no decorrer da história que o faz mudar. Ele passa de um rapaz assustado para um homem corajoso, enfrentando com ousadia e fúria algo que ele teme. Porém, não confio muito no narrador deste livro. O final passa como se ele saísse como um herói vitorioso fazendo algo criminoso, mesmo tendo que arcar com as consequências depois. Max já tinha dúvidas se o jaguar no escaler era ou não real, o que pode indicar que esse grande problema não tenha sido criado de sua mente traumatizada? A narrativa está mais ao lado dele, mas eu tenho um pé atrás nisso.

             O livro é interessante e de leitura rápida, contendo apenas três capítulos. Se deseja conhecê-lo, arrume um navio de confiança para se caso afundar, você não acabe dividindo o seu barco com um jaguar.

 

 


 

sexta-feira, 25 de julho de 2025

O Herói do Sertão

 


            Agora, vou analisar o livro de um autor clássico da literatura brasileira: Graciliano Ramos. Mas, não será por sua obra mais conhecida. O escritor de Vidas Secas também escreveu outras duas histórias chamadas Histórias de Alexandre (1944) e A Terra dos Meninos Pelados (1939), que foram publicadas postumamente no livro Alexandre e Outros Heróis (1962) junto com o texto Pequena História da República (1940).

           Em Histórias de Alexandre, Alexandre é um sertanejo velho de olho torto. Mas ele teve muitas aventuras e várias pessoas vão até sua casa para ouví-las. Então, ele e sua esposa Cesária os entretém com suas histórias...

            Histórias de Alexandre me lembrou bastante o livro Aventuras do Barão de Munchhausen*, em que o protagonista conta suas aventuras de cunho cartunesco, bastante improváveis de acontecer na realidade, como por exemplo montar num bode do tamanho de um cavalo, colocar um olho do lado contrário, podendo visualizar o interior da sua cabeça e seus pensamentos, uma cascavel de dois metros morder um estribo e um mês depois ele inchar com o veneno etc. Acho que o diferencial dessas histórias são que além de terem ocorrido em lugares e épocas diferentes, Alexandre possui ouvintes mais memoráveis, sendo eles: Cesária, a esposa que ajuda a contar as histórias, Das Dores, benzedeira de quebranto e afilhada do casal; seu Libório, cantador de emboladas; mestre Gaudêncio, curandeiro; e o cego preto Firmino, que é o que mais pede detalhe e critica quando algo falta na narrativa, deixando Alexandre irritado.

           Tive um pouco de dificuldade com algumas palavras nordestinas sobre a fauna e flora local como por exemplo guariba, que descobri ser depois uma espécie de macaco. Isso é recorrente em toda leitura que faço de um livro tanto regionalista quanto antigo.  

          Em A Terra dos Meninos Pelados, Raimundo tinha a cabeça calva, um olho preto e outro azul. Por causa de sua aparência incomum, era caçoado pelos outros meninos. Mas ao fechar os olhos, ia para a terra de Tatipirun, onde todos tinha a mesma aparência que ele...

            Este conto é para o público infanto-juvenil e mostra uma criança usando a imaginação para escapar da solidão. Também mostra o desejo de Raimundo de se encaixar, desejando que sua aparência fosse comum. Por esse motivo as crianças de Tatipirun são carecas e tem um olho preto e outro azul.

            O último texto do livro é Pequena História da República, onde o autor descreve como surgiu a república no Brasil até 1930, dando um pouco de sua opinião sobre estes eventos. Tenho que confessar que não consegui ler até o final pois achei o assunto muito chato.

             As duas primeiras narrativas valem a pena ler. Quanto a última, apenas se você gostar da história do Brasil. Todas elas são encontradas em livros separados, mas se deseja encontrá-las num só lugar, recomendo esta edição. Só cuidado para não a confundir com outra como Alexandre confundiu uma onça com uma égua.  

 

*Resenha do livro: Ponte para o Imaginário: Looney Tunes da Literatura