sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O Ser mais Popular do Folclore Brasileiro


            E para comemorar o Dia do Folclore, estamos aqui com o livro de um ser brasileiro muito popular, escrito por um renomado autor. O Saci foi escrito por Monteiro Lobato e faz parte da coleção do Sítio do Picapau Amarelo. Lobato foi quem popularizou a criaturinha travessa de uma perna só desde antes deste livro. Em 1917, através do “Estadinho”, edição vespertina do jornal O Estado de S. Paulo, ele lançou uma pesquisa pedindo aos leitores que enviassem histórias do endiabrado. Em 1918, ele selecionou setenta e quatro desses depoimentos e transformou no livro O Sacy-Pererê: Resultado de um Inquérito. Depois disso, ele introduziu o saci para o sítio em 1921, no livro que tenho em mãos. Vamos dar uma olhadinha...

            Pedrinho foi passar as férias no sítio da avó, o Sítio do Picapau Amarelo. Num dia, ele estava querendo ir para o Capoeirão dos Tucanos para caçar. Dona Benta, sua avó, foi falando dos bichos perigosos que tinham lá e o menino foi negando ter medo deles até ela mencionar o saci. Do saci, Pedrinho tinha medo. Quando foi consultar Tia Nastácia, a empregada da avó, para falar dessa criatura, a mulher mencionou que ela existe sim e que Tio Barnabé já tinha visto. Então, Pedrinho foi atrás de Tio Barnabé para saber mais sobre o saci...

            O livro faz um bom trabalho dando foco ao Saci, que foi praticamente o herói da história, apesar de Pedrinho ser o protagonista da história. O Saci é aliado e mentor do menino quando se trata dos seres da noite e da floresta, trazendo discussões interessantes entre ele e o menino como o do homem ser mais burro que os outros animais, pois não nasce sabendo o que fazer para sobreviver, ou seja, não tem instinto, e que mata sem necessidade. Apesar dessa discussão do homem caçar por prazer ser errado já ter sido feita em várias histórias infantis, aqui é feita de uma forma criativa e só aparece num capítulo, fazendo com que não desperdicemos nosso tempo. Outra discussão que a narrativa traz é sobre o medo, que vem da incerteza e do escuro, que os monstros só existem nos olhos de quem acredita. Algo bem interessante para se ensinar a uma criança. 

            Os sacis são descritos neste livro como negros pequeninos, de uma perna só, com o gorro vermelho e mãos furadas, que me faz lembrar da lenda do fradinho da mão furada*, vinda do folclore português. Eles nascem dos gomos de taquaruçus (bambus grandes) e se desenvolvem dentro dessa planta por sete anos. Depois de saírem, vivem até setenta e sete anos, virando depois cogumelos venenosos ou orelhas-de-pau (tipo de fungo). Se escondem do sol, pois gostam das trevas, sendo chamados de “filhos da Lua”.  Além de fazer travessuras, também chupam o sangue dos cavalos como morcegos.

             Outros seres do folclore brasileiro também apareceram ou foram mencionados no livro como o Jurupari, ser do folclore indígena que causa pesadelos, insônia e agarra o pescoço das pessoas para não gritarem enquanto tem sonhos ruins; o Curupira; o Boitatá, que é uma cobra flamejante com olhos gigantes e fica próximo de carniça; a Iara, que aqui é uma espécie e não um indivíduo, possui cabelos verdes e na ilustração, é desenhada com pernas ao invés de cauda de peixe; Negrinho do pastoreio; Cuca, que dorme a cada sete anos; o Lobisomem, que aqui é o sétimo filho de sete irmãos, se transforma nas sextas-feiras e é curado ao cortar uma das patas. Ele tem a pele virada. Por dentro é pelo e por fora é carne; a Mula sem cabeça que aqui era uma rainha que ia para o cemitério comer cadáveres e quando o rei a viu fazer isso, ela se transformou na mula sem cabeça e galopou pelo mundo; a Porca dos Sete Leitões que era uma baronesa muito má com seus escravos até que um feiticeiro negro transformou ela e seus sete filhos em porcos. Só um anel pode transformá-los de volta; o Caipora, um duende peludo, meio homem meio macaco, que cavalga em porcos-do-mato para exigir fumo dos viajantes. Não pude deixar de notar que alguns destes seres tem relação com o número sete, que aparece muito nos contos de fadas junto com o três e o treze. Me pergunto se o autor descreveu estes seres exatamente como ele ouviu nas histórias ou se ele inventou alguma coisa.

            Se é para dizer algo negativo, diria que teve algumas palavras que tive que parar para pesquisar o significado, como modorra, jacarandá e barba-de-pau. Isso pode ser um pouco incomodo para quem gosta manter o ritmo da leitura.

        Gostei do livro e recomendo sua leitura tanto para adultos quanto para crianças. Só tomem cuidado ao andarem pela mata à noite. Uma onça pode te encontrar. Ou a Mula sem cabeça.

 



Roteiro: Mariana Torres
Desenho: Maya Flor


*Resenha do livro Obras do fradinho da mão furada: Ponte para o Imaginário: Obras do Fradinho da Mão Furada

 


 


 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O Livro que Originou Cupido e Psiquê

 


            Vocês conhecem a história de Cupido e Psiquê? História essa que inspirou o conto da Bela e a Fera e muitos outros que envolvem um noivo animalesco que na verdade é um príncipe amaldiçoado? Sabiam que Cupido e Psiquê é apenas um texto dentro de um romance maior? O Asno de Ouro ou Metamorfoses foi escrito por Lucio Apuleio. Não se sabe quando exatamente foi a sua data de publicação, mas é estimado que tenha sido no final do século II, sendo o único romance a ter sobrevivido completo desde o Império Romano. Vamos para o resumo:

            Lucio Apuleio estava indo em direção a Tessália em busca de conhecimento mágico. Quando chegou na cidade de Hipata, Lucio foi se instalar na casa de Milón, um homem avarento, por recomendação de seu amigo Demeas. Ele encontra uma prima de sua mãe, que avisa para tomar cuidado com a mulher de Milón, Panfilia, que era uma feiticeira poderosa. Depois de saber mais detalhes por sua amante e empregada do casal, Fotis, isso o deixou mais curioso, querendo ver as artimanhas de Panfilia. Ao ver que esta era capaz de se tornar uma ave após passar um unguento, Lucio pediu para que Fotis também passasse nele para ter essa experiência antes de se tornar humano novamente. Porém, a moça passou o unguento errado e ele virou um asno, começando assim suas desventuras.

            O texto é dividido em onze livros, tendo cada um deles de três a seis capítulos. Em cada capítulo, tem um resumo do que ocorrerá, o que é algo ruim para quem deseja ser surpreendido conforme lê a narrativa. Enquanto estes resumos o narrador é onisciente, o resto é narrado pelo próprio protagonista. Por ser um texto antigo, houve momentos em que não entendia certas palavras. Outra coisa que vale mencionar é que o nome do protagonista é o mesmo do autor. Talvez, assim como a maioria de nós, ele desejasse viver uma aventura mágica.

            O Asno de Ouro é, como dito no resumo, uma narrativa que foca nos perrengues que Lucio passa na forma de asno, sendo roubado, vendido e trabalhando feito um condenado. E depois de tanto sofrimento, ele consegue por fim voltar ao normal, graças a deusa Isis, que aqui incorpora todas as deusas romanas. Assim, ele se torna um fiel seguidor dela, tentando ao máximo seguir seus mandamentos e se afastar dos pecados. Acabei dando um grande spoiler, mas era previsível que ele fosse voltar ao normal. Isso do protagonista que vai para uma religião após esta resolver o seu problema me lembrou do conto da Dama Bai, a serpente branca*. É comum nas histórias que quando a gente faz um trato com um deus benéfico, ele cumpra e te beneficia, ao contrário dos tratos do diabo. Porém, para deixar a história mais interessante, o autor acaba fazendo com que o humano descumpra o trato com seu beneficiador. Isso não acontece aqui. O escritor quis que o protagonista tivesse sua redenção e cumprisse com sua palavra, o que também acontece com várias pessoas religiosas que dizem que seu Deus as ajudou. Não teria me desgostado do final se as aventuras de Lucio transformado em asno fossem interessantes, o que infelizmente não foram.

            Assim como em Mil e uma Noites, o livro contém várias histórias que Lucio vai ouvindo no decorrer do livro, sendo Cupido e Psiquê uma delas e a que mais durou, tendo começado no final do quarto livro e terminado no penúltimo capítulo do sexto livro. A história foi contada por uma velha comungada com ladrões, tentando acalmar uma noiva sequestrada. Apesar de ter minhas críticas com Cupido e Psiquê, entendo o porquê dentre todos os contos contidos deste livro, esta é a que chama mais atenção. Além da presença dos deuses greco-romanos, esta é uma das poucas com um final feliz enquanto a maioria é trágica.

            A única outra história que achei interessante foi esta, contada por um convidado da prima da mãe do protagonista: este homem, que cobre a face conta que topou o trabalho de vigiar um defunto por causa das bruxas que gostam de roubar membros dos mortos. Ele cai no sono e ainda assim ganha o dinheiro por seus contratantes não saberem disso. O morto retorna a vida por um tempo, brigando com a viúva e contando que as bruxas passaram sim por ali, mas confundiram ele com o vigia dorminhoco, e acabaram cortando as orelhas e o nariz dele, que caíram depois. Esta foi a única história que chamou me atenção por seu final tragicômico.

            Quanto a história de Cupido e Psiquê, o conto se trata da mais nova de três filhas, que era tão bela que as pessoas ofereciam oferendas como se fosse a própria deusa da beleza, Vênus. Mas Vênus não gostou nem um pouco disso e mandou que seu filho, Cupido, se livrasse dela. Apesar de suas irmãs terem conseguido se casar, Psiquê não estava tendo a mesma sorte apesar do quão venerada ela era. Seus pais foram para o oráculo, que disse que deveriam vesti-la com roupas de luto e deixá-la na montanha, pois o genro deles não seria um mortal. Seria um ser venenoso como uma serpente... Aqui temos o clichê das irmãs mais velhas invejosas que se dão mal, e a realidade da sogra malvada (brincadeira...). Também temos o noivo fugitivo e a noiva que vai atrás dele e recebe ajuda de aliados. O meu problema está nessa ajuda. Ao invés de Psiquê oferecer algo em troca para eles, ela tenta cometer suicídio e, com pena dela, os aliados a ajudam. Os contos que vieram dessa base foram melhores. Outra coisa que me faz questionar se Cupido e Psiquê com o cânone da mitologia greco-romana é a relação de Vênus (Afrodite) e Juno (Hera). Juno é esposa de Júpiter (Zeus) e deusa do casamento enquanto Vênus é a deusa da luxúria. Ela competiu com Vênus pelo pomo de ouro, que foi dado a Vênus por ser considerada a deusa mais bela. Como ela pode ser considerada amiga de Vênus aqui no conto? Se a história condissesse com a personalidade de Juno, que é ciumenta e invejosa e se opõe a Vênus em suas crenças, teria feito dela uma das aliadas de Psiquê, por ser a favor do casamento e contra sua rival do Olimpo. Outra coisa que me confunde é parentesco entre Marte (Ares) e Cupido. Aqui é dito como ele se fosse o padrasto enquanto na mitologia grega, Cupido é o filho que ele teve Afrodite enquanto esta estava casada com Hefesto. 

            Não gostei muito do livro. O que Lucio passou enquanto estava transformado em asno foi repetitivo e foram poucas as histórias que me interessaram. Entendo agora o porquê do conto de Cupido e Psiquê ser mais lembrado. Este pelo menos inspirou A Bela e a Fera e vários outros contos de fada. E existem vários livros só dele para que ninguém tenha que ler O Asno de Ouro. Mas se ainda assim, desejam ler este romance, fiquem avisados:  ele contém várias cenas de sexo e escatologia. Desde homens travestidos que enganavam os outros com sua religião, mulheres que mijam em corpos, uma madrasta que se apaixona pelo seu enteado e zoofilia. E nunca passem unguento de bruxa.

 

 

*Resenha de Dama Bai, a serpente branca: Ponte para o Imaginário: Contos de Fadas do Leste Asiático


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Felinos num Barco


            Já ouviram falar do filme As Aventuras de Pi, lançado em 2012? Sabia que ele foi adaptado de um romance que entrou em polêmica por ter supostamente plagiado a história de um livro brasileiro? É sobre este livro que irei analisar agora. Max e os Felinos foi escrito por Moacyr Scliar, filho de imigrantes judeus da Bessarábia, em 1981 enquanto A Vida de Pi foi lançado em 2001. Será que houve mesmo plágio ou foi apenas uma coincidência? Vamos descobrir:

            Max se relacionou com Frida, que era casada com um nazista. Ao descobrir o relacionamento da esposa com Max e Harald, amigo socialista de Max, o marido de Frida os denunciou e o jovem é obrigado a fugir de Berlim. Ao perder o navio que o levaria para o Brasil, Max dá um jeito de ir em um cargueiro com o mesmo destino. Mas um dia, o navio começou a afundar e Max não encontrou ninguém da tripulação para ajudá-lo. Por sorte, encontrou um escaler e fugiu. Numa das caixas do naufrágio, algo saltou para seu escaler. Este algo era um jaguar...

            O navio em que o protagonista está afunda e ele fica preso num barco com um felino de grande porte em alto mar. A semelhança entre as duas histórias termina aí. É dito que o autor de A Vida de Pi, Yann Martel, baseou o seu livro numa suposta resenha negativa do livro de Scliar. Quanto ao escritor de Max e os Felinos, este não considerou a obra de Martel como plágio, já que apesar dessa pequena semelhança, o desenvolvimento de ambos os livros é completamente diferente. Mas gostaria que Martel tivesse mencionado sua inspiração em sua publicação.

            Indo para os felinos do título, enquanto no filme As Aventuras de Pi, o tigre no barco de Pi representava o seu lado selvagem tentando sobreviver ao naufrágio, os felinos de Max são representados como medos e desafios que ele deve enfrentar. Como o tigre empalhado da loja de seu pai, cujo Max tinha pavor quando era criança e o jaguar no barco, que não se sabe se era ou não real, pois ele estava tendo alucinações enquanto estava perdido no mar. Sendo reais ou não, Max teve que conviver e enfrentá-los até os domesticar no final.

            O protagonista passa por muita coisa no decorrer da história que o faz mudar. Ele passa de um rapaz assustado para um homem corajoso, enfrentando com ousadia e fúria algo que ele teme. Porém, não confio muito no narrador deste livro. O final passa como se ele saísse como um herói vitorioso fazendo algo criminoso, mesmo tendo que arcar com as consequências depois. Max já tinha dúvidas se o jaguar no escaler era ou não real, o que pode indicar que esse grande problema não tenha sido criado de sua mente traumatizada? A narrativa está mais ao lado dele, mas eu tenho um pé atrás nisso.

             O livro é interessante e de leitura rápida, contendo apenas três capítulos. Se deseja conhecê-lo, arrume um navio de confiança para se caso afundar, você não acabe dividindo o seu barco com um jaguar.

 

 


 

sexta-feira, 25 de julho de 2025

O Herói do Sertão

 


            Agora, vou analisar o livro de um autor clássico da literatura brasileira: Graciliano Ramos. Mas, não será por sua obra mais conhecida. O escritor de Vidas Secas também escreveu outras duas histórias chamadas Histórias de Alexandre (1944) e A Terra dos Meninos Pelados (1939), que foram publicadas postumamente no livro Alexandre e Outros Heróis (1962) junto com o texto Pequena História da República (1940).

           Em Histórias de Alexandre, Alexandre é um sertanejo velho de olho torto. Mas ele teve muitas aventuras e várias pessoas vão até sua casa para ouví-las. Então, ele e sua esposa Cesária os entretém com suas histórias...

            Histórias de Alexandre me lembrou bastante o livro Aventuras do Barão de Munchhausen*, em que o protagonista conta suas aventuras de cunho cartunesco, bastante improváveis de acontecer na realidade, como por exemplo montar num bode do tamanho de um cavalo, colocar um olho do lado contrário, podendo visualizar o interior da sua cabeça e seus pensamentos, uma cascavel de dois metros morder um estribo e um mês depois ele inchar com o veneno etc. Acho que o diferencial dessas histórias são que além de terem ocorrido em lugares e épocas diferentes, Alexandre possui ouvintes mais memoráveis, sendo eles: Cesária, a esposa que ajuda a contar as histórias, Das Dores, benzedeira de quebranto e afilhada do casal; seu Libório, cantador de emboladas; mestre Gaudêncio, curandeiro; e o cego preto Firmino, que é o que mais pede detalhe e critica quando algo falta na narrativa, deixando Alexandre irritado.

           Tive um pouco de dificuldade com algumas palavras nordestinas sobre a fauna e flora local como por exemplo guariba, que descobri ser depois uma espécie de macaco. Isso é recorrente em toda leitura que faço de um livro tanto regionalista quanto antigo.  

          Em A Terra dos Meninos Pelados, Raimundo tinha a cabeça calva, um olho preto e outro azul. Por causa de sua aparência incomum, era caçoado pelos outros meninos. Mas ao fechar os olhos, ia para a terra de Tatipirun, onde todos tinha a mesma aparência que ele...

            Este conto é para o público infanto-juvenil e mostra uma criança usando a imaginação para escapar da solidão. Também mostra o desejo de Raimundo de se encaixar, desejando que sua aparência fosse comum. Por esse motivo as crianças de Tatipirun são carecas e tem um olho preto e outro azul.

            O último texto do livro é Pequena História da República, onde o autor descreve como surgiu a república no Brasil até 1930, dando um pouco de sua opinião sobre estes eventos. Tenho que confessar que não consegui ler até o final pois achei o assunto muito chato.

             As duas primeiras narrativas valem a pena ler. Quanto a última, apenas se você gostar da história do Brasil. Todas elas são encontradas em livros separados, mas se deseja encontrá-las num só lugar, recomendo esta edição. Só cuidado para não a confundir com outra como Alexandre confundiu uma onça com uma égua.  

 

*Resenha do livro: Ponte para o Imaginário: Looney Tunes da Literatura


sexta-feira, 11 de julho de 2025

Lendas Tradicionais Portuguesas

 


            Já conhecemos um pouco dos contos de fadas portugueses. Por que não conhecer suas lendas locais? Lendas Tradicionais Portuguesas traz várias delas. E, como sempre faço quando o livro é de contos, comentarei cada um individualmente antes de dar meu veredito. Comecemos:

A Cabeça da Velha (Arcos de Valdez, Viana do Castelo) – Leonor era uma jovem que vivia com D. Bernardo, seu cruel tio. Ela se apaixonou por D. Afonso, um jovem fidalgo arruinado cujo relacionamento seria visto com maus olhos pelo tio. Marta, a aia, ajudava o casal a se encontrar escondido. Mas D. Afonso veio em um dia não planejado, deu uma carta para Marta entregar a Leonor e a fez jurar não contar para o tio da moça. Ela jurou e caso descumprisse sua palavra, se transformaria em pedra. Tive pena da aia.

O Túmulo dos Quatro Irmãos (Guimarães, Braga) – Quatro irmãos se apaixonaram pela sobrinha do padre. Como ela não decidiu com qual deles queria ficar, os quatro concordaram em disputar sua mão, através de paulada. Pelo título, já se sabe o desfecho da história.

O Conde e a Cabreira (Vila do Conde, Porto e Serra da Cabreira) – Antes da fundação do território português, havia um conde que saiu para caçar. Andou vários quilômetros até chegar numa serra de paisagem magnífica. Lá, encontrou uma bela pastora de cabras por quem se apaixonou. Ambos passaram vários dias juntos até que o conde teve que partir, prometendo voltar para buscá-la. História triste.

Duas Chaves para Lúcia (Chaves, Vila Real) – Quando o imperador romano Tito Flávio Vespasiano chegou à Península Ibérica, encontraram água quente brotando no solo. Eles a chamaram primeiramente de Aquae Flaviae. O primo e procurador do imperador, Décio Flávio, escreveu para cônsul Cornélio Máximo e sua filha Lúcia sobre o local, além de mandar duas chaves para a moça, uma que significa saúde e a outra amor. Apesar de também amar Décio, Lúcia estava aflita devido a uma doença que enfeiara o seu rosto, não sabendo o que fazer com esta declaração. História fofa, mas previsível.

O Milagre da Torre da Princesa (Bragança) – Quando Bragança ainda era uma aldeia, havia uma princesa órfã que morava com o tio. Ela era apaixonada por um jovem de bom coração, que infelizmente era pobre. Num de seus encontros secretos, o rapaz disse que ia sair em busca de fortuna para que o tio da nobre aceitasse o casamento e pediu para a dama esperá-lo. Ela prometeu que iria e ele se foi. Anos se passaram e a princesa recusou todas as propostas de casamento. Cansado de esperar, o tio decidiu casá-la com um amigo a força. Não imaginava que esta lenda teria um lado cômico.

Ramiro e os Encantos da Ria de Aveiro (Aveiro) – Ramiro estava pescando na Ria de Aveiro quando ouviu uma bela voz cantando. Ao andar com seu barco, viu que essa voz vinha de uma linda moça, de cabelos de alga e pele cor de areia, que estava nua da cintura para cima. Ao conversarem, Ramiro declarou o seu amor, mas ela disse que era uma sereia e, infelizmente, era noiva de Tritão. O único jeito deles ficarem juntos seria que ela se transformasse em humana. Amor trágico.

Ardínia, a Princesa Moura (Lamego e Tabuaço, Viseu) – No século X, quando a Península Ibérica ainda era dominada pelos mouros, havia uma bela princesa moura chamada Ardínia. Seu pai sempre a vigiava para que esta não se apaixonasse por nenhum jovem, ainda mais se fosse cristão, pois já prometera sua mão a um príncipe mouro. Mas com os cristãos tentando retomar sua terra, o nome de D. Tedon foi ouvido por Ardínia, que sentiu o desejo de conhecê-lo. História de amor trágica.

As Lágrimas da Princesa da Serra da Estrela (Guarda) – Há muito tempo, nasceu uma linda princesa na serra da Estrela chamada Esmeralda. Quando chegou a mocidade, se apaixonou por D. Diego. Mas depois de um tempo, D. Diego foi obrigado a partir por ordem do rei para enfrentar os mouros. Ela então prometeu esperar. Final bem parecido com a lenda do Conde e a Cabreira. Lição aprendida: nunca prometa a um homem que vai esperá-lo. Estabeleça uma data limite e se ele não voltar até lá, siga com sua vida.

Os Amores de Pedro e Inês (Coimbra) – Em 1340, D. Pedro de Portugal se casou com D. Constança, mas era apaixonado por uma de suas aias, D. Inês de Castro, tendo encontros escondidos com ela. Quando sua esposa morreu, ele passou a viver com Inês. Porém, seu pai, o rei D. Afonso IV, não gostava desse relacionamento por temer a influência castelhana da mulher. Então, mandou executá-la. História bastante conhecida em Portugal. Foi bom saber de mais detalhes apesar de ser um texto curto.

Os Passos de D. Leonor (Peniche, Leiria) – Em Peniche, viveram duas famílias rivais: os Praça e os Outeiro. Um dia, no meio de uma briga com os Outeiro, D. Rodrigo Praça acabou fixando seus olhos em D. Leonor Outeiro de tão bela que ela era. Romeu e Julieta português.

A Gruta de Camões – O poeta Luís Vaz de Camões foi obrigado a viver em Macau, e gostava particularmente de uma gruta, onde é dito que escreveu boa parte de Os Lusíadas. Depois de um tempo, foi obrigado a partir num navio, junto com seus escritos. No navio, ele encontrou uma nativa chamada Tin-Nam-Men. Assim, ambos se apaixonaram, mas algo trágico estava para acontecer. Uma lenda que explica a origem de uma poesia escrita por Camões.

A Torre dos Namorados (Fundão, Castelo Branco) – Num lugar chamado Torre dos Namorados, é dito que havia uma cidade governada por um rei justo, mas tão rígido que os pretendentes de sua bela filha tinham medo de pedir a mão dela. Até que dois jovens valentes decidiram fazê-lo. Para decidir qual deles seria o noivo, o pai propôs que cada um fizesse uma obra que ajudasse o povo e quem terminasse primeiro, se casaria com a princesa. Um final inesperado e cruel.

As Obras de Santa Engrácia (Lisboa) – No século XVII, um homem chamado Simão Pires e uma mulher chamada Violante estavam apaixonados. Mas a família dela não aprovava a relação e a mandou para um convento. Simão deu um jeito de se encontrar com a amada às escondidas, próxima a Igreja de Santa Engrácia.  Ele marcou um dia para fugir com Violante, porém, foi pego pelos guardas do rei, dizendo que este era responsável pelo furto de relíquias da igreja. Uma lenda que conta por que a Igreja de Santa Engrácia demorou trezentos anos para ser reformada, surgindo a expressão “obras de Santa Engrácia” em Portugal, que se refere a algo que nunca fica pronto. Gostei da história, apesar de simples.

De Fátima a Oureana (Ourém, Santarém) – Fátima era uma princesa moura cujo pai construíra uma torre para protegê-la. Apesar de estar noiva de seu primo Abu, se apaixonou à primeira vista por D. Gonçalo Hermingues, cristão que combatia os mouros. Este também se apaixonara por ela e ao saber que esta iria para a Festa das Luzes, arquitetou um plano... Acho estranho uma princesa moura se chamar Fátima. Também acho uma falta de consideração da princesa não sentir nada ao ver seu povo sendo sequestrado pelo seu amado.

A Paixão de D. Lopo de Mendonça (Elvas, Portalegre) – No século XVII, em Elvas, viveu um fidalgo muito festeiro chamado D. Lopo de Mendonça. Quando foi para a Espanha, conheceu D. Mência, por quem se apaixonou. Mas ela já era noiva e seu pai a colocou num convento para impedir D. Lopo que fosse encontrá-la. Mesmo assim, o homem apaixonado planejou fugir com a moça. Outra história trágica. Só que desta vez, o protagonista se sente mal por matar alguém específico.

Almira, a Moura que ficou para trás (Alcácer do Sal, Setúbal) – Quando as tropas de D. Afonso II invadiram uma cidade conquistada pelos mouros, estes fugiram, mas uma menina foi deixada para trás. Os soldados portugueses acolheram a criança e a chamaram de Almira. A garota foi criada como cristã e tinha uma grande habilidade para poesia e música. Ao chegar na idade de casar, não se interessou por ninguém, até conhecer D. Gonçalo.  Uma história sem final.

O Solar da Sempre Noiva (Arraiolos e Évora) – Um noivo teve que partir para a guerra contra os mouros, deixando sua noiva esperando. Anos se passaram e ele voltou para consumar seu matrimônio, mas a mulher disse que estava velha demais para casar e não queria que vissem o seu rosto com rugas. Porém, o homem tinha uma solução... História bonitinha. O livro também possuí outras duas versões diferentes da origem do Solar da Sempre Noiva.

A União de Vila Nova de S. Bento (Serpa, Beja) – Quando Portugal estava sob o domínio espanhol, havia uma jovem nascida em Fonte do Canto que era apaixonada por um rapaz da aldeia vizinha chamada Cabaço de Vaqueiros. Por achar que seu amor não era correspondido, a moça aceitou se casar com um soldado espanhol. Uma lenda ok, com um final feliz, pelo menos para os portugueses.

D. Rodrigo, o Protector dos Enamorados (Loulé) – Na época em que os portugueses enfrentavam os mouros, D. Rodrigo de Mascarenhas estava entre os soldados cristãos e conseguiram acabar com o domínio mouro de Loulé, capturando alguns como prisioneiros. Dentre eles estava o jovem Abindarráez, que estava muito abalado. D. Rodrigo perguntou o motivo e este lhe contou que vivia um amor impossível com uma moura chamada Jarifa e que planejavam se encontrar com ela para fugirem juntos. Mas Abindarráez foi capturado e nada podia fazer. Sentido compaixão pelo rapaz, D. Rodrigo permitiu que ele fosse encontrar sua noiva, com a condição de ambos voltarem como cativos. Às vezes, é bom cumprir promessas. Uma lenda bonita e a única que vi até agora que mostra um português tendo simpatia por um mouro.

O Amor Imortal de Machim (Machico, Madeira) – Antes dos portugueses descobrirem a Ilha da Madeira, o inglês Roberto Manchim, cavaleiro do rei Eduardo III, e Ana de Arfert, dama da nobreza, estavam apaixonados. Mas seu amor era proibido devido às diferentes classes. Então, os dois fugiram num navio com destino a França. Porém, as tempestades e o mar revolto não lhe deram paz e tiveram que parar numa ilha próxima. História trágica.

A Lagoa das Sete Cidades (Ponta Delgada, São Miguel, Açores) – Antes de surgir a freguesia de Sete Cidades, o local era governado por um rei que tinha uma bela filha de olhos azuis. Num passeio que a jovem teve pelos campos, encontrou um pastor de olhos verdes e se pôs a conversar. Se encontraram várias vezes até que o rei descobriu e proibiu a princesa de vê-lo. Mas este lhe deu a oportunidade para uma última visita... Lenda triste que pelo exagero, lembra o final de O Conde e a Cabreira.

            O que há de comum entre essas lendas é o romance entre um casal, muitos deles sendo proibidos e variando entre tragédia e final feliz. E, é claro, todas elas dão origem a algo. Os dois primeiros contos por exemplo, envolvem o surgimento de penedos específicos. O terceiro é um nome de uma serra. O quarto o nome de uma cidade e assim por diante. É isso que a humanidade faz quando não entende um fenômeno ou não sabe explicar algo: ela inventa uma história.

            Outra coisa que notei é um número considerável de lendas envolvendo um romance proibido entre um português e uma princesa moura. Como aqui no Brasil só estudamos a história de Portugal quando este tinha relação com o nosso país, creio que poucos brasileiros sabem que a Península Ibérica foi invadida pelos mulçumanos, que eram conhecidos como mouros, e passou a ser território deles por muitos anos até os portugueses retomarem. Quanto as lendas envolvendo esses casais, muitas delas envolvem a moura abandonar sua fé e seu povo para ficar com seu amado. Nas histórias que li, nenhuma das princesas teve receio de fazer isso para ficar com o seu amor, que era inimigo e lutava contra o seu povo, o que deixou as histórias um pouco rasas. Mas não podia esperar muito já que a maioria das lendas deste livro são ultra românticas.

            Recomendaria este livro para quem deseja conhecer um pouco das lendas das várias regiões de Portugal. As histórias variam de três a seis páginas, bem fáceis de ler. O único problema é onde encontrá-lo. Dá para comprá-lo na Amazon por um preço bem alto. Tive que pedir para meus pais comprarem-no durante uma viagem a Portugal. Uma pena que quase não tem livro de lendas e folclore português aqui no Brasil, afinal, muito de nossa cultura veio de Portugal. Mas se por acaso conseguir encontrá-lo, cuidado ao se apaixonar. Seu amor pode virar uma lenda.