Alguém conhece o balé do Quebra-Nozes
de Piotr Ilitch Tchaikovsky, cujas músicas* são conhecidas até hoje? Se você
não o conhece, aposto que viu um filme baseado nele. Eu por exemplo vi a versão
da Barbie em Barbie em O Quebra-Nozes. Bom, sabia que esse balé foi
baseado em uma história escrita? Então vou lhes contar agora. Assim como A
Bela e a Fera, O Quebra-Nozes tem duas versões: uma clássica, que é
a mais conhecida, e a original. A clássica se chama História de um
Quebra-Nozes e a original O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos. A
clássica foi escrita por Alexandre Dumas em 1844, como uma adaptação para o
francês, com algumas mudanças do conto original. Dumas é mais conhecido pelos
romances Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo. Foi nesta
versão que Tchaikovsky inspirou seu balé. Já a original foi escrita por E. T.
A. Hoffmann em 1816 numa coletânea chamada Contos de fadas infantis.
Naquele tempo, a Alemanha estava passando por um processo de unificação, por
isso, os escritores estavam preocupados em estabelecer uma literatura
genuinamente alemã, com elementos típicos de sua cultura. Hoffmann é conhecido
por ter escrito histórias de fantasia e terror como O homem de areia e O
pote de ouro.
Fritz e Marie esperam ansiosamente seus presentes de
Natal. Dentre estes presentes de Natal, Marie se depara com um estranho, porém
simpático bonequinho, um quebra-nozes. Após seu irmão usar nozes grandes demais
e quebrar alguns dentes do boneco, Marie cuida dele com carinho, pois se
simpatizou com o brinquedo. Porém, uma batalha seria travada.
A história tem uma combinação entre contos de fada e
realidade, pois apesar de Marie presenciar a luta entre brinquedos e
camundongos, ninguém acredita nela, pois eles vivem na nossa realidade, onde
brinquedos e animais não tem a capacidade de falar. Isso lembra um pouco o
filme da Pixar, Toy Story, em que todos os brinquedos possuem vida, só
que mantém isso em segredo dos humanos. Porém, pelo menos com o Quebra-Nozes,
sua incapacidade de falar com as pessoas parece ser devido ao feitiço e não por
querer guardar segredo. Ele fala bem pouco com Marie no começo, como se estivesse
restringindo.
Algo curioso que aparece em várias adaptações é a mudança
do nome a personagem principal Marie para Clara ou Claire, dependendo da
língua. Clara, Claire ou Klärchen era o nome da boneca que a menina havia
ganhado de Natal. Outra mudança foi a do rei dos camundongos, que possui sete
cabeças tanto no texto clássico quanto no original. Dá para entender no caso do
balé, pois seria difícil para o dançarino na hora de colocar a fantasia. Mas
uma mudança que foi necessária é a troca de idade de Marie para a de uma
adolescente. Ela e o Quebra-Nozes são um par romântico, apesar de Marie ter uns
oito, nove anos e ele ter dezoito ou dezenove anos, o que hoje em dia seria
inaceitável.
Obviamente, as versões de Dumas e Hoffman possuem
diferenças entre si. Vou lhes dizer as que mais me chamaram a atenção (Aviso
que alguns deles podem conter spoilers, por isso, para quem quiser ler as
histórias sem nenhuma informação, pulem para o último parágrafo): Apesar de
ambos os narradores estarem conversando com o leitor, a versão de Dumas
aproveita para explicar as diferenças entre o Natal alemão e o francês e tem um
prólogo de como ele foi forçado a contar a história, como se fosse uma
narrativa dentro de outra. Na versão
clássica, senhorita Trudchen é uma velha governanta enquanto na original, ela é
uma boneca de Marie. Marie e Fritz têm uma irmã mais velha chamada Luise no original,
que não aparece na versão clássica. O sobrenome da família foi mudado de
Stahlbaum (original) para Silberhaus (clássica). A original dá uma possível
pista do ataque dos camundongos antes da batalha ser travada além de apresentar
o vestido de seda, os livros e os bonecos doces antes do rei dos camundongos
extorquir de Marie. Na versão de Hoffmann, o padrinho conta a história da
princesa Pirlipat em três dias enquanto na de Dumas, ele a conta toda de uma
vez. Enquanto o padrinho nega ao dizer que ele e o inventor são a mesma pessoa
no conto da princesa Pirlipat, dizendo que é um parente dele na clássica, na
original ele diz que o inventor tem por coincidência o mesmo nome que ele, mas
ele não nega nem afirma que são a mesma pessoa quando Fritz lhe faz essa
pergunta, respondendo que ele” sabe consertar relógios, então por que não
saberia inventar uma ratoeira?” Na versão de Dumas, o jovem que quebraria a
maldição da princesa Pirlipat deveria usar sempre botas, o completamente oposto
ao da de Hoffman. Porém, mesmo possuindo diferenças, ambas são em essência a
mesma história e ninguém perderá muito lendo apenas uma.
Do começo ao meio, em ambas as versões, foi algo
entretido. Mas se torna algo medíocre nos últimos capítulos. Não presenciamos a
morte do rei dos camundongos, cortando logo para ida de Marie para o reino do
Quebra-Nozes. Acho que foi um erro enrolar muito na descrição da ida para o
reino encantado e cortar o que podia ter sido o clímax da história.
Com todas as observações feitas e explicando que certos costumes
são produtos do tempo, tanto a História de um Quebra-Nozes quanto O
Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos são histórias boas que podem ser
contadas às crianças. Quem sabe isto não as anime no Natal. À meia noite, na
noite de Natal, ao invés de esperarem o Papai Noel, elas olharão para seus
brinquedos e talvez acabem presenciando uma imensa batalha.
*Links para duas das mais
conhecidas composições: