Já conhecemos um pouco dos contos de fadas portugueses.
Por que não conhecer suas lendas locais? Lendas Tradicionais Portuguesas
traz várias delas. E, como sempre faço quando o livro é de contos, comentarei
cada um individualmente antes de dar meu veredito. Comecemos:
A Cabeça da Velha
(Arcos de Valdez, Viana do Castelo) – Leonor era uma
jovem que vivia com D. Bernardo, seu cruel tio. Ela se apaixonou por D. Afonso,
um jovem fidalgo arruinado cujo relacionamento seria visto com maus olhos pelo
tio. Marta, a aia, ajudava o casal a se encontrar escondido. Mas D. Afonso veio
em um dia não planejado, deu uma carta para Marta entregar a Leonor e a fez
jurar não contar para o tio da moça. Ela jurou e caso descumprisse sua
palavra, se transformaria em pedra. Tive pena da aia.
O Túmulo dos
Quatro Irmãos (Guimarães, Braga) – Quatro irmãos se apaixonaram
pela sobrinha do padre. Como ela não decidiu com qual deles queria ficar, os
quatro concordaram em disputar sua mão, através de paulada. Pelo título, já
se sabe o desfecho da história.
O Conde e a
Cabreira (Vila do Conde, Porto e Serra da Cabreira) – Antes
da fundação do território português, havia um conde que saiu para caçar. Andou
vários quilômetros até chegar numa serra de paisagem magnífica. Lá, encontrou
uma bela pastora de cabras por quem se apaixonou. Ambos passaram vários dias
juntos até que o conde teve que partir, prometendo voltar para buscá-la. História
triste.
Duas Chaves para
Lúcia (Chaves, Vila Real) – Quando o imperador
romano Tito Flávio Vespasiano chegou à Península Ibérica, encontraram água
quente brotando no solo. Eles a chamaram primeiramente de Aquae Flaviae. O
primo e procurador do imperador, Décio Flávio, escreveu para cônsul Cornélio
Máximo e sua filha Lúcia sobre o local, além de mandar duas chaves para a moça,
uma que significa saúde e a outra amor. Apesar de também amar Décio, Lúcia
estava aflita devido a uma doença que enfeiara o seu rosto, não sabendo o que
fazer com esta declaração. História fofa, mas previsível.
O Milagre da Torre
da Princesa (Bragança) – Quando Bragança ainda era
uma aldeia, havia uma princesa órfã que morava com o tio. Ela era apaixonada
por um jovem de bom coração, que infelizmente era pobre. Num de seus encontros secretos,
o rapaz disse que ia sair em busca de fortuna para que o tio da nobre aceitasse
o casamento e pediu para a dama esperá-lo. Ela prometeu que iria e ele se foi.
Anos se passaram e a princesa recusou todas as propostas de casamento. Cansado
de esperar, o tio decidiu casá-la com um amigo a força. Não imaginava que esta
lenda teria um lado cômico.
Ramiro e os
Encantos da Ria de Aveiro (Aveiro) – Ramiro estava
pescando na Ria de Aveiro quando ouviu uma bela voz cantando. Ao andar com seu
barco, viu que essa voz vinha de uma linda moça, de cabelos de alga e pele cor
de areia, que estava nua da cintura para cima. Ao conversarem, Ramiro declarou
o seu amor, mas ela disse que era uma sereia e, infelizmente, era
noiva de Tritão. O único jeito deles ficarem juntos seria que ela se
transformasse em humana. Amor trágico.
Ardínia, a
Princesa Moura (Lamego e Tabuaço, Viseu) – No
século X, quando a Península Ibérica ainda era dominada pelos mouros, havia uma
bela princesa moura chamada Ardínia. Seu pai sempre a vigiava para que esta não
se apaixonasse por nenhum jovem, ainda mais se fosse cristão, pois já prometera
sua mão a um príncipe mouro. Mas com os cristãos tentando retomar sua terra, o
nome de D. Tedon foi ouvido por Ardínia, que sentiu o desejo de conhecê-lo. História
de amor trágica.
As Lágrimas da
Princesa da Serra da Estrela (Guarda) – Há muito tempo,
nasceu uma linda princesa na serra da Estrela chamada Esmeralda. Quando chegou
a mocidade, se apaixonou por D. Diego. Mas depois de um tempo, D. Diego foi
obrigado a partir por ordem do rei para enfrentar os mouros. Ela então prometeu
esperar. Final bem parecido com a lenda do Conde e a Cabreira. Lição
aprendida: nunca prometa a um homem que vai esperá-lo. Estabeleça uma data
limite e se ele não voltar até lá, siga com sua vida.
Os Amores de Pedro
e Inês (Coimbra) – Em 1340, D. Pedro de Portugal se
casou com D. Constança, mas era apaixonado por uma de suas aias, D. Inês de
Castro, tendo encontros escondidos com ela. Quando sua esposa morreu, ele
passou a viver com Inês. Porém, seu pai, o rei D. Afonso IV, não gostava desse
relacionamento por temer a influência castelhana da mulher. Então, mandou
executá-la. História bastante conhecida em Portugal. Foi bom saber de mais
detalhes apesar de ser um texto curto.
Os Passos de D.
Leonor (Peniche, Leiria) – Em Peniche, viveram duas
famílias rivais: os Praça e os Outeiro. Um dia, no meio de uma briga com os
Outeiro, D. Rodrigo Praça acabou fixando seus olhos em D. Leonor Outeiro de tão
bela que ela era. Romeu e Julieta português.
A Gruta de Camões
– O poeta Luís Vaz de Camões foi obrigado a viver em
Macau, e gostava particularmente de uma gruta, onde é dito que escreveu boa
parte de Os Lusíadas. Depois de um tempo, foi obrigado a partir num navio,
junto com seus escritos. No navio, ele encontrou uma nativa chamada Tin-Nam-Men.
Assim, ambos se apaixonaram, mas algo trágico estava para acontecer. Uma lenda
que explica a origem de uma poesia escrita por Camões.
A Torre dos
Namorados (Fundão, Castelo Branco) – Num lugar chamado Torre
dos Namorados, é dito que havia uma cidade governada por um rei justo, mas tão
rígido que os pretendentes de sua bela filha tinham medo de pedir a mão dela. Até
que dois jovens valentes decidiram fazê-lo. Para decidir qual deles seria o
noivo, o pai propôs que cada um fizesse uma obra que ajudasse o povo e quem
terminasse primeiro, se casaria com a princesa. Um final inesperado e cruel.
As Obras de Santa
Engrácia (Lisboa) – No século XVII, um homem chamado
Simão Pires e uma mulher chamada Violante estavam apaixonados. Mas a família
dela não aprovava a relação e a mandou para um convento. Simão deu um jeito
de se encontrar com a amada às escondidas, próxima a Igreja de Santa Engrácia. Ele marcou um dia para fugir com Violante,
porém, foi pego pelos guardas do rei, dizendo que este era responsável pelo
furto de relíquias da igreja. Uma lenda que conta por que a Igreja de Santa Engrácia
demorou trezentos anos para ser reformada, surgindo a expressão “obras de Santa
Engrácia” em Portugal, que se refere a algo que nunca fica pronto. Gostei da
história, apesar de simples.
De Fátima a
Oureana (Ourém, Santarém) – Fátima era uma princesa
moura cujo pai construíra uma torre para protegê-la. Apesar de estar noiva de
seu primo Abu, se apaixonou à primeira vista por D. Gonçalo Hermingues, cristão
que combatia os mouros. Este também se apaixonara por ela e ao saber que esta
iria para a Festa das Luzes, arquitetou um plano... Acho estranho uma princesa
moura se chamar Fátima. Também acho uma falta de consideração da princesa não
sentir nada ao ver seu povo sendo sequestrado pelo seu amado.
A Paixão de D.
Lopo de Mendonça (Elvas, Portalegre) – No século XVII, em
Elvas, viveu um fidalgo muito festeiro chamado D. Lopo de Mendonça. Quando foi para
a Espanha, conheceu D. Mência, por quem se apaixonou. Mas ela já era noiva e
seu pai a colocou num convento para impedir D. Lopo que fosse encontrá-la.
Mesmo assim, o homem apaixonado planejou fugir com a moça. Outra história
trágica. Só que desta vez, o protagonista se sente mal por matar alguém específico.
Almira, a Moura
que ficou para trás (Alcácer do Sal, Setúbal) – Quando
as tropas de D. Afonso II invadiram uma cidade conquistada pelos mouros, estes
fugiram, mas uma menina foi deixada para trás. Os soldados portugueses acolheram
a criança e a chamaram de Almira. A garota foi criada como cristã e tinha uma
grande habilidade para poesia e música. Ao chegar na idade de casar, não se
interessou por ninguém, até conhecer D. Gonçalo. Uma história sem final.
O Solar da Sempre
Noiva (Arraiolos e Évora) – Um noivo teve que partir
para a guerra contra os mouros, deixando sua noiva esperando. Anos se passaram
e ele voltou para consumar seu matrimônio, mas a mulher disse que estava velha
demais para casar e não queria que vissem o seu rosto com rugas. Porém, o homem
tinha uma solução... História bonitinha. O livro também possuí outras duas
versões diferentes da origem do Solar da Sempre Noiva.
A União de Vila
Nova de S. Bento (Serpa, Beja) – Quando Portugal estava
sob o domínio espanhol, havia uma jovem nascida em Fonte do Canto que era
apaixonada por um rapaz da aldeia vizinha chamada Cabaço de Vaqueiros. Por
achar que seu amor não era correspondido, a moça aceitou se casar com um soldado
espanhol. Uma lenda ok, com um final feliz, pelo menos para os portugueses.
D. Rodrigo, o
Protector dos Enamorados (Loulé) – Na época em que os
portugueses enfrentavam os mouros, D. Rodrigo de Mascarenhas estava entre os
soldados cristãos e conseguiram acabar com o domínio mouro de Loulé, capturando
alguns como prisioneiros. Dentre eles estava o jovem Abindarráez, que estava
muito abalado. D. Rodrigo perguntou o motivo e este lhe contou que vivia um
amor impossível com uma moura chamada Jarifa e que planejavam se encontrar com
ela para fugirem juntos. Mas Abindarráez foi capturado e nada podia fazer. Sentido
compaixão pelo rapaz, D. Rodrigo permitiu que ele fosse encontrar sua noiva,
com a condição de ambos voltarem como cativos. Às vezes, é bom cumprir
promessas. Uma lenda bonita e a única que vi até agora que mostra um português
tendo simpatia por um mouro.
O Amor Imortal de
Machim (Machico, Madeira) – Antes dos portugueses
descobrirem a Ilha da Madeira, o inglês Roberto Manchim, cavaleiro do rei
Eduardo III, e Ana de Arfert, dama da nobreza, estavam apaixonados. Mas seu
amor era proibido devido às diferentes classes. Então, os dois fugiram num
navio com destino a França. Porém, as tempestades e o mar revolto não lhe deram
paz e tiveram que parar numa ilha próxima. História trágica.
A Lagoa das Sete
Cidades (Ponta Delgada, São Miguel, Açores) – Antes
de surgir a freguesia de Sete Cidades, o local era governado por um rei que
tinha uma bela filha de olhos azuis. Num passeio que a jovem teve pelos campos,
encontrou um pastor de olhos verdes e se pôs a conversar. Se encontraram várias
vezes até que o rei descobriu e proibiu a princesa de vê-lo. Mas este lhe deu a
oportunidade para uma última visita... Lenda triste que pelo exagero, lembra o
final de O Conde e a Cabreira.
O que há de comum entre essas lendas é o romance entre um
casal, muitos deles sendo proibidos e variando entre tragédia e final feliz. E,
é claro, todas elas dão origem a algo. Os dois primeiros contos por exemplo, envolvem
o surgimento de penedos específicos. O terceiro é um nome de uma serra. O
quarto o nome de uma cidade e assim por diante. É isso que a humanidade faz
quando não entende um fenômeno ou não sabe explicar algo: ela inventa uma
história.
Outra coisa que notei é um número considerável de lendas
envolvendo um romance proibido entre um português e uma princesa moura. Como
aqui no Brasil só estudamos a história de Portugal quando este tinha relação
com o nosso país, creio que poucos brasileiros sabem que a Península Ibérica
foi invadida pelos mulçumanos, que eram conhecidos como mouros, e passou a ser território
deles por muitos anos até os portugueses retomarem. Quanto as lendas envolvendo
esses casais, muitas delas envolvem a moura abandonar sua fé e seu povo para
ficar com seu amado. Nas histórias que li, nenhuma das princesas teve receio de
fazer isso para ficar com o seu amor, que era inimigo e lutava contra o seu
povo, o que deixou as histórias um pouco rasas. Mas não podia esperar muito já
que a maioria das lendas deste livro são ultra românticas.
Recomendaria este livro para quem deseja conhecer um
pouco das lendas das várias regiões de Portugal. As histórias variam de três a
seis páginas, bem fáceis de ler. O único problema é onde encontrá-lo. Dá para comprá-lo
na Amazon por um preço bem alto. Tive que pedir para meus pais comprarem-no
durante uma viagem a Portugal. Uma pena que quase não tem livro de lendas e
folclore português aqui no Brasil, afinal, muito de nossa cultura veio de
Portugal. Mas se por acaso conseguir encontrá-lo, cuidado ao se apaixonar. Seu
amor pode virar uma lenda.