sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Um Clássico de Natal

 


        Para comemorar este Natal, por que não escrever uma resenha da história mais conhecida desta data? Um Conto de Natal foi escrito por Charles Dickens em 1843 e teve várias adaptações cinematográficas e televisivas, sendo a versão da Disney, Um Conto de Natal do Mickey*, de 1983 a que me introduziu esta história. Uma curiosidade: O personagem Tio Patinhas teve seu nome original e personalidade baseados no protagonista deste livro. Agora, vamos para o resumo:

           Ebenezer Scrooge era um velho ranzinza e avarento, que ignorava todas as coisas boas, incluindo o Natal. Até que em uma noite, ele foi visitado pelo fantasma de seu antigo sócio, Jacob Marley, que fora castigado após a morte a sempre carregar uma enorme corrente por onde quer que fosse. Para evitar que seu amigo sofresse o mesmo destino, Marley disse a Scrooge que este receberia a visita de três espíritos que tentariam convencê-lo a mudar de atitude.

            O que posso falar da história? Não é de se surpreender que se tornou um clássico, pois mostra que nunca é tarde demais para mudar nossas atitudes e se tornar alguém melhor, ainda mais em uma data que celebra justamente a bondade e a generosidade.

            Os personagens são perfeitos para o que a história se propõe a contar. Scrooge começa como um velho egoísta e mal-humorado, mas aprende com as visões que os espíritos lhe proporcionam sobre suas memórias passadas, acontecimentos do presente e visões de um possível futuro. Falando nos espíritos, suas aparências e atitudes simbolizam muito bem o que eles representam. O Fantasma dos Natais Passados tem a aparência jovem e velha com o topo da cabeça parecendo uma chama, que pode tentar ser apagada por aqueles que ignoram suas memórias. Porém, de nada adiantará, pois não se pode mudar algo que já aconteceu. O Fantasma do Natal Presente é um gigante de cabelos castanhos longos, lembrando um pouco o Papai Noel, que envelhece rapidamente enquanto o tempo passa, mostrando que o presente dura pouco.  E por último, o Fantasma dos Natais Futuros, que é calado, usa uma roupa com capuz preto, lembrando a figura da morte, que é a única certeza que temos sobre o futuro.

            Recomendo a leitura desse clássico a todos, não importa a idade. Desejo a todos um Feliz Natal e, como disse o pequeno Tim, “Que Deus abençoe a todos!”

 

           

 

 

 

*Link para assistir Um Conto de Natal do Mickey: 🎄Um Conto de Natal Do Mickey/Parte:1🎄 - YouTube

 


sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Introduzindo a magia


        Já vimos filmes baseados em livros e livros baseados em filmes. Mas vocês já viram livros baseados em quadrinhos? Os Livros da Magia: O Convite foi escrito por Carla Jablonski e lançado em inglês no ano de 2003, chegando aqui um ano depois. Seu material base veio de uma minissérie de quadrinhos de mesmo nome, lançada entre 1990 e 1991, criada por Neil Gaiman e John Bolton. A editora responsável por esse quadrinho foi a DC Comics, dona do Batman, do Superman e de vários outros heróis.

            Timothy Hunter, também chamado de Tim, é um garoto de treze anos cuja mãe faleceu havia três anos e o pai vive no sofá em seu próprio mundo. E assim ia vivendo nesse tédio até quatro homens de sobretudo aparecerem, perguntando se ele acredita em magia.

            Como o resumo acima já indicou, esta história serve como uma introdução de Tim para o mundo mágico, com o garoto conhecendo os prós e contras da magia antes de decidir que destino levará, sendo Tim um personagem feito para a audiência se identificar. Um garoto não muito inteligente, mas não muito burro. Um menino que não tem um físico de esportista, mas sabe andar de skate e que dá umas respostas ousadas vez ou outra, ao mesmo tempo que tem medo de certas coisas como qualquer um da sua idade teria.

            Quanto aos outros personagens, muitos deles já apareceram em outros quadrinhos da DC Comics. Como os quatro mentores de Tim: John Constantine, Doutor Oculto, Mister Io e Estranho (Vingador Fantasma), além de outros secundários como Madame Xanadu, Zatanna, dois Perpétuos do quadrinho de Sandman etc. O que achei estranho foi o fato de não haver nenhuma menção de heróis como Batman ou Superman, já que a Zatanna já trabalhou com eles na Liga da Justiça. Acredito que esta história se passe em um universo paralelo daquele onde os heróis existem.

            Além dos personagens da DC Comics, vi também referências a outras obras. Como Baba Yaga dos contos de fadas russos e Titânia, a rainha das fadas da peça Sonho de uma noite de verão de William Shakespeare. Enquanto a feira que aparece na Terra das Fadas pode ter sido utilizada como uma ideia para a feira que aparece no livro Stardust de Neil Gaiman.

            Vi que a história tenta subverter o que conhecemos sobre magia, dizendo que não existe magia boa ou má, e sim “magia viva” e “magia morta”. Também não pode falar seu nome verdadeiro para ninguém, pois isso pode dar controle a pessoa que sabe, o que sinceramente não faz muito sentido, já que Tim é apresentado usando o seu nome verdadeiro e nada acontece. Mas ela ainda usa alguns clichês, como o das fadas terem fraqueza ao ferro.

            Uma curiosidade interessante é que Os Livros da Magia foi lançado nos quadrinhos pelo selo Vertigo da DC Comics, que publicava histórias de conteúdo adulto. Infelizmente, não li a minissérie de quadrinhos para saber se tem algum conteúdo não apropriado para crianças ou se modificaram muita coisa quando transcreveram para este livro. As únicas coisas que poderiam ser problemáticas são o fato de ter gente perseguindo o protagonista para matá-lo e o Constantine fumando. Quando o li pela primeira vez, estava na minha pré-adolescência, e não vi nada de errado. Lendo agora adulta, continuo não vendo nada de inapropriado.

            Pela capa do livro, já dá para notar que Timothy Hunter tem a aparência bastante similar a um bruxo bastante conhecido do público: Harry Potter. Além disso, ambos tinham uma vida quebrada na Inglaterra, até que alguém aparece e os introduz a um mundo mágico. Por ter sido lançado depois, no ano de 1997, J. K. Rowling, autora de Harry Potter foi acusada de plagiar Os Livros da Magia. Mas o próprio Neil Gaiman disse* que se a autora quisesse copiá-lo, era bem provável que ela mudasse mais coisas, o famoso “copia, mas não faz igual”. Então, isso foi considerado apenas uma coincidência.

            Acredito que a intenção da DC Comics quando introduziu esta minissérie foi ver se a audiência gostava para assim fazer uma continuação. E deu certo. Este livro possui uma sequência que planejo reler. Os Livros da Magia: O Convite é uma boa história para introduzir jovens ao universo mágico e alguns personagens dessa famosa editora. Minha única reclamação é o título. Cadê os livros da magia? Não lembro de nenhum desse tipo aparecendo. Talvez tenha algum no próximo volume. Descobriremos numa resenha futura. Fica o convite.

 

 

*Link em inglês da resposta de Neil Gaiman a alegação de que J. K. Rowling copiou o seu trabalho: Neil Gaiman (tumblr.com)

 


 

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

O Cão Negro de Clontarf


        Como todos que leem o meu blog já devem saber, adoro livros de temática fantástica. Vocês sabiam que existe um subgênero deste tema chamado espada e feitiçaria? Como o próprio nome diz, ele foca no tema da magia, com lutas violentas envolvendo guerreiros espadachins. O exemplo mais conhecido é o Conan, o Bárbaro, criado por Robert E. Howard. O Cão Negro de Clontarf, escrito pelo brasileiro César Alcázar em 2020 e lançado pela editora AVEC, faz parte desse subgênero e, num estilo parecido ao de Conan, possui vários contos, cada um contando uma aventura diferente de Anrath, o Cão Negro. Darei o resumo de cada conto:

O Coração do Cão Negro Anrath, conhecido como Cão Negro, participou da guerra de Clontarf a favor dos vikings, apesar de ser irlandês de nascença. Agora vive como um mercenário, odiado por ambos os lados. Após tomar uma moeda antiga do corpo de um druida em um de seus trabalhos, ele terá de encarar o passado, junto com seres sobrenaturais.

A Canção do Cão Negro Uma história que acontece depois do Coração do Cão Negro. Aqui, Anrath se encontra com um antigo inimigo que terá de enfrentar.

Uma Sepultura Solitária sobre a ColinaAnrath encontra um homem ferido que o pede ajuda para levá-lo em um local onde reviverá sua maior batalha.

A Fúria do Cão Negro Após ver sua amiga Grainne ser queimada viva numa fogueira, Anrath busca vingança, fazendo o que for preciso para consegui-la.

A Enguia Alguns anos após a morte de Grainne, Anrath volta para sua terra. Lá encontra uma mulher que pede sua ajuda para vigiar o túmulo de sua filha para que o corpo da menina não fosse devorado por uma enguia gigante.

Lobos Anrath e outros mercenários foram chamados para uma taverna por um contratante, que demorava para chegar...

As Lágrimas do Anjo da Morte - Anrath se encontrava ferido numa praia cheia de corpos. Até uma banshee aparecer e anunciar que ainda não era a sua hora e que tinha um trabalho para ele.

            A parte mágica dos contos bebe muito dos mitos irlandeses e gauleses, com a aparição de várias de suas criaturas como trolls; leanhaun shee (uma vampira que inspira os artistas, mas suga a vida deles em troca); llamhigyn y dwr, o saltador d’água (um ser aquático carnívoro que vive em lagoas e pântanos); banshee, (entidade que anuncia a morte dos humanos) e os fomorianos, (raça semi-divina que vive nas profundezas); além de menções a mitologia celta. Isso faz bastante sentido pois O Cão Negro de Clontarf se passa na Irlanda. Também possuem a mistura do real com o imaginário. A batalha de Clontarf, por exemplo, realmente existiu, mas o protagonista não. 

            Antes desse livro, editora AVEC junto com César Alcázar e o ilustrador Fred Rubim, lançou duas histórias em quadrinhos dos contos O Coração do Cão Negro e A Canção do Cão Negro em 2016 e 2017 respectivamente. Já li estes quadrinhos e recomendo para quem gosta desse subgênero. Acho que o formato em quadrinhos combina muito com esses contos. Pena que três deles sejam muito curtos para serem adaptados. Quem sabe em uma coletânea de quadrinhos com várias mini histórias?

Outra curiosidade é que o conto A Fúria do Cão Negro, o mais longo de todos, foi lançado primeiro em 2014 pela editora Arte & Letra, apesar de ser o terceiro da cronologia da história do Cão Negro.

Quanto aos personagens, o único que posso analisar com mais detalhes é o próprio Anrath, pois ele é o único que aparece em todos os contos, afinal, as histórias são sobre ele. Bom, o nosso Cão Negro é um típico protagonista de espada e feitiçaria, sendo capaz de derrotar vários homens e criaturas usando sua força e habilidade de luta. Para Anrath, essa será a sua vida até seus últimos dias. Mas isso não significa que ele sente prazer em matar e só faz isso devido ao seu trabalho como mercenário. Além disso, por ser um irlandês criado por vikings, ele não é aceito por nenhum dos dois grupos, vivendo assim uma vida solitária.

Acredito que O Cão Negro de Clontarf representa muito bem o seu subgênero. Suas histórias são simples, mas bem escritas e com uma boa apresentação de seres mitológicos. Recomendo a todos os fãs de espada e feitiçaria. Peguem suas espadas e se preparem, pois nunca se sabe o que vão encontrar no caminho.


 

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

A Mais Bela


            Depois de muito tempo, decidi me aventurar novamente lendo um livro todo em inglês. Fairest (A Mais Bela) foi escrito em 2006 por Gail Carson Levine, a mesma escritora de Ella Enfeitiçada.

            Aza foi abandonada quando era um bebê numa pousada e acabou sendo adotada pelos donos do local. Apesar de ter uma bela voz, sua aparência não era das mais belas. Mas sua vida estava prestes a mudar quando uma duquesa pediu a ela que substituísse sua acompanhante para o casamento do rei. Lá ela conheceu a rainha, que descobriu sua habilidade especial e pediu para Aza cantar por ela...

            O título já dá a dica de que esta história foi inspirada na Branca de Neve e os sete anões. Apesar das várias mudanças e acréscimos, a figura da rainha invejosa, do espelho mágico e da maçã envenenada ainda aparecem no texto, assim como a lição do conto original de não ser tão obcecado pela beleza. Tenho a impressão de que a autora também se baseou um pouco nos clássicos musicais da Disney, pois além da protagonista ter uma bela voz, todos do Reino de Ayortha também adoram cantar. Se um dia adaptassem esse livro para o cinema, não tenho dúvida de que o tornariam um musical.

            É interessante mencionar que este livro se passa no mesmo mundo de Ella Enfeitiçada, com a revelação de que Areida, a amiga de Ella, é irmã adotiva de Aza, além da menção da fada Lucinda, que novamente é causadora de problemas, e da própria Ella no epílogo. Ogros e centauros aparecem novamente, acrescentando os gnomos para as raças mágicas, tendo o poder de ver partes do futuro.

          No geral, achei a história bem criativa. Recomendaria sua leitura para crianças. Mas infelizmente, esse livro não possui uma tradução para o português, o que é uma pena. Pelo menos, temos o Ella Enfeitiçada para encantá-las com sua releitura de Cinderela.

 


 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Um dos maiores crossovers

 


 

             Para comemorar o Dia das Crianças, trouxe um livro que ajudou na fundação da nossa literatura infantil. Reinações de Narizinho foi escrito por Monteiro Lobato e publicada em 1931, sendo o primeiro da coleção do Sítio do Picapau Amarelo, que ficou bastante conhecida pelas suas adaptações para televisão. No meu caso, a que mais me marcou foi a dos anos 2000.

            Lúcia, também conhecida como Narizinho, vivia com sua avó Benta no Sítio do Picapau Amarelo. Um dia, após dar comida aos peixes do ribeirão, deitou-se na grama e teria tirado um cochilo se um peixe e um besouro vestidos de gente não tivessem parado para conversar em cima de seu rosto.

            Acredito que quem lê Reinações de Narizinho pela primeira vez, a coisa que mais chama a atenção é o tanto de personagens de outras obras que aparecem aqui. Personagens de histórias árabes como Aladim e Ali Baba; de contos europeus, como a Branca de Neve, Cinderela e Pequeno Polegar; de fábulas como a cigarra e a formiga e muitos outros entram em contato com nossos protagonistas. Acredito que este tenha sido um dos primeiros e mais esquisitos crossovers.  Até mesmo personagens da televisão como o Gato Félix e o ator Tom Mix aparecem aqui. Infelizmente, estes dois assim como o Barão de Münchausen e Raggedy Ann são referências antigas que quase ninguém conhece nos dias de hoje.

            Já os personagens principais, Narizinho e Pedrinho, representam bem o que é ser uma criança, sendo Narizinho uma menina bem feminina, mas que nem por isso tem medo de se aventurar, enquanto o seu primo Pedrinho é um menino que adora aventuras e não teme quase nada. Com certeza Emília é a mais popular da série de livros. A boneca que tomou uma pílula falante e não para de falar asneiras e malcriações, sendo a mais atrevida de todos do sítio. E não esqueçamos do nosso sábio Visconde de Sabugosa, que vive na prateleira lendo livros. Todos interagem muito bem com as esquisitices que acontecem, achando isso bastante normal, enquanto adultos como Dona Benta e Tia Nastácia têm que aguentar.

            Há também os moradores do Reino das Águas Claras, como o Príncipe Escamado, o Doutor Caramujo e a Dona Aranha, que introduzem Narizinho e Emília para esse mundo cheio de imaginação. Dona Carochinha, que não sei se veio da expressão “conto da Carochinha” ou da história da Dona Baratinha, é quem toma conta de todos os personagens de livros, não querendo deixar nenhum escapar, enquanto as crianças tentam ajudá-los a fugir e interagem com eles. Me pergunto se isso é uma crítica do autor de como a gente pode usar o material original para criar algo novo.

            Apesar de ser para criança, vejo que este livro não tem nenhum problema em falar sobre morte. Cenas como Narizinho assistindo formigas matando uma minhoca, Rabicó enganando um outro leitão para ser assado em seu lugar e outras cenas são mostradas naturalmente. Isso me faz lembrar dos contos de fadas antigos e as fábulas, que tinham cenas como estas e eram histórias tanto para adultos quanto para crianças pois o conceito de infância e de preservar a inocência dos pequenos não existia naquela época.

            O que me incomodou neste livro foi o seu vocabulário. Havia palavras que por serem de outra época ou mesmo de outra região, eu desconhecia o significado. Um exemplo é a palavra “bodoque”, que descobri depois se tratar de um estilingue. Isso pode atrapalhar um pouco no ritmo da leitura. Recomendaria às editoras que publicassem este livro no futuro com notas explicativas.

            Não preciso dizer que Monteiro Lobato foi precursor da literatura infantil do Brasil, tanto que em sua data de nascimento (18 de abril) é comemorado o Dia Nacional do Livro Infantil. Mesmo sendo atrasado em alguns pontos, não deixa de ser revolucionário quando o assunto é imaginação. Por isso, recomendo sua leitura. Respirem o Pó de Pirlimpimpim e entrem nesse mundo fantástico.

 

 


sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Lokabrenna


            Quem é fã de mitologia nórdica, já conhece suas histórias assim como o seu fim. Mas e se elas fossem contadas pela perspectiva de um dos deuses mais populares (ou impopulares) de todo o panteão nórdico? O evangelho de Loki traz esta proposta. Escrito por Joanne M. Harris, foi lançado em inglês em 2014, chegando traduzido no Brasil no ano de 2016. Este livro é considerado uma prequela (acontecimento anterior) dos livros Runas e Luz das Runas, publicadas pela Rocco Jovens Leitores, selo da editora Rocco. Isso deixa as coisas um pouco confusas para quem deseja obter estes livros, pois O evangelho de Loki foi lançado pela Bertrand Brasil, selo da editora Record.

            Querendo contar sua própria versão dos acontecimentos, Loki, o deus da mentira, criou a Lokabrenna, o evangelho de Loki. Assim, ele narra a mitologia nórdica sob sua perspectiva.

            Além de contar a mitologia nórdica na perspectiva de Loki, o livro também faz uma releitura dessas histórias, mudando certas coisas e acrescentando outras. Uma dessas mudanças é a origem de Loki, cujos pais são Farbauti e Laufey, um jotun e uma Aesir respectivamente, e aqui eles são um relâmpago e galhos secos, sendo o Loki um demônio do Caos. Outras diferenças com relação aos mitos são sobre seu filho Fenrir, que aqui é um lobisomem ao invés de um lobo puro, Heimdall ser um Vanir, e não o filho de Odin com outras nove mulheres (não me pergunte como isso é possível) e Angrboda ser descendente do Caos, e não uma jotun.

            Quanto aos acréscimos, além de dar personalidade aos deuses e inventar novas histórias, alguns furos dos contos originais são explicados aqui, como o porquê de Loki usar o manto de falcão de Freia se este tinha a capacidade de mudar de forma e o porquê de Loki matar Balder.

            Com relação aos personagens, como são descritos pelo ponto de vista de Loki, a maioria deles é descrita como babaca, tratando o protagonista como um forasteiro. Apesar de serem personalidades simples, cada um tem a sua como Odin ser um estrategista que guarda segredos dos outros deuses, Freia ser uma deusa que faria de tudo por uma joia, Thor ser o homem forte, mas com pouca inteligência, Balder ser o bonzinho e o queridinho de todos, etc. Creio que o personagem melhor desenvolvido é o próprio Loki, que é o típico deus travesso que nós conhecemos, mas que vive em conflito com relação a ajudar ou trair os Aesir. Dou atenção a personagem Gullveig-Heid, uma deusa Vanir que nunca tinha ouvido falar e tem pouca aparição na mitologia nórdica, enquanto aqui, ela é a vilã principal da história. Foi bom conhecer algo novo dessa mitologia.

            Tenho minhas críticas com relação a narrativa, sendo uma delas a referência de objetos e modas dos tempos atuais numa história que supostamente ocorreu há séculos atrás. Como por exemplo uma jovem possuir um caderno cor de rosa e a menção do termo “bad boy”. Mesmo sendo narrada por Loki, que seria bem capaz de fazer essas referências se vivesse nos dias de hoje, não ficou legal. Também tive dúvida com relação a Loki e sua esposa Sigyn: Pesquisei e descobri que no povo viking, o divórcio era permitido. Se Loki não suportava a esposa, por que não se separava de vez? A autora poderia até ter dado a desculpa de que Loki não fez isso para não atrair a suspeita e a fúria de certos deuses. Acredito que ela não fez isso por não ter pesquisado o suficiente dessa cultura. É claro, isso é apenas uma suspeita minha.

            Esperava mais desse livro. Achei a narrativa um pouco boba, ainda mais com essas referências a atualidade. Tinha uma ou outra coisa que achei criativa, porém, não o suficiente para amar este livro e ler suas sequências. Se tivesse que dar uma nota, daria um seis de dez. Não é ruim, mas não é nada de espetacular. 


 

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O Reino das Fadas


         Voltamos a mais uma obra do autor que é considerado o pai da literatura fantástica, que influenciou autores como J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis. Phantastes foi escrito por George MacDonald em 1858, sendo este seu primeiro romance de fantasia.

            Ao completar seus vinte e um anos, Anodos recebeu a chave da escrivaninha do seu pai, que havia falecido muito tempo atrás. Dentro dela, havia uma pequena câmara com uma diminuta mulher dentro. Esta disse que lhe concederia o desejo de visitar o Reino das Fadas.

            Se tivesse que resumir a história em poucas palavras, diria que é um Alice no País das Maravilhas para adultos. Anodos anda passeando e vivendo aventuras estranhas no Reino das Fadas do mesmo jeito que Alice faz no País das Maravilhas, ambos conhecendo o local em que estão ao longo de sua caminhada. Mas diria que os acontecimentos de Alice no País das Maravilhas são mais nonsense enquanto Phantastes é uma fantasia que pode ter uma mensagem ou uma interpretação por trás, como a sombra que persegue Anodos, que pode representar o seu pessimismo, a sua depressão etc.

            Quanto aos seres mágicos que são apresentados neste livro, há fadas que são descritas como pequenas, podendo mudar de expressão em menos de um minuto, o que me lembram as fadas do livro do Peter Pan, que mudam de humor rapidamente. Os gnomos e as fadas-duendes, que de acordo com o protagonista, que é também o narrador da história, normalmente habitam o chão e plantas trepadeiras terrestres. Há também certas árvores com características humanas, como se fossem hamadríades (ninfas das árvores), só que com versões masculinas além das femininas. Uma delas é o freixo, que persegue o protagonista durante um tempo. Será que foi deste livro que a autora de Corte de Espinhos e Rosas tirou a ideia de usar a madeira do freixo como fraqueza dos feéricos? Também há aparição de gigantes e um dragão na obra.

            O livro faz referência a outras duas histórias: Uma é a de Pigmaleão, o homem da mitologia grega que se apaixonou por uma estátua. A segunda é de Sir Percival das lendas arturianas.

            Algo que acho interessante de mencionar é quando Anodos chega a um castelo encantado e consegue entrar dentro da história dos livros que lê (como acontece com a maioria dos leitores, só que de forma literal). Ele detalha duas delas: Uma sobre um mundo parecido, mas ao mesmo tempo diferente do nosso, em que as mulheres tinham asas ao invés de braços e aparentemente, quando as pessoas morrem, elas renascem no nosso mundo. Isso me fez perguntar se George MacDonald acreditava em reencarnação. Que ele era pelo menos um pouco religioso ele era, pois dá para perceber isso sutilmente enquanto lê a obra. A segunda história é sobre um homem que compra um espelho encantado com uma mulher dentro. Acho que esta última merecia ser um conto próprio. Gostei bastante dela.

            O lado negativo é que o livro é muito descritivo, algo comum na literatura da época, e há momentos bastante filosóficos, o que pode ser um tanto cansativo para o leitor que não está acostumado. Mas recomendo para aqueles que desejem conhecer o livro que praticamente fundou a literatura fantástica moderna. Venha para o Reino das Fadas. Só tome cuidado para o freixo não te pegar.

 

 

 


 

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O terror do nosso folclore

 


            Trago novamente mais um livro do Kindle baseado no nosso folclore, dessa vez focado no terror. Corpo Seco e outras histórias foi escrito por Luiz Junior em 2018. Como se trata de uma coletânea de contos, vou analisá-los separadamente e depois darei minha opinião final. Comecemos:

 

Corpo Seco – Em Natividade da Serra, Marcos caminha com sua namorada Sueli e seu primo João. Eles andaram bastante até chegar no barco que os levaria até o sítio. Mas próximo ao barco, havia um homem desconhecido pedindo carona. Quando os quatro entram no barco, ele começa a afundar e o homem... Neste conto, como o próprio título diz, conta a lenda do Corpo Seco, um ser malvado que foi rejeitado tanto pelo céu quanto pelo inferno e cujo corpo morto apronta com os vivos. Ele pode sugar o sangue de alguém com um toque, fazendo dele uma estranha mistura de zumbi e vampiro. Nesta história apresenta um jeito de acabar com a assombração. Mas será que ainda assim eles conseguiram se livrar da assombração?

A Pisadeira – Carlinhos, o filho do doutor Raimundo, anda tendo muitos pesadelos que não os deixa dormir direito. A coisa só piora quando o menino acorda com arranhões em seu corpo. Não achei este conto tão aterrorizante.

O Bradador – Zé Mario e Zuleide estavam na estrada quando o pneu furou já de madrugada. Eles encontraram uma casa abandonada e acabaram passando a noite lá devido a chuva. Então começaram a ouvir barulhos estranhos... Um conto com um final feliz.

A Curacanga – Pela primeira vez, ufólogos e cientistas se juntam para decifrar um fenômeno que ocorre no Maranhão. Os cientistas acham que é o fogo-fátuo, os ufólogos acham que são sondas intergalácticas. Já os moradores acham que é a Curacanga, a sétima filha nascida cuja cabeça desprende do corpo. Quem será que está certo? A resposta é óbvia, mas achei criativo ter colocado cientistas e ufólogos trabalhando juntos.

Labatut – O general francês Labatut não é conhecido pelo seu bom temperamento. Por besteira, acabou descontando sua raiva em um escravo. Muitos anos depois no Rio Grande do Norte, uma criança desaparece misteriosamente. História com um final feliz.

Mão – de – Cabelo – A doutora Beatriz estava numa consulta com um dos piores assassinos do Brasil, João do Mato. Este estava lhe contando de sua infância e de como encontrou pela primeira vez com uma assombração.

O Gorjala – Após lerem um relato sobre o encontro com o Gorjala, Wesley e Franccesco decidiram fazer um “mockumentary” (documentário fictício) sobre a criatura. Conto previsível.

Anhangá – Em um passeio pelo Mato Grosso, o fusca de Getúlio e Afonso ficou sem gasolina, tendo que assim parar o carro próximo a reserva. Mas as coisas estavam prestes a piorar. Senti que faltou mais emoção nesse conto.

A Perpétua – Michelle e seu marido Gustavo estavam passeando por Ilhabela. Na volta para a pousada, Michelle viu uma mulher toda de branco. Será que foi apenas uma ilusão? Obviamente não. Um conto ok.

Cabeça – de – Cuia – Durante esses anos, houve seis vítimas com perfis parecidos: todas era virgens chamadas Maria. Com isso, Miriam, que é um tipo de sacerdotisa da região, concluiu que o culpado era o Cabeça – de – Cuia e decidiu sequestrar a sétima Maria para acabar de vez com isso. Curto e cruel.

Pé do Diabo – Chico perdeu toda sua riqueza. Mas tentará recuperá-la fazendo um pacto com o Diabo em troca de seu primogênito. Será que ele vai conseguir? De todos os contos, este foi o que mais me surpreendeu.

 

            A maioria dos contos é mediano, sendo o meu favorito o Pé do Diabo, o único deles que não classificaria como terror. Dentre estas lendas apresentadas, não conhecia a Curacanga, o Mão – de – Cabelo, o Gorjala, a Perpétua, o Cabeça – de – Cuia nem o Pé do Diabo.  Recomendo para quem deseja conhecer mais do nosso folclore. É melhor saber um pouco deles antes que estes te encontrem.

 


sexta-feira, 19 de agosto de 2022

O novo jogador

 


        A Tapera naevia, também conhecida como saci, é uma ave parente do cuco que vive por todo o país. Curiosamente, ela também é conhecida como matinta-pereira, outra lenda do folclore brasileiro.


                                                       Roteiro: Mariana Torres

                                                        Desenho: Maya Flor


sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Contos chineses


        Trago mais uma vez um livro de contos que li enquanto fazia bicicleta na academia. Contos sobrenaturais chineses é uma coletânea de diversas histórias, escritas por vários autores. O livro teve a tradução e a seleção feitas por Márcia Schmaltz e Sérgio Capparelli, tendo sua primeira edição lançada em 2010 e a terceira que tenho em mãos em 2018. Como serão os contos chineses? Será que são bons? Vamos descobrir.

 

Confúcio e o menino sem nome – Escrito por Dong Sizhang. Confúcio decidiu ir para as montanhas. Mas no meio do caminho, tinha um garoto fazendo uma pequena muralha. Quando Confúcio mandou que ele tirasse a muralha, o menino lhe deu uma boa resposta que fez o homem ficar intrigado. O conto é basicamente uma criança derrotando um adulto num jogo de quem sabe mais. Curiosidade: Confúcio realmente existiu, sendo ele um pensador e filósofo chinês nascido entre 552 a. c e 489 a. c.

Tang, o caçador – Escrito por Ji Yun. Um tigre vem matando vários caçadores da região. Para resolver esse problema, chamaram um descendente dos Tang, conhecidos por serem matadores de tigre profissionais.  Um conto meio sem graça.

A rã no poço – Escrito por Zhuangzi. Uma rã que vivia em um poço encontrou uma tartaruga marinha. Aproveitando esta oportunidade, a rã começou a se gabar. Conto que me lembra um pouco as fábulas de Esopo.

Até a metade do céu – Escrito por Liu Xiang. Um dia, o Rei de Wei decidiu que iria construir uma torre que chegasse na metade do céu. Conto bem rápido.

A pereira mágica – Escrito por Pu Songling. Um camponês estava vendendo as suas peras até que um monge maltrapilho se estabeleceu por perto. Irritados, o vendedor e as outras pessoas queriam se livrar dele. Um conto que não esperava este final cômico.

Remédio para cavalo – Escrito por Ji Yun. Em Urumqi, havia um monge taoísta que vendia remédios. Mas o narrador suspeita que ele é um “caçador de almas". Um conto com um final bem sem graça.

Zuo Ci, o mágico - Escrito por Gan Bao. Zuo Ci é um sábio e poderoso mágico. Isso atraiu a atenção de um homem chamado Cao Cao, que o convidou para ficar em sua casa. Cao Cao acabou prendendo o mágico por um ano sem comida. Mas Zuo conseguiu sobreviver. Isso deixou o seu antigo captor com vontade de matá-lo para ver se o homem conseguiria escapar da morte. Lição: nunca mexa com um mago. Achei meio chato.

O homenzinho na orelha – Escrito por Pu Songling. Tan Jinxuan era um taoísta e fazia meditação sempre que podia. Em um desses exercícios, começou a ouvir cochichos. Um conto bem sem sentido.

A mulher repetida – Escrito por Chen Xuanyou. Qian Niang e Wang Zhou se amavam muito. Mas o pai da moça acabou dando a mão dela para outro. Isso deixou Wang Zhou muito decepcionado, fazendo o rapaz mudar de lugar. Ele só não esperava que Qian Niang fosse segui-lo, deixando uma parte sua para trás. A ideia desse conto é interessante e podia ser melhor explorada em uma história maior.

O caso do magistrado Dong – Escrito por Gan Bao. Para a tristeza de sua esposa, o magistrado Dong veio a falecer. Mas para a sua surpresa, ele retornou à vida e começou a contar a história de seu julgamento pós morte. Ideia criativa que poderia ser mais bem elaborada.

O tigre arrependido de Zhaocheng – Escrito por Pu Songling. Uma senhora idosa perdeu seu único filho para um tigre. Com muita tristeza e raiva, ela exigiu que o juiz prendesse o tigre. Como uma premissa tão cômica virou algo bonitinho?

Um sonho de Handan – Escrito por Shen Jiji. Lu Sheng encontrou um monge taoísta e lhe contou sobre os seus infortúnios. O monge lhe deu um travesseiro e mandou o homem dormir. Um conto bem curto.

Os três tigres – Escrito por Xu Fang. Huang vivia numa fazenda com seus três filhos. Após um vizinho lhe contar que os rapazes não estavam fazendo o trabalho ordenado, Huang os seguiu escondido e os viu transformando em tigres. Um conto com uma premissa interessante, mas muito curto.

O monge taoísta do Vale Garganta – Escritor desconhecido. O Vale da Garganta era conhecido por seus tigres devoradores de homens. Tanto que as pessoas que passavam por lá tinham que deixar um humano como sacrifício. Mas a próxima vítima tinha um plano em mente... Conto simples. Como as selkies, os homens podem se transformar em tigre vestindo sua pele.

O homem que queria ser peixe – Escrito por Li Fuyen. Xue Wei era um homem comum que um dia adoeceu. Em sua doença, ele vivia com sede. Até que um dia, em aparente melhora, ele chama seus três amigos e conta que a carpa que eles estavam prestes a comer era ele. Mais uma história envolvendo sonhos se tornando realidade e uma separação de corpo e alma.

O tigre da montanha devorador de homens – Escrito por Zhang Tu. Li Cheng era um homem arrogante que quase ninguém suportava. Quando voltava para sua casa, acabou adoecendo e sumindo. Um ano depois, um homem chamado Yuan Can passava pelo local em uma missão imperial e planejava sair cedo até que o dono da estalagem o interrompeu e o aconselhou a ir mais tarde, pois essa era a hora em que o tigre devorador de homens rondava. Adivinhem quem é esse tigre. Fica aí a lição: não seja esnobe, pois você pode acabar se tornando um tigre.

A história da lua – Escritor desconhecido. A esposa do Deus celestial, Changxi, deu à luz a doze luas idênticas. Um dia, em um de seus passeios, decidiram dar uma passada na Terra. Uma curta e simples história de origem da lua e de seus ciclos.

A origem do bicho-da-seda – Escrito por Gao Bao. Uma menina sentia muita falta de seu pai e disse brincando para seu cavalo que se ele o trouxesse de volta, a garota se casaria com ele. E foi o que o cavalo fez. Uma história de origem um tanto inusitada.

Nüwa, a deusa criadora dos homens – Escritor desconhecido. Hua Xu, a deusa do céu, deu à luz gêmeos, um deles sendo uma fêmea com cabeça de mulher e corpo de serpente que chamou de Nüwa. Com a separação do céu e da terra, Nüwa criou os humanos, sendo os ricos feitos de lama a sua imagem e semelhança e os pobres feitos dos pingos de chuva. Tudo ia bem, até o deus dos mares Gonggong, num momento de fúria, jogar uma montanha nos pilares de sustentação do céu. Uma história bem típica de mitos de origem.

Kuafu persegue o sol – Escritor desconhecido. Antigamente, existia uma tribo de guerreiros gigantes chamada Kuafu. Até que um deles decidiu perseguir o sol para não haver mais noite. Conto de origem da montanha Kuafu. Simples, mas não deixa de ser interessante.

Os galanteios de Lü Dongbin para Peônia – Escritor desconhecido. Um dia, o imortal Lü Dongbin desceu à Terra. Mas logo encontrou um enorme tatu aterrorizando a população local. Como os deuses do lugar estavam com medo de enfrentar a criatura, Lü Dongbin decide enfrentá-la sozinho. Ele ficou pensando em como faria tal feito até a estrela Vênus dizer que ele precisaria do grampo sagrado da Rainha Celestial e só o conseguiria com a ajuda da fada Peônia. Conto simples e previsível.

Vende-se um fantasma – Escrito por Cao Pi. Em sua ida ao mercado, o jovem Song Dingbo se depara com um fantasma. O jovem mente ser um fantasma também e ambos vão ao mercado... Um conto esquisito com um protagonista malandro. Tive pena do fantasma.

A pele – Escrito por Pu Songling. Numa manhã, Wang Sheng encontrou uma bela moça. Ela disse que havia sido vendida pelos pais como concubina, mas acabou fugindo de lá pois a esposa do seu comprador era muito ciumenta e batia nela. Com pena e admirado por sua beleza, Wang Sheng deixou a moça ficar em sua casa. Porém, ele não sabia que a jovem guardava outro segredo. As aparências enganam. Diria que esta é a lição deste conto. Ele também apresenta um demônio que se existisse, seria aterrorizante.

Tan, o literato – Escritor desconhecido. Tan já estava com quarenta anos e ainda era solteiro. Até que um dia, uma moça de uns quinze, dezesseis anos apareceu e se ofereceu como esposa, mas com uma condição: que não poderia acender nenhum tipo de luz na sua presença durante três anos. Adivinham o que ele fez? Isso de não acender a luz em seu companheiro me lembrou a história de Cupido e Psiquê, porém suas semelhanças terminam por aqui. Conto bem simples e curto.

Ni Yansi – Escritor desconhecido. Ni Yansi morava bem tranquilo próximo de um cemitério. Até que um dia, um fantasma foi morar com ele em sua casa e começou a causar confusão. Conto com um final sem graça.

 

            No geral, os contos foram medíocres. No entanto, achei curioso o tanto de homem-tigre que aparece nas histórias. Acredito que eles sejam o equivalente ao lobisomem de nossas terras, seres amaldiçoados que se transformam em uma fera sem controle. Se você tiver interesse em conhecer esses contos, pode vir. Só tome cuidado para não encontrar tigres ou mulheres bonitas no caminho.

 

 


 

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Mundos escondidos

 


        Mais um livro de contos que li na academia. Para quem gosta de leitura, mas não gosta de academia, fica a dica: leia um livro enquanto você pedala na bicicleta ergométrica. O tempo passará voando. O outro lado da cidade é uma antologia de contos produzida por autores diversos, lançada em 2014. Pela capa, já se deduz que a temática do livro é fantástica, o gênero que mais gosto. Por serem vários contos, resumirei cada um deles rapidamente:

Costumes em comum – Escrito por Ana Cristina Rodrigues. Esta autora também escreveu o livro Anacrônicas. Tem uma resenha deste livro no Blog para quem estiver interessado. Clio e sua amiga Rosa planejavam fugir de Biblos, a cidade biblioteca, para ver como é o mundo fora da redoma. Mas infelizmente são capturadas quando estavam na área da Ficção, o local menos valorizado. Quem poderia imaginar que elas seriam acusadas de assassinato? Mistura de ficção e distopia. Este conto é uma prequel (acontecimento anterior) do conto O longo caminho de volta*.

Coração Mecânico – Escrito por Bárbara Morais. Na época em que Dom Pedro II ainda reinava, Ana vivia com uma doença cardíaca que só piorava. Aos dezesseis anos finalmente fez uma cirurgia implantando um coração mecânico, algo que todos viam com curiosidade. Esse conto poderia se tornar uma história maior e seu final dá a possibilidade para isso.

Vingança é uma palavra de quatro letras – Escrito por J. M. Beraldo. Antônio é um escravo de ganho que acabou sendo roubado. Para não sofrer punição do seu senhor, ele foi até a Vovó Conga, uma escrava liberta com uma forte ligação com os orixás, pedir ajuda. Não conseguiu a ajuda deles, mas acabou conseguindo de um certo alguém de gorro vermelho. Será que ele conseguiu sua vingança?

João Anticristo – Escrito por Rodrigo van Kampen. João é perseguido por estranhos de moto. Depois disso acorda em um hotel e um homem revela que ele é o anticristo e que tanto o céu quanto o inferno querem matá-lo. Um conto bem louco envolvendo até viagem no tempo.

Sem troco – Escrito por Vinícius Lisbôa. Um menino foi assaltar uma mulher com os amigos. Mas um homem armado os viu e foi atrás deles. Tentando escapar, o garoto acaba entrando em um ônibus. Mas esse não era um ônibus comum. Era um ônibus de mortos. Um conto tocante que te faz pensar sobre as motivações dos personagens. Você entende como a pobreza faz o criminoso, mas também compreende a raiva e o medo de suas vítimas e o desejo por justiça e vingança.

O relógio – Escrito por Lucas Zanenga. O detetive Mallear vai até uma mansão resolver um misterioso caso de um morto que possui vários cortes, mas nenhum sangue derramado. Termina com um final aberto, parecendo ter uma continuação.

O Rei e a Deusa – Escrito por Lucas Rocha. Depois de anos fora de seu reino subterrâneo, o Rei dos Ratos retorna para tomar seu trono. Mas acaba por descobrir que alguém já o usurpou. Um conto que dá deixa para uma continuação.

Santuário Profanado – Escrito por Roberta Spindler. Após mais um caso de uma fada assassinada, o elfo D'joy decide sair do Santuário para pedir a ajuda de uma velha conhecida. Mais um conto que termina com deixa para continuação.

O que os gatos dizem – Escrito por Mary C. Müller. Beatriz estava em seu quarto prestes a ir dormir quando ouviu um “psiu" na janela. Qual não foi a surpresa ao descobrir que quem estava a chamando era um gato? Uma história fofa.

O Estranho da Meia-noite – Escrito por Lena Rodrigues. Ayla perderá a sua irmã gêmea a três anos atrás, mas Ainda a ouvia como se estivesse em sua cabeça.  Em sua classe entrou um garoto novo que parecia saber de sua voz imaginária. É óbvio que não era apenas uma voz na cabeça dela. Uma história que está mais para terror do que fantasia. A menos que você considere espíritos como algo fantástico.

            Os contos no geral são legais. Meu favorito foi o Sem troco, pois ele te faz pensar. Recomendo para aqueles que gostam de fantasia escrita por autores brasileiros. 




*Para saber mais sobre este conto, ele aparece no livro Anacrônicas cuja resenha você pode acessar clicando aqui: Ponte para o Imaginário: AnaCrônicas - resenha (ponteparaoimaginario.blogspot.com)

 


sexta-feira, 8 de julho de 2022

Realismo mágico


        Quando escuto a palavras “realismo” e “mágico” uma ao lado da outra, minha cabeça já fica confusa. No entanto, tentarei explicar. O realismo mágico, como diz seu nome, é algo que mistura o cotidiano com a ficção, a magia. Mas ao contrário de histórias como Harry Potter, cujo mundo mágico existe junto ao mundano e tudo que há de sobrenatural tem uma explicação, o realismo mágico deixa tudo no mistério, sendo mais similar a um sonho. José J. Veiga é considerado um dos maiores autores do realismo mágico no Brasil e o livro Os cavalinhos de Platiplanto, lançado em 1959, está composto de vários de seus contos. Se eles têm algo de realismo mágico ou não, é o que vamos descobrir:

 

A ilha dos Gatos Pingados – O narrador se lembra dos tempos que andava com Cedil, um menino que apanhava do namorado da irmã enquanto a mãe tinha medo de agir. Para esquecer de sua rotina, Cedil, o narrador e seu outro amigo Tenisão, decidem transformar uma ilha num local de diversão. Senti o tom de realismo, mas não o mágico. Um conto meio triste que faz ver como o sertão de antigamente era normal ter esse tipo de violência com a criança.

A usina atrás do morro – A cidade estava curiosa com a chegada de um casal estrangeiro. Mas o pouco que eles falavam e o jeito como agiam fez com que o povo ficasse desconfiado. Então, as coisas começaram a ficar estranhas. Acho que esse seria um exemplo de realismo mágico com suspense. Um bom conto.

Os cavalinhos de Platiplanto – O avô do narrador havia prometido que se ele tomasse o remédio para o pé, o garoto ganharia um cavalo. Mas com o avô ficando doente e o tio comprando sua fazenda, acabou que ele não ganhou o seu cavalinho. Ou pelo menos, foi isso que pensou. Um conto que não se sabe se foi sonho ou realidade.

Era só brincadeira – Um homem, que se intitula major Beviláqua, faz uma visita ao narrador para fazer umas perguntas sobre o seu amigo Valtrudes, sem que o protagonista saiba do porquê desta entrevista. Outro conto que te faz perder a cabeça.

Os do outro lado – Havia uma casa grande e vermelha. Quando os moradores desta residência iam para as ruas, todos se escondiam. Um dos contos mais estranhos que já li. Seu nível de estranheza me lembrou Alice no país das Maravilhas.

Fronteira – O narrador conta que quando era menino, as pessoas o usavam para ser guia pois tinha um bom conhecimento da estrada. Era isso até ele descobrir que quem deixa cair uma moeda em um córrego e tenta pegá-la, passará a vida inteira tentando pegar mais moedas; e o pai dele se comprometeu a fazer isso para provar o contrário. Conto bem feito que mistura drama cotidiano com as fábulas e mitos que a gente ouve.

Tia Zi rezando – Aparentemente, Firmino, o tio do narrador, incendiou a casa de Lázio, amigo de seu sobrinho, com quem o narrador havia sido proibido de entrar em contato, mas não o obedeceu, e por algum motivo, o tio tentou matá-lo. Sua tia Zi, apesar de fingir ignorância, sabia das idas do sobrinho e chegou até a ajudá-lo em um momento. Todos guardam um segredo do narrador. Esse conto te fará teorizar, porém, como já esperava, ele não te dá a resposta.

Professor Pulquério – Pulquério era um homem que fazia atividades variadas para ganhar um dinheirinho para família, como por exemplo vender galinhas e retalhar vacas. Porém, era também professor, com grande conhecimento histórico. Até ficar obcecado em achar um tesouro de um engenheiro austríaco em um monte perto de sua vila. Não achei que tivesse um grande nível de estranheza quanto alguns dos contos anteriores, mas dá para entreter.

A Invernada do Sossego – Balão, o cavalo favorito do narrador e de seu irmão Benício, havia sumido. Depois de ser encontrado morto, os irmãos decidem que aquele não era o Balão e que este ainda estava perdido por aí. Me lembrou um pouco Os cavalinhos de Platiplanto. O final é confuso, algo nada incomum para o gênero desse conto.

Roupa no coradouro – Por não ganhar muito dinheiro no emprego antigo, o pai do narrador decide virar vendedor e sai de casa, deixando o filho ajudando a mãe em casa. Mas toda a vez que a mãe lhe pedia ajuda, o garoto se distraía com alguma coisa e não fazia o que lhe era pedido. Um conto triste. Segunda história que não achei nada de mágico ou estranho.

Entre irmãos – O narrador conhece seu irmão, que mora na casa de seus pais a dezessete anos. Ambos se sentem desconfortáveis em puxar assunto. Conto curto que novamente, não vi nada de mágico. Ele transmite bem o desconforto do narrador.

A espingarda do rei da Síria – Em uma caçada, Juventino perdeu sua espingarda, algo precioso para alguém viciado em caçadas. Até ele ganhar uma do rei da Síria. Outro conto estranho. Não tenho muito a dizer.

 

            A maioria das histórias pode ser classificada como realismo mágico, tirando três delas, que eram realistas. Apesar do autor ser conhecido por este gênero, isso não significa que ele só tenha escrito isso e o livro é uma coletânea de seus contos, não sendo distinguida pelo gênero. Mesmo assim, notei várias semelhanças entre suas histórias. Em quase todas, tirando a última, o narrador era um personagem da história. E todas, sem exceção, se passam no campo. José J. Veiga tem um bom conhecimento da vida nas fazendas por ter sido criado em uma e, por ter nascido em 1915, havia certas coisas naquela época que não são aceitas hoje, como a punição corporal nas crianças. Além disso, o estereótipo do homem machão do campo e da mulher passiva que cuida da casa são bastante explorados em seus contos. Acredito que isso era comum naquele tempo, apesar de não ser do meu gosto pessoal.

            Ler esse livro foi uma experiência interessante, pois não me lembro de ter entrado em contato com esse tipo de literatura antes. Apesar de preferir um mundo completamente fantástico e acontecimentos abertos sem explicação me irritarem um pouco, esse é um dos poucos livros brasileiros que conheci que tem algo de fantasia, mesmo que sendo misturada com a realidade. Por algum motivo, não temos muitos autores brasileiros que façam histórias do gênero fantástico para adultos ou jovens adultos. Mesmo que essa coletânea de contos não seja puramente de fantasia, esta contém alguns desses elementos e isso já me satisfaz um pouco. Se quiser ler histórias em que a realidade se misture com o estranho e...

 

O final ficará em aberto. A vida não dá resposta para tudo.