sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O Primeiro Lobisomem da Literatura

 


            Ao contrário do monstro de Frankenstein, o lobisomem não tem uma história específica, tendo surgido das crenças de vários povos. Mas vocês sabem qual foi a história que iniciou a entrada deste monstro na literatura? Foi O Lobisomem, conto escrito por Richard Thompson em 1828. Será que ele teve um bom início? Vamos descobrir:

            Na cidade de St. Yrieux, havia relatos de que tinha um ou mais lobisomens habitando a floresta de Limousin. Um grupo de seus cidadãos estava reunido na Taverna do Cavaleiro Bayard, incluindo o doutor Antoine Du Pilon, conhecido por sua grande inteligência, até que um homem entra ferido no local...

            Infelizmente, este resumo acima é a parte mais misteriosa do livro, pois a identidade do lobisomem é previsível. Estava torcendo para ser surpreendida no final, mas não foi o caso. A única surpresa interessante que tive foi que o doutor, que nas histórias de terror, costuma ser o mais inteligente e o que resolve tudo, não é o herói da história, e sim a parte cômica.

            Aqui, o lobisomem não morre por bala de prata, sendo morto por armas normais. Aparentemente, ele parece ter controle da sua transformação e tem consciência quando transformado, algo que não é visto nas adaptações focadas no terror.

            Pelo que escrevi acima, deu para concluir que não gostei muito da história. Se o autor invertesse a ordem da narrativa e começasse pelo meu resumo, teria sido um pouco melhor na parte do mistério. Porém, ainda assim recomendo a leitura para aqueles que gostam de lobisomens e queiram saber como ele entrou no universo literário. Por isso, dê uma espiada. Só cuidado ao entrar na floresta Limousin.

 


sexta-feira, 17 de outubro de 2025

O Fantasma da Ópera

 


                O Fantasma da Ópera é um clássico do teatro musical. Vocês sabiam que ele foi adaptado de um romance? Sua publicação foi serializada no jornal Le Gaulois de setembro de1909 a janeiro de 1910, sendo lançado em livro três meses depois. Foi escrito pelo francês Gaston Leurox, que usou como inspiração acontecimentos históricos ocorridos na Ópera de Paris no século XIX, com a descoberta de um cadáver em 1907 e a queda de um lustre em 1896. Também se inspirou na lenda de um pianista que sobreviveu a um incêndio de 1873 e se refugiou no andar de baixo do teatro para esconder suas queimaduras. A junção desses elementos pode dar uma boa história. Será que o autor entregou? Vamos descobrir.

            Há uma lenda de um fantasma circulando pela Ópera de Paris, causando vários acidentes e assustando as dançarinas e trabalhadores. Enquanto isso, Christine Daaé se destaca em sua música. Ela chamou a atenção do jovem Visconde Raoul, que esperou que a moça ficasse sozinha para falar com ela. Porém, ele a ouviu conversando com um homem em seu camarim. Quando Christine saiu, Raoul entrou para encarar o seu rival. Mas não encontrou ninguém...

            A estrutura do livro lembra um pouco a do Drácula, em que a história é contada através de memórias escritas e entrevista de personagens. A diferença é que aqui, elas são recolhidas por um investigador do caso, cujo nome é o mesmo do autor. Ele é o narrador que junta toda informação para formar uma narrativa coesa. Leurox (o personagem) também complementa usando notas de rodapé. Por ser conhecido na França como um escritor de romances investigativos, como O Mistério do Quarto Amarelo de 1907, faz sentido que o escritor utilize desses recursos na contação de sua obra. Uma pena que por causa da peça de teatro, a revelação de que o fantasma era um homem faz com que o romance perca seu mistério.

            Quanto aos personagens, diria que o triângulo amoroso poderia ter sido melhor. Christine é ingênua e boazinha demais, sentia pena do fantasma apesar deste ter se mostrado um assassino louco. Apesar disso, se não fosse seu bom coração, a história e o desfecho não teriam acontecido. Raoul era para ter sido o mocinho cujos leitores deveriam torcer para que Christine ficasse no final, mais sua personalidade infantil, ultrarromântica e ciumenta fez com que achasse o personagem chato e me fez querer que a moça não ficasse com nenhum dos dois. O fantasma é um vilão cartunesco que você sente prazer ao vê-lo derrotado. Um gênio das maquinarias e da arte que teria sido bem aclamado se não parecesse um zumbi com olhos amarelos que brilham no escuro. Seu passado explica o porquê dele não sente nada ao matar. Mas isso não justifica suas ações e dá para entender o motivo de Christine não querer ficar com ele, pois além de sua aparência horrorosa, era maligno. Um quarto protagonista que foi introduzido no momento do perigo e que a adaptação musical cortou por considerar um estereótipo racista é o Persa, o que é uma pena pois achei ele o melhor personagem devido ao seu passado com o fantasma. Há também o “drama” dos novos diretores, Richard e Moncharmin, tentando descobrir a identidade do fantasma, que sai um pouco da parte séria e vai para um tom mais leve da trama.

            Há muitas diferenças entre o livro e o musical. Além da aparência do fantasma, que mencionei acima, que no musical aparece só com metade do rosto deformado, sua icônica máscara é preta no livro enquanto no musical é branca. Christine é sueca e descrita como loira enquanto suas adaptações a retratam como morena. A senhora Giry, que é a lanterninha que recebe gorjeta do fantasma por fazer favores, mas nunca o viu pessoalmente, virou professora de balé e tomou o lugar do Persa na adaptação teatral. E, é claro, muito da história foi encurtado e várias outras modificações foram feitas, como Christine sentindo atração romântica pelo fantasma no musical.

            Apesar das minhas ressalvas com relação ao triângulo amoroso, o livro me entreteve. Recomendo aos fãs de literatura gótica romântica. Só não entrem no Camarote Cinco.


sexta-feira, 3 de outubro de 2025

O Privilégio do Belo

 


                O que você faria se parasse de envelhecer aos dezessete e um retrato seu envelhecesse em seu lugar? Será que isso é tão bom quanto parece? O Retrato de Dorian Gray escrito por Oscar Wilde em 1890 responde essas perguntas. Gostaria de saber as respostas? Vamos para o resumo:

            Dorian Gray é um belo jovem que foi a casa de seu amigo, Basil Hallward, para que este pintasse o seu retrato. Lá também encontrou lorde Henry Wotton, amigo de Basil, e numa conversa entre ele e Gray, acaba mencionado que a juventude não é eterna, que o tempo passaria, que Dorian envelheceria e sua beleza esvaneceria. Quando Basil terminou a pintura, todos acharam bela e Dorian desejou que a pintura envelhecesse em seu lugar...

            Devo dizer que fiquei surpresa em saber que a história não envolveu pacto com o Diabo. O retrato de Dorian começou a envelhecer e mudar sua aparência misteriosamente conforme o jovem fazia suas maldades. Não há explicação para o ocorrido, mas saber o porquê de isto estar acontecendo não importa. O foco do livro é a consequência deste fenômeno.  

            Dentre os personagens, três se destacam: o pintor Basil Hallward, que conheceu Dorian e vê nele não só um modelo, mas um ser próximo do divino que o inspira na hora de fazer suas pinturas; Henry Wotton, um sujeito que tem um pensamento individualista, que acha que todos deviam agir pelo prazer sem pensar nas consequências. Ele faz o papel do diabo no ombro de Dorian enquanto Basil faz o papel de anjo. Wotton influencia o rapaz a ir pelo mal caminho por mera diversão. E por último, temos o protagonista, Dorian Gray, um rapaz que começa bom, ingênuo e bastante emotivo até que começa a seguir esta vida de prazer sem se importar com os outros. Ele é descrito como um jovem de cachos loiros e olhos azuis, algo que a capa do livro não ilustrou. Isso dá a ele uma aparência angelical.

            Por sua aparência se manter a mesma, Dorian se entrega aos vícios e prazeres libidinosos, fazendo com que várias pessoas que ele se relacionou o detestassem por ter sido má influência e arruinado a vida delas. Mesmo assim, Dorian conseguia manter algumas de suas amizades, pois sua beleza era encantadora e pueril. Estas acreditavam que tudo aquilo que ele fez não passava de boatos. Creio que muitos têm este sentimento quando descobrem que uma celebridade fez algo de errado, principalmente quando ela tem uma beleza estonteante. Este é privilégio do belo. É quase que instintivo nós vermos algo bonito e associarmos com o bom e o feio com o mal. Mas nunca julgue o livro pela capa. Devemos julgar pelo conteúdo.

            Respondendo à pergunta do primeiro parágrafo, não seria ruim se um retrato envelhecesse em seu lugar. Só que o retrato de Dorian Gray não apenas envelheceu. Ele se desfigurou conforme as maldades e os vícios do jovem. Ele então deixa de ser um retrato de belo moço e passa a refletir a alma de um homem corrompido. Você aguentaria conviver com um espelho que refletisse todos os seus pecados?

            O Retrato de Dorian Gray é um ótimo livro para se entreter e pensar, não só nos assuntos que mencionei acima, mas também pelas opiniões Wotton, que apesar de discordar de vários de seus pensamentos, muitas de suas falas podem dar bons temas para debates. Então, venha dar uma olhadinha. Só não faça isso próximo de seu retrato.   

 


sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Tarzan, o Magnífico

 


            Vocês já pularam o episódio de alguma série ou deixaram de ver o primeiro filme e foram direto para a sequência? Tarzan, o Magnífico é o vigésimo livro da série do personagem homônimo, escrito por Edgar Rice Burroughs em 1936. Li o primeiro livro da coleção há muito tempo atrás. Este volume foi meu padrinho que emprestou e pertencia ao pai dele. Suponho que os outros volumes também tenham sido publicados, mas devem ser raros de se encontrar pois nenhum deles possui uma edição recente. Infelizmente, parece que o Brasil quase não publica a sequência de livros cuja adaptação animada só tenha usado o primeiro livro como base. Bambi* e Entregas Expressas da Kiki**, por exemplo, são livros antigos que até agora não tiveram suas sequências traduzidas para o português. Espero que não aconteça o mesmo com Robô Selvagem***. Vamos para a resenha:

            Tarzan caminhava por uma planície até que encontrou um esqueleto morto há muitos anos. Próximo a ele, encontrou a carta de lorde Mountford, dizendo ter sido capturado junto a esposa, pela tribo de mulheres guerreiras kajis. Ele e a filha que nasceu pouco tempo antes da morte de sua esposa eram prisioneiros e suas captoras usavam magia para mantê-los cativos. Ele ofereceu um diamante como recompensa para o resgate. Tarzan guardou a carta para entregar às autoridades, até encontrar um homem ferido...

            Acredito que a primeira pergunta que vocês estão fazendo é: dá para ler este livro sem ter lido os outros? Sim. É uma aventura que começa e termina no mesmo volume. Porém, é interessante que tenha um pouco de conhecimento sobre o nosso protagonista, Tarzan. Por isso, recomendo que leiam o primeiro livro de sua série, que será bem mais fácil de encontrar do que suas sequências.

            Indo para a história, não esperava encontrar magia no mundo do Tarzan. Não lembro de ter nenhuma menção disto no primeiro volume, apesar de coisas improváveis terem acontecido, como por exemplo um jovem ter sido criado por uma espécie humanoide entre gorila e ser humano, e este aprender a ler um livro sozinho, algo impossível de acontecer na realidade (quem estudou linguística sabe do que estou falando). Ainda assim, era um romance mais pé no chão. O gênero é aventura, então obviamente tem ação e luta neste livro. Alguns leitores que podem achar o livro problemático devido a crença das kajis de quererem ter filhas com brancos para que se tornassem brancas. A motivação para tal crença não é justificada. Ela existiu há vários anos e ninguém se lembra o porquê dela existir. Há também algumas falas preconceituosas, que são ditas por pessoas de má índole. Resumindo, pessoas do politicamente correto encontrarão vários motivos para não gostarem deste livro. Como disse no primeiro parágrafo, Tarzan, o Magnífico foi lançado em 1936, uma época diferente da nossa. Como não sou tão sensível, isto não me incomodou.

            Quanto aos personagens, há tantos que o livro possui um guia de uma página com o nome deles. Vou me ater apenas aos que me chamaram atenção. Temos obviamente Tarzan, o personagem que dá nome a obra, o homem que foi criado na selva, sabe a linguagem dos animais além de ter uma grande força e sentidos aguçados. Ele é tão incrível que seu nome virou lenda. Não é muito expressivo, mas tem bom coração e ajuda aqueles que considera seus amigos, apesar de considerar a humanidade inferior aos outros bichos devido aos conflitos que ela causa entre si por coisas que Tarzan considera fúteis. Um herói perfeito para aqueles que gostam desse gênero. Me lembra um pouco o Conan, o Bárbaro, só que mais honrado. Stanley Wood é o homem ferido que Tarzan encontra e a motivação para ele entrar nessa aventura. Uma pessoa honrada que fará de tudo para ficar com Gonfala, a rainha dos kajis, que parece ter dupla personalidade. Esta personagem fez uma coisa que me irritou, porém, se der muitos detalhes, será spoiler. Woora e Mafka foram bons antagonistas iniciais (aqui tem muitos antagonistas), introduzindo a magia na narrativa. E, para quem é fã do desenho animado, saiba que Tantor, o elefante, existe aqui nos livros e ele até que tem um papel relevante neste romance.

            O livro me entreteve. Sua leitura é simples, apesar dos muitos personagens e locais. Porém, acredito que este livro ficaria melhor no formato de quadrinhos, em que podemos visualizar as lutas. Sou da opinião que os gêneros de ação e terror ficam melhor em mídias visuais do que escritas. Se vocês desejam conhecer, boa sorte. Talvez o encontrem em algum sebo. Ou nas misteriosas selvas africanas...

 

 

 

 

*Resenha de Bambi: Ponte para o Imaginário: O príncipe da floresta

**Resenha de Entregas Expressas da Kiki: Ponte para o Imaginário: O rito de passagem de uma bruxa

***Resenha de Robô Selvagem: Ponte para o Imaginário: Instinto e Programação


sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Garotas Mágicas no Mundo Real

 


            Já ouviu falar do gênero das garotas mágicas? Ele está presente em muitos mangás e animações japonesas como Sailor Moon e Sakura Card Captor, que são sobre garotas, geralmente jovens, com poderes mágicos. Normalmente, elas passam por uma transformação que muda sua aparência e roupa. Também costumam usar seus poderes para salvar o mundo. Agora imagine se várias delas existissem em nosso mundo, cada uma com seu poder mágico. O livro Uma garota mágica se aposenta fez esta proposta. Escrito pela coreana Park Seolyeon no ano de 2022 em seu país, foi lançado no Brasil recentemente em junho deste ano. E como fã de Sakura Card Captor, o título desta obra me atraiu e aqui estou eu fazendo sua resenha. Vamos para o resumo:

            Uma mulher de vinte nove anos está prestes a se suicidar na ponte Mapo em Seul, após várias dívidas no cartão e a falta de emprego fixo. Mas uma moça com vestidinho branco e fofo a impede, dizendo que seu destino é se tornar uma “Garota Mágica”.

            Como funciona as garotas mágicas numa história mais realista? Torne-as o equivalente do que seria os super-heróis, com uma escola dos X-men para treinar as garotas, junto a um lugar que ajuda encontrar emprego para elas ganharem dinheiro como por exemplo o de guarda-costas e o de caçadora de recompensas. Achei um conceito interessante. Existe, porém, aquele dilema do herói estar ganhando dinheiro pelo seu heroísmo ao invés de fazer por razões nobres, algo que a própria protagonista julga. Mas não é isso que os policiais e os bombeiros fazem? Os poderes normalmente são despertados quando a moça se sente vulnerável, o que explica o porquê de a maiorias delas ser jovem.

            A protagonista, que não é nomeada na história, é pessimista e esforçada. Devido ao seu problema financeiro, tem muito foco nos gastos e tenta ao máximo conseguir um emprego. No primeiro capítulo cheguei a me identificar com ela quando desejou cometer suicídio sem incomodar ninguém, mas no fundo, gostaria que alguém a consolasse, o que mostra como temos que nos mostrar forte para os outros, mesmo querendo nos abrir para alguém. A segunda personagem com mais foco é Ah Roa, a Garota Mágica da Clarividência. Foi ela que impediu a protagonista de tirar a própria vida. Por trás de sua positividade, esconde uma mulher que tem autoestima baixa, pois apesar de útil, seu poder não é tão forte para luta. Há um romance implícito entre as duas personagens que achei um tanto desnecessário pois a trama era rápida e quase não teve tempo para desenvolvê-las como amigas, muito menos como par romântico. Há outras personagens como Choi Heejin, Garota Mágica do Espaço, que é arrogante e a presidente do Sindicato de Garotas Mágicas, Yeon Riji, a primeira Garota Mágica da Coréia do Sul, que já é uma senhorinha. Ambas tiverem sua relevância apesar de aparecerem pouco. Não vou comentar sobre a antagonista pois seria um grande spoiler. Só direi que seu passado não justifica suas ações.

            Apesar da proposta interessante, acho que o livro deveria ter sido maior. Focado mais na protagonista fazendo amizade com Ah Roa e possivelmente, com outras garotas mágicas. O mundo das Garotas Mágicas em geral podia ser mais explorado, dando a perspectiva de outras personagens e não apenas da protagonista. A resolução do problema foi criativa e até cômica, fazendo parecer uma paródia por um momento.

            O livro me entreteve o suficiente. Daria três de cinco estrelas. Se você gosta do gênero e é a favor do meio ambiente, pode dar uma olhada e lembre-se: quando sentir que tudo está para ruir, não desista. Deixe que sua chama de poder surja e siga em frente. Você não está sozinho.

 

 

 


sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O Ser mais Popular do Folclore Brasileiro


            E para comemorar o Dia do Folclore, estamos aqui com o livro de um ser brasileiro muito popular, escrito por um renomado autor. O Saci foi escrito por Monteiro Lobato e faz parte da coleção do Sítio do Picapau Amarelo. Lobato foi quem popularizou a criaturinha travessa de uma perna só desde antes deste livro. Em 1917, através do “Estadinho”, edição vespertina do jornal O Estado de S. Paulo, ele lançou uma pesquisa pedindo aos leitores que enviassem histórias do endiabrado. Em 1918, ele selecionou setenta e quatro desses depoimentos e transformou no livro O Sacy-Pererê: Resultado de um Inquérito. Depois disso, ele introduziu o saci para o sítio em 1921, no livro que tenho em mãos. Vamos dar uma olhadinha...

            Pedrinho foi passar as férias no sítio da avó, o Sítio do Picapau Amarelo. Num dia, ele estava querendo ir para o Capoeirão dos Tucanos para caçar. Dona Benta, sua avó, foi falando dos bichos perigosos que tinham lá e o menino foi negando ter medo deles até ela mencionar o saci. Do saci, Pedrinho tinha medo. Quando foi consultar Tia Nastácia, a empregada da avó, para falar dessa criatura, a mulher mencionou que ela existe sim e que Tio Barnabé já tinha visto. Então, Pedrinho foi atrás de Tio Barnabé para saber mais sobre o saci...

            O livro faz um bom trabalho dando foco ao Saci, que foi praticamente o herói da história, apesar de Pedrinho ser o protagonista da história. O Saci é aliado e mentor do menino quando se trata dos seres da noite e da floresta, trazendo discussões interessantes entre ele e o menino como o do homem ser mais burro que os outros animais, pois não nasce sabendo o que fazer para sobreviver, ou seja, não tem instinto, e que mata sem necessidade. Apesar dessa discussão do homem caçar por prazer ser errado já ter sido feita em várias histórias infantis, aqui é feita de uma forma criativa e só aparece num capítulo, fazendo com que não desperdicemos nosso tempo. Outra discussão que a narrativa traz é sobre o medo, que vem da incerteza e do escuro, que os monstros só existem nos olhos de quem acredita. Algo bem interessante para se ensinar a uma criança. 

            Os sacis são descritos neste livro como negros pequeninos, de uma perna só, com o gorro vermelho e mãos furadas, que me faz lembrar da lenda do fradinho da mão furada*, vinda do folclore português. Eles nascem dos gomos de taquaruçus (bambus grandes) e se desenvolvem dentro dessa planta por sete anos. Depois de saírem, vivem até setenta e sete anos, virando depois cogumelos venenosos ou orelhas-de-pau (tipo de fungo). Se escondem do sol, pois gostam das trevas, sendo chamados de “filhos da Lua”.  Além de fazer travessuras, também chupam o sangue dos cavalos como morcegos.

             Outros seres do folclore brasileiro também apareceram ou foram mencionados no livro como o Jurupari, ser do folclore indígena que causa pesadelos, insônia e agarra o pescoço das pessoas para não gritarem enquanto tem sonhos ruins; o Curupira; o Boitatá, que é uma cobra flamejante com olhos gigantes e fica próximo de carniça; a Iara, que aqui é uma espécie e não um indivíduo, possui cabelos verdes e na ilustração, é desenhada com pernas ao invés de cauda de peixe; Negrinho do pastoreio; Cuca, que dorme a cada sete anos; o Lobisomem, que aqui é o sétimo filho de sete irmãos, se transforma nas sextas-feiras e é curado ao cortar uma das patas. Ele tem a pele virada. Por dentro é pelo e por fora é carne; a Mula sem cabeça que aqui era uma rainha que ia para o cemitério comer cadáveres e quando o rei a viu fazer isso, ela se transformou na mula sem cabeça e galopou pelo mundo; a Porca dos Sete Leitões que era uma baronesa muito má com seus escravos até que um feiticeiro negro transformou ela e seus sete filhos em porcos. Só um anel pode transformá-los de volta; o Caipora, um duende peludo, meio homem meio macaco, que cavalga em porcos-do-mato para exigir fumo dos viajantes. Não pude deixar de notar que alguns destes seres tem relação com o número sete, que aparece muito nos contos de fadas junto com o três e o treze. Me pergunto se o autor descreveu estes seres exatamente como ele ouviu nas histórias ou se ele inventou alguma coisa.

            Se é para dizer algo negativo, diria que teve algumas palavras que tive que parar para pesquisar o significado, como modorra, jacarandá e barba-de-pau. Isso pode ser um pouco incomodo para quem gosta manter o ritmo da leitura.

        Gostei do livro e recomendo sua leitura tanto para adultos quanto para crianças. Só tomem cuidado ao andarem pela mata à noite. Uma onça pode te encontrar. Ou a Mula sem cabeça.

 



Roteiro: Mariana Torres
Desenho: Maya Flor


*Resenha do livro Obras do fradinho da mão furada: Ponte para o Imaginário: Obras do Fradinho da Mão Furada

 


 


 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O Livro que Originou Cupido e Psiquê

 


            Vocês conhecem a história de Cupido e Psiquê? História essa que inspirou o conto da Bela e a Fera e muitos outros que envolvem um noivo animalesco que na verdade é um príncipe amaldiçoado? Sabiam que Cupido e Psiquê é apenas um texto dentro de um romance maior? O Asno de Ouro ou Metamorfoses foi escrito por Lucio Apuleio. Não se sabe quando exatamente foi a sua data de publicação, mas é estimado que tenha sido no final do século II, sendo o único romance a ter sobrevivido completo desde o Império Romano. Vamos para o resumo:

            Lucio Apuleio estava indo em direção a Tessália em busca de conhecimento mágico. Quando chegou na cidade de Hipata, Lucio foi se instalar na casa de Milón, um homem avarento, por recomendação de seu amigo Demeas. Ele encontra uma prima de sua mãe, que avisa para tomar cuidado com a mulher de Milón, Panfilia, que era uma feiticeira poderosa. Depois de saber mais detalhes por sua amante e empregada do casal, Fotis, isso o deixou mais curioso, querendo ver as artimanhas de Panfilia. Ao ver que esta era capaz de se tornar uma ave após passar um unguento, Lucio pediu para que Fotis também passasse nele para ter essa experiência antes de se tornar humano novamente. Porém, a moça passou o unguento errado e ele virou um asno, começando assim suas desventuras.

            O texto é dividido em onze livros, tendo cada um deles de três a seis capítulos. Em cada capítulo, tem um resumo do que ocorrerá, o que é algo ruim para quem deseja ser surpreendido conforme lê a narrativa. Enquanto estes resumos o narrador é onisciente, o resto é narrado pelo próprio protagonista. Por ser um texto antigo, houve momentos em que não entendia certas palavras. Outra coisa que vale mencionar é que o nome do protagonista é o mesmo do autor. Talvez, assim como a maioria de nós, ele desejasse viver uma aventura mágica.

            O Asno de Ouro é, como dito no resumo, uma narrativa que foca nos perrengues que Lucio passa na forma de asno, sendo roubado, vendido e trabalhando feito um condenado. E depois de tanto sofrimento, ele consegue por fim voltar ao normal, graças a deusa Isis, que aqui incorpora todas as deusas romanas. Assim, ele se torna um fiel seguidor dela, tentando ao máximo seguir seus mandamentos e se afastar dos pecados. Acabei dando um grande spoiler, mas era previsível que ele fosse voltar ao normal. Isso do protagonista que vai para uma religião após esta resolver o seu problema me lembrou do conto da Dama Bai, a serpente branca*. É comum nas histórias que quando a gente faz um trato com um deus benéfico, ele cumpra e te beneficia, ao contrário dos tratos do diabo. Porém, para deixar a história mais interessante, o autor acaba fazendo com que o humano descumpra o trato com seu beneficiador. Isso não acontece aqui. O escritor quis que o protagonista tivesse sua redenção e cumprisse com sua palavra, o que também acontece com várias pessoas religiosas que dizem que seu Deus as ajudou. Não teria me desgostado do final se as aventuras de Lucio transformado em asno fossem interessantes, o que infelizmente não foram.

            Assim como em Mil e uma Noites, o livro contém várias histórias que Lucio vai ouvindo no decorrer do livro, sendo Cupido e Psiquê uma delas e a que mais durou, tendo começado no final do quarto livro e terminado no penúltimo capítulo do sexto livro. A história foi contada por uma velha comungada com ladrões, tentando acalmar uma noiva sequestrada. Apesar de ter minhas críticas com Cupido e Psiquê, entendo o porquê dentre todos os contos contidos deste livro, esta é a que chama mais atenção. Além da presença dos deuses greco-romanos, esta é uma das poucas com um final feliz enquanto a maioria é trágica.

            A única outra história que achei interessante foi esta, contada por um convidado da prima da mãe do protagonista: este homem, que cobre a face conta que topou o trabalho de vigiar um defunto por causa das bruxas que gostam de roubar membros dos mortos. Ele cai no sono e ainda assim ganha o dinheiro por seus contratantes não saberem disso. O morto retorna a vida por um tempo, brigando com a viúva e contando que as bruxas passaram sim por ali, mas confundiram ele com o vigia dorminhoco, e acabaram cortando as orelhas e o nariz dele, que caíram depois. Esta foi a única história que chamou me atenção por seu final tragicômico.

            Quanto a história de Cupido e Psiquê, o conto se trata da mais nova de três filhas, que era tão bela que as pessoas ofereciam oferendas como se fosse a própria deusa da beleza, Vênus. Mas Vênus não gostou nem um pouco disso e mandou que seu filho, Cupido, se livrasse dela. Apesar de suas irmãs terem conseguido se casar, Psiquê não estava tendo a mesma sorte apesar do quão venerada ela era. Seus pais foram para o oráculo, que disse que deveriam vesti-la com roupas de luto e deixá-la na montanha, pois o genro deles não seria um mortal. Seria um ser venenoso como uma serpente... Aqui temos o clichê das irmãs mais velhas invejosas que se dão mal, e a realidade da sogra malvada (brincadeira...). Também temos o noivo fugitivo e a noiva que vai atrás dele e recebe ajuda de aliados. O meu problema está nessa ajuda. Ao invés de Psiquê oferecer algo em troca para eles, ela tenta cometer suicídio e, com pena dela, os aliados a ajudam. Os contos que vieram dessa base foram melhores. Outra coisa que me faz questionar se Cupido e Psiquê com o cânone da mitologia greco-romana é a relação de Vênus (Afrodite) e Juno (Hera). Juno é esposa de Júpiter (Zeus) e deusa do casamento enquanto Vênus é a deusa da luxúria. Ela competiu com Vênus pelo pomo de ouro, que foi dado a Vênus por ser considerada a deusa mais bela. Como ela pode ser considerada amiga de Vênus aqui no conto? Se a história condissesse com a personalidade de Juno, que é ciumenta e invejosa e se opõe a Vênus em suas crenças, teria feito dela uma das aliadas de Psiquê, por ser a favor do casamento e contra sua rival do Olimpo. Outra coisa que me confunde é parentesco entre Marte (Ares) e Cupido. Aqui é dito como ele se fosse o padrasto enquanto na mitologia grega, Cupido é o filho que ele teve Afrodite enquanto esta estava casada com Hefesto. 

            Não gostei muito do livro. O que Lucio passou enquanto estava transformado em asno foi repetitivo e foram poucas as histórias que me interessaram. Entendo agora o porquê do conto de Cupido e Psiquê ser mais lembrado. Este pelo menos inspirou A Bela e a Fera e vários outros contos de fada. E existem vários livros só dele para que ninguém tenha que ler O Asno de Ouro. Mas se ainda assim, desejam ler este romance, fiquem avisados:  ele contém várias cenas de sexo e escatologia. Desde homens travestidos que enganavam os outros com sua religião, mulheres que mijam em corpos, uma madrasta que se apaixona pelo seu enteado e zoofilia. E nunca passem unguento de bruxa.

 

 

*Resenha de Dama Bai, a serpente branca: Ponte para o Imaginário: Contos de Fadas do Leste Asiático


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Felinos num Barco


            Já ouviram falar do filme As Aventuras de Pi, lançado em 2012? Sabia que ele foi adaptado de um romance que entrou em polêmica por ter supostamente plagiado a história de um livro brasileiro? É sobre este livro que irei analisar agora. Max e os Felinos foi escrito por Moacyr Scliar, filho de imigrantes judeus da Bessarábia, em 1981 enquanto A Vida de Pi foi lançado em 2001. Será que houve mesmo plágio ou foi apenas uma coincidência? Vamos descobrir:

            Max se relacionou com Frida, que era casada com um nazista. Ao descobrir o relacionamento da esposa com Max e Harald, amigo socialista de Max, o marido de Frida os denunciou e o jovem é obrigado a fugir de Berlim. Ao perder o navio que o levaria para o Brasil, Max dá um jeito de ir em um cargueiro com o mesmo destino. Mas um dia, o navio começou a afundar e Max não encontrou ninguém da tripulação para ajudá-lo. Por sorte, encontrou um escaler e fugiu. Numa das caixas do naufrágio, algo saltou para seu escaler. Este algo era um jaguar...

            O navio em que o protagonista está afunda e ele fica preso num barco com um felino de grande porte em alto mar. A semelhança entre as duas histórias termina aí. É dito que o autor de A Vida de Pi, Yann Martel, baseou o seu livro numa suposta resenha negativa do livro de Scliar. Quanto ao escritor de Max e os Felinos, este não considerou a obra de Martel como plágio, já que apesar dessa pequena semelhança, o desenvolvimento de ambos os livros é completamente diferente. Mas gostaria que Martel tivesse mencionado sua inspiração em sua publicação.

            Indo para os felinos do título, enquanto no filme As Aventuras de Pi, o tigre no barco de Pi representava o seu lado selvagem tentando sobreviver ao naufrágio, os felinos de Max são representados como medos e desafios que ele deve enfrentar. Como o tigre empalhado da loja de seu pai, cujo Max tinha pavor quando era criança e o jaguar no barco, que não se sabe se era ou não real, pois ele estava tendo alucinações enquanto estava perdido no mar. Sendo reais ou não, Max teve que conviver e enfrentá-los até os domesticar no final.

            O protagonista passa por muita coisa no decorrer da história que o faz mudar. Ele passa de um rapaz assustado para um homem corajoso, enfrentando com ousadia e fúria algo que ele teme. Porém, não confio muito no narrador deste livro. O final passa como se ele saísse como um herói vitorioso fazendo algo criminoso, mesmo tendo que arcar com as consequências depois. Max já tinha dúvidas se o jaguar no escaler era ou não real, o que pode indicar que esse grande problema não tenha sido criado de sua mente traumatizada? A narrativa está mais ao lado dele, mas eu tenho um pé atrás nisso.

             O livro é interessante e de leitura rápida, contendo apenas três capítulos. Se deseja conhecê-lo, arrume um navio de confiança para se caso afundar, você não acabe dividindo o seu barco com um jaguar.

 

 


 

sexta-feira, 25 de julho de 2025

O Herói do Sertão

 


            Agora, vou analisar o livro de um autor clássico da literatura brasileira: Graciliano Ramos. Mas, não será por sua obra mais conhecida. O escritor de Vidas Secas também escreveu outras duas histórias chamadas Histórias de Alexandre (1944) e A Terra dos Meninos Pelados (1939), que foram publicadas postumamente no livro Alexandre e Outros Heróis (1962) junto com o texto Pequena História da República (1940).

           Em Histórias de Alexandre, Alexandre é um sertanejo velho de olho torto. Mas ele teve muitas aventuras e várias pessoas vão até sua casa para ouví-las. Então, ele e sua esposa Cesária os entretém com suas histórias...

            Histórias de Alexandre me lembrou bastante o livro Aventuras do Barão de Munchhausen*, em que o protagonista conta suas aventuras de cunho cartunesco, bastante improváveis de acontecer na realidade, como por exemplo montar num bode do tamanho de um cavalo, colocar um olho do lado contrário, podendo visualizar o interior da sua cabeça e seus pensamentos, uma cascavel de dois metros morder um estribo e um mês depois ele inchar com o veneno etc. Acho que o diferencial dessas histórias são que além de terem ocorrido em lugares e épocas diferentes, Alexandre possui ouvintes mais memoráveis, sendo eles: Cesária, a esposa que ajuda a contar as histórias, Das Dores, benzedeira de quebranto e afilhada do casal; seu Libório, cantador de emboladas; mestre Gaudêncio, curandeiro; e o cego preto Firmino, que é o que mais pede detalhe e critica quando algo falta na narrativa, deixando Alexandre irritado.

           Tive um pouco de dificuldade com algumas palavras nordestinas sobre a fauna e flora local como por exemplo guariba, que descobri ser depois uma espécie de macaco. Isso é recorrente em toda leitura que faço de um livro tanto regionalista quanto antigo.  

          Em A Terra dos Meninos Pelados, Raimundo tinha a cabeça calva, um olho preto e outro azul. Por causa de sua aparência incomum, era caçoado pelos outros meninos. Mas ao fechar os olhos, ia para a terra de Tatipirun, onde todos tinha a mesma aparência que ele...

            Este conto é para o público infanto-juvenil e mostra uma criança usando a imaginação para escapar da solidão. Também mostra o desejo de Raimundo de se encaixar, desejando que sua aparência fosse comum. Por esse motivo as crianças de Tatipirun são carecas e tem um olho preto e outro azul.

            O último texto do livro é Pequena História da República, onde o autor descreve como surgiu a república no Brasil até 1930, dando um pouco de sua opinião sobre estes eventos. Tenho que confessar que não consegui ler até o final pois achei o assunto muito chato.

             As duas primeiras narrativas valem a pena ler. Quanto a última, apenas se você gostar da história do Brasil. Todas elas são encontradas em livros separados, mas se deseja encontrá-las num só lugar, recomendo esta edição. Só cuidado para não a confundir com outra como Alexandre confundiu uma onça com uma égua.  

 

*Resenha do livro: Ponte para o Imaginário: Looney Tunes da Literatura


sexta-feira, 11 de julho de 2025

Lendas Tradicionais Portuguesas

 


            Já conhecemos um pouco dos contos de fadas portugueses. Por que não conhecer suas lendas locais? Lendas Tradicionais Portuguesas traz várias delas. E, como sempre faço quando o livro é de contos, comentarei cada um individualmente antes de dar meu veredito. Comecemos:

A Cabeça da Velha (Arcos de Valdez, Viana do Castelo) – Leonor era uma jovem que vivia com D. Bernardo, seu cruel tio. Ela se apaixonou por D. Afonso, um jovem fidalgo arruinado cujo relacionamento seria visto com maus olhos pelo tio. Marta, a aia, ajudava o casal a se encontrar escondido. Mas D. Afonso veio em um dia não planejado, deu uma carta para Marta entregar a Leonor e a fez jurar não contar para o tio da moça. Ela jurou e caso descumprisse sua palavra, se transformaria em pedra. Tive pena da aia.

O Túmulo dos Quatro Irmãos (Guimarães, Braga) – Quatro irmãos se apaixonaram pela sobrinha do padre. Como ela não decidiu com qual deles queria ficar, os quatro concordaram em disputar sua mão, através de paulada. Pelo título, já se sabe o desfecho da história.

O Conde e a Cabreira (Vila do Conde, Porto e Serra da Cabreira) – Antes da fundação do território português, havia um conde que saiu para caçar. Andou vários quilômetros até chegar numa serra de paisagem magnífica. Lá, encontrou uma bela pastora de cabras por quem se apaixonou. Ambos passaram vários dias juntos até que o conde teve que partir, prometendo voltar para buscá-la. História triste.

Duas Chaves para Lúcia (Chaves, Vila Real) – Quando o imperador romano Tito Flávio Vespasiano chegou à Península Ibérica, encontraram água quente brotando no solo. Eles a chamaram primeiramente de Aquae Flaviae. O primo e procurador do imperador, Décio Flávio, escreveu para cônsul Cornélio Máximo e sua filha Lúcia sobre o local, além de mandar duas chaves para a moça, uma que significa saúde e a outra amor. Apesar de também amar Décio, Lúcia estava aflita devido a uma doença que enfeiara o seu rosto, não sabendo o que fazer com esta declaração. História fofa, mas previsível.

O Milagre da Torre da Princesa (Bragança) – Quando Bragança ainda era uma aldeia, havia uma princesa órfã que morava com o tio. Ela era apaixonada por um jovem de bom coração, que infelizmente era pobre. Num de seus encontros secretos, o rapaz disse que ia sair em busca de fortuna para que o tio da nobre aceitasse o casamento e pediu para a dama esperá-lo. Ela prometeu que iria e ele se foi. Anos se passaram e a princesa recusou todas as propostas de casamento. Cansado de esperar, o tio decidiu casá-la com um amigo a força. Não imaginava que esta lenda teria um lado cômico.

Ramiro e os Encantos da Ria de Aveiro (Aveiro) – Ramiro estava pescando na Ria de Aveiro quando ouviu uma bela voz cantando. Ao andar com seu barco, viu que essa voz vinha de uma linda moça, de cabelos de alga e pele cor de areia, que estava nua da cintura para cima. Ao conversarem, Ramiro declarou o seu amor, mas ela disse que era uma sereia e, infelizmente, era noiva de Tritão. O único jeito deles ficarem juntos seria que ela se transformasse em humana. Amor trágico.

Ardínia, a Princesa Moura (Lamego e Tabuaço, Viseu) – No século X, quando a Península Ibérica ainda era dominada pelos mouros, havia uma bela princesa moura chamada Ardínia. Seu pai sempre a vigiava para que esta não se apaixonasse por nenhum jovem, ainda mais se fosse cristão, pois já prometera sua mão a um príncipe mouro. Mas com os cristãos tentando retomar sua terra, o nome de D. Tedon foi ouvido por Ardínia, que sentiu o desejo de conhecê-lo. História de amor trágica.

As Lágrimas da Princesa da Serra da Estrela (Guarda) – Há muito tempo, nasceu uma linda princesa na serra da Estrela chamada Esmeralda. Quando chegou a mocidade, se apaixonou por D. Diego. Mas depois de um tempo, D. Diego foi obrigado a partir por ordem do rei para enfrentar os mouros. Ela então prometeu esperar. Final bem parecido com a lenda do Conde e a Cabreira. Lição aprendida: nunca prometa a um homem que vai esperá-lo. Estabeleça uma data limite e se ele não voltar até lá, siga com sua vida.

Os Amores de Pedro e Inês (Coimbra) – Em 1340, D. Pedro de Portugal se casou com D. Constança, mas era apaixonado por uma de suas aias, D. Inês de Castro, tendo encontros escondidos com ela. Quando sua esposa morreu, ele passou a viver com Inês. Porém, seu pai, o rei D. Afonso IV, não gostava desse relacionamento por temer a influência castelhana da mulher. Então, mandou executá-la. História bastante conhecida em Portugal. Foi bom saber de mais detalhes apesar de ser um texto curto.

Os Passos de D. Leonor (Peniche, Leiria) – Em Peniche, viveram duas famílias rivais: os Praça e os Outeiro. Um dia, no meio de uma briga com os Outeiro, D. Rodrigo Praça acabou fixando seus olhos em D. Leonor Outeiro de tão bela que ela era. Romeu e Julieta português.

A Gruta de Camões – O poeta Luís Vaz de Camões foi obrigado a viver em Macau, e gostava particularmente de uma gruta, onde é dito que escreveu boa parte de Os Lusíadas. Depois de um tempo, foi obrigado a partir num navio, junto com seus escritos. No navio, ele encontrou uma nativa chamada Tin-Nam-Men. Assim, ambos se apaixonaram, mas algo trágico estava para acontecer. Uma lenda que explica a origem de uma poesia escrita por Camões.

A Torre dos Namorados (Fundão, Castelo Branco) – Num lugar chamado Torre dos Namorados, é dito que havia uma cidade governada por um rei justo, mas tão rígido que os pretendentes de sua bela filha tinham medo de pedir a mão dela. Até que dois jovens valentes decidiram fazê-lo. Para decidir qual deles seria o noivo, o pai propôs que cada um fizesse uma obra que ajudasse o povo e quem terminasse primeiro, se casaria com a princesa. Um final inesperado e cruel.

As Obras de Santa Engrácia (Lisboa) – No século XVII, um homem chamado Simão Pires e uma mulher chamada Violante estavam apaixonados. Mas a família dela não aprovava a relação e a mandou para um convento. Simão deu um jeito de se encontrar com a amada às escondidas, próxima a Igreja de Santa Engrácia.  Ele marcou um dia para fugir com Violante, porém, foi pego pelos guardas do rei, dizendo que este era responsável pelo furto de relíquias da igreja. Uma lenda que conta por que a Igreja de Santa Engrácia demorou trezentos anos para ser reformada, surgindo a expressão “obras de Santa Engrácia” em Portugal, que se refere a algo que nunca fica pronto. Gostei da história, apesar de simples.

De Fátima a Oureana (Ourém, Santarém) – Fátima era uma princesa moura cujo pai construíra uma torre para protegê-la. Apesar de estar noiva de seu primo Abu, se apaixonou à primeira vista por D. Gonçalo Hermingues, cristão que combatia os mouros. Este também se apaixonara por ela e ao saber que esta iria para a Festa das Luzes, arquitetou um plano... Acho estranho uma princesa moura se chamar Fátima. Também acho uma falta de consideração da princesa não sentir nada ao ver seu povo sendo sequestrado pelo seu amado.

A Paixão de D. Lopo de Mendonça (Elvas, Portalegre) – No século XVII, em Elvas, viveu um fidalgo muito festeiro chamado D. Lopo de Mendonça. Quando foi para a Espanha, conheceu D. Mência, por quem se apaixonou. Mas ela já era noiva e seu pai a colocou num convento para impedir D. Lopo que fosse encontrá-la. Mesmo assim, o homem apaixonado planejou fugir com a moça. Outra história trágica. Só que desta vez, o protagonista se sente mal por matar alguém específico.

Almira, a Moura que ficou para trás (Alcácer do Sal, Setúbal) – Quando as tropas de D. Afonso II invadiram uma cidade conquistada pelos mouros, estes fugiram, mas uma menina foi deixada para trás. Os soldados portugueses acolheram a criança e a chamaram de Almira. A garota foi criada como cristã e tinha uma grande habilidade para poesia e música. Ao chegar na idade de casar, não se interessou por ninguém, até conhecer D. Gonçalo.  Uma história sem final.

O Solar da Sempre Noiva (Arraiolos e Évora) – Um noivo teve que partir para a guerra contra os mouros, deixando sua noiva esperando. Anos se passaram e ele voltou para consumar seu matrimônio, mas a mulher disse que estava velha demais para casar e não queria que vissem o seu rosto com rugas. Porém, o homem tinha uma solução... História bonitinha. O livro também possuí outras duas versões diferentes da origem do Solar da Sempre Noiva.

A União de Vila Nova de S. Bento (Serpa, Beja) – Quando Portugal estava sob o domínio espanhol, havia uma jovem nascida em Fonte do Canto que era apaixonada por um rapaz da aldeia vizinha chamada Cabaço de Vaqueiros. Por achar que seu amor não era correspondido, a moça aceitou se casar com um soldado espanhol. Uma lenda ok, com um final feliz, pelo menos para os portugueses.

D. Rodrigo, o Protector dos Enamorados (Loulé) – Na época em que os portugueses enfrentavam os mouros, D. Rodrigo de Mascarenhas estava entre os soldados cristãos e conseguiram acabar com o domínio mouro de Loulé, capturando alguns como prisioneiros. Dentre eles estava o jovem Abindarráez, que estava muito abalado. D. Rodrigo perguntou o motivo e este lhe contou que vivia um amor impossível com uma moura chamada Jarifa e que planejavam se encontrar com ela para fugirem juntos. Mas Abindarráez foi capturado e nada podia fazer. Sentido compaixão pelo rapaz, D. Rodrigo permitiu que ele fosse encontrar sua noiva, com a condição de ambos voltarem como cativos. Às vezes, é bom cumprir promessas. Uma lenda bonita e a única que vi até agora que mostra um português tendo simpatia por um mouro.

O Amor Imortal de Machim (Machico, Madeira) – Antes dos portugueses descobrirem a Ilha da Madeira, o inglês Roberto Manchim, cavaleiro do rei Eduardo III, e Ana de Arfert, dama da nobreza, estavam apaixonados. Mas seu amor era proibido devido às diferentes classes. Então, os dois fugiram num navio com destino a França. Porém, as tempestades e o mar revolto não lhe deram paz e tiveram que parar numa ilha próxima. História trágica.

A Lagoa das Sete Cidades (Ponta Delgada, São Miguel, Açores) – Antes de surgir a freguesia de Sete Cidades, o local era governado por um rei que tinha uma bela filha de olhos azuis. Num passeio que a jovem teve pelos campos, encontrou um pastor de olhos verdes e se pôs a conversar. Se encontraram várias vezes até que o rei descobriu e proibiu a princesa de vê-lo. Mas este lhe deu a oportunidade para uma última visita... Lenda triste que pelo exagero, lembra o final de O Conde e a Cabreira.

            O que há de comum entre essas lendas é o romance entre um casal, muitos deles sendo proibidos e variando entre tragédia e final feliz. E, é claro, todas elas dão origem a algo. Os dois primeiros contos por exemplo, envolvem o surgimento de penedos específicos. O terceiro é um nome de uma serra. O quarto o nome de uma cidade e assim por diante. É isso que a humanidade faz quando não entende um fenômeno ou não sabe explicar algo: ela inventa uma história.

            Outra coisa que notei é um número considerável de lendas envolvendo um romance proibido entre um português e uma princesa moura. Como aqui no Brasil só estudamos a história de Portugal quando este tinha relação com o nosso país, creio que poucos brasileiros sabem que a Península Ibérica foi invadida pelos mulçumanos, que eram conhecidos como mouros, e passou a ser território deles por muitos anos até os portugueses retomarem. Quanto as lendas envolvendo esses casais, muitas delas envolvem a moura abandonar sua fé e seu povo para ficar com seu amado. Nas histórias que li, nenhuma das princesas teve receio de fazer isso para ficar com o seu amor, que era inimigo e lutava contra o seu povo, o que deixou as histórias um pouco rasas. Mas não podia esperar muito já que a maioria das lendas deste livro são ultra românticas.

            Recomendaria este livro para quem deseja conhecer um pouco das lendas das várias regiões de Portugal. As histórias variam de três a seis páginas, bem fáceis de ler. O único problema é onde encontrá-lo. Dá para comprá-lo na Amazon por um preço bem alto. Tive que pedir para meus pais comprarem-no durante uma viagem a Portugal. Uma pena que quase não tem livro de lendas e folclore português aqui no Brasil, afinal, muito de nossa cultura veio de Portugal. Mas se por acaso conseguir encontrá-lo, cuidado ao se apaixonar. Seu amor pode virar uma lenda.


sexta-feira, 4 de julho de 2025

A “Monteiro Lobato” Portuguesa

 


 

            Acredito que muitos leitores tenham lido ou ao menos ouvido falar de Monteiro Lobato. Ele foi o precursor da literatura infantil brasileira, adaptando as obras dos Grimm, Andersen e Lewis Carroll e escrevendo o clássico Sítio do Picapau Amarelo, que possui várias referências a nossa cultura. Vocês sabiam que existe uma pessoa equivalente a Lobato em Portugal? Ana de Castro Osório, nascida em 1872, foi responsável por criar histórias e coletar vários contos orais portugueses, como o livro Contos Tradicionais Portugueses, publicado pela primeira vez em 1908. Como faço na maioria dos livros de contos, analisarei uma história de cada vez e no final darei meu veredito. Comecemos:

História do rei turco – Um pobre pai morreu, deixando como herança para seus três filhos uma velha manta para se cobrirem. Os dois mais velhos decidiram comprar a parte do mais novo. Como este era esperto, aceitou, na condição que ele ficasse no meio. Vendo o quão foram enganados, os mais velhos decidiram sair pelo mundo em busca de riqueza. O caçula pediu para ir junto e que este seria servo dos dois. Eles aceitaram e foram os três viajar até pararem numa laje para descansar. Mas aparece o gigante Rei-Turco, dizendo esta ser a porta do seu palácio. Com medo, os rapazes se desculparam e o rei pediu para virem com ele, pois este lhes daria emprego. Deu lhes comida e os deixou dormir, sem saber que o mais novo estava acordado... O típico conto em que o mais novo se dá bem e os mais velhos invejosos se dão mal. Teve uma parte em específico que me lembrou do conto do Pequeno Polegar. Tem um ponto do conto que pessoas do politicamente correto não irão gostar, que é quando o protagonista se pinta de preto para parecer de outra etnia.

O conto da cabacinha – Uma velhinha foi convidada para ir ao batizado do netinho. Mas tinha medo de ir e ser comida por um lobo. A filha disse para deixar de besteira e ir. A senhora foi e encontrou o lobo, porém disse ao lobo que lhe traria um bolo do batizado e foi se embora. Então, encontrou uma raposa... Um conto meio bobo. O final me lembrou Chapeuzinho Vermelho.

História da menina que deita pedras preciosas dos cabelos – Após a morte de sua mãe, um irmão e uma irmã decidiram percorrer mundo afora. Quando ambos adormeceram debaixo de uma árvore, três damas passaram por eles. Elas se encantaram tanto com a menina que cada uma deu a ela uma benção: a de ter  o rosto mais lindo; a de cair pedras preciosas em seus cabelos e debaixo de suas mãos nasçam flores; e a de onde suas mãos tocassem, surgiria água e peixinhos. A história me lembrou o conto Noiva Galhuda* .

O príncipe das maçãs de oiro – Um rei tinha três filhos e uma árvore que dava maçãs de ouro. Mas quando dava, acontecia um temporal que ninguém tinha a coragem de enfrentar e no dia seguinte, não havia mais maçãs. Até que um dia, o príncipe mais velho se ofereceu para descobrir quem era o ladrão... Vocês realmente acham que o príncipe mais velho tem a chance de ser o protagonista numa história com três irmãos? Claro que não. O mais novo obviamente foi o herói e os dois mais velhos invejosos se deram mal no final. Além desse clichê, tem também o de fazer favores aos outros e do protagonista que desobedece o conselho de um aliado. Pelo menos, na terceira vez, ele aprende e segue o conselho que lhe foi dado e numa das vezes, o herói tinha um bom motivo para não segui-lo.

A fé é que nos salva – Um homem do campo ficou doente e um médico foi atendê-lo. O doutor escreveu a receita e a deitou na areia para secar a tinta. Por fim, mandou o paciente seguir o que estava ali. Um conto cômico.

O criado Pedro – Um padre teve vários criados chamados Pedro e com todos eles deu confusão. Pediu então a uma pessoa encarregada que encontrasse um servo que não tivesse esse nome. Acabou encontrando um rapaz chamado Pedro e pediu para este mudar seu nome para José e servir ao abade. Mas este moço era por má sorte um Pedro das malas artes. Outro personagem que faz literalmente o que pedem e se faz de esperto. É impressão minha ou esse Pedro das malas artes foi referência a Pedro Malazarte?

O príncipe do Lodo – Um rei e uma rainha eram tão teimosos que viviam brigando, até que o rei se cansou e mandou sua esposa para outra terra. No meio da viagem de barco, nasceu o príncipe cuja mãe o chamou de Lodo. Após dezenove anos, eles conseguiram sair da ilha pelo mesmo navio e, por algum motivo, pararam no meio do caminho novamente. O príncipe pediu para ser amarrado e jogado no mar. Lá embaixo, ele encontrou duas belas damas no castelo de conchas com uma delas oferecendo uma tábua de jogo. Não tenho muito o que falar. Um conto de fada típico.

História do senhor Manuel Valente – Manuel Valente era um galego que depois de tanto trabalhar, combinou com seus colegas de voltarem juntos para casa. Até que no caminho, quando estavam passando por uma ponte, um deles olhou para a água e viu a lua refletida. Ele achou que fosse queijo e chamou os outros companheiros para olhar, até Manuel Valente ter uma ideia de como pegá-lo. Conto decepcionante.

Os três galegos – Três galegos foram para Lisboa aprender a falar lisboeta. Cada um ouviu uma frase e ficou repetindo para aprendê-la, até que viram um corpo morto e foram para a justiça. O próprio conto fala qual é a moral: “quem fala sem pensar, nem sabe o valor das palavras.” Uma boa lição, mas senti pena dos personagens.

A raposa e o sapo – A Raposa combinou com o Sapo de semearem trigo juntos. Mas na hora de ceifar, a Raposa disse que não era boa e pediu ao Sapo que arranjasse outro companheiro e para compensar, ela traria uma panela de manteiga para o almoço. O Sapo aceitou e chamou o Texugo para ajudar. Na hora de comer, a Raposa os convenceu comer no dia seguinte e que se acordasse suados, teriam comido a manteiga antes da hora. Os dois foram dormir enquanto a Raposa botava o seu plano em prática. É típico a raposa ser considerada um animal esperto nas histórias, mas aqui, o enganado supera as dificuldades.

A princesa e o pobre aldeão – Um rei e uma rainha tiveram uma filha com dois sinais peculiares: dois cabelos em formato de um colchete e uma colcheta que apertavam seu coração. Decidiram casá-la com quem adivinhasse seus sinais. Vieram vários príncipes, mas nenhum acertou. Até que um pobre aldeão, vendo que a família não tinha mais nenhum tostão, decidiu tentar. Ele embarcou numa jornada até o palácio e no meio do caminho, encontrou um homem com o ouvido encostado na terra. Ao perguntar o que ele estava fazendo, este respondeu que estava ouvindo dois alfaiates a muitas léguas de distância... Um conto em que o protagonista ganha vários aliados pelo caminho que o ajudam a conseguir seu objetivo. Esse em específico, me lembrou o conto O Ignorante do livro O Conto dos Contos - Pentameron**.

O doutor Grilo – Um homem pobre chamado Grilo decidiu esconder a vaca do vizinho e se passar por adivinho. O plano deu certo e o vizinho o recompensou. Só que sua fama chegou aos ouvidos do rei, que o chamou para adivinhar quem foi que roubou o seu tesouro.  Às vezes, os enganadores têm sorte e palavras fora do contexto podem ser interpretadas de outra maneira. Gostei do conto.

A raposa e o gaio – Um Gaio fez o ninho numa árvore bem alta até que uma raposa chegou, dizendo que se não desse um de seus filhotes, cortaria a árvore e comeria a todos. Com medo o gaio o fez. Só que no outro dia, a Raposa voltou, exigindo a mesma coisa do dia anterior... Outro conto em que a raposa é superada em esperteza. Este também possui uma moral no final da história de que “se perde pela vaidade os que mais espertos se julgam”. Também gostei desse conto, apesar da morte de filhotes de passarinho.

A raposa que foi ao galinheiro – Uma raposa rondava o terreno de um rico lavrador em busca de um jeito de comer suas galinhas. Até que viu um pequeno buraco e usou-o para entrar. Primeiramente, ia só estudar o local para planejar melhor, mas ao ver o tanto de galinha, pato e peru, não resistiu e comeu tudo, ficando com a barriga enorme... Nesse conto, a raposa foi esperta e se deu bem.

A afilhada de S. Pedro – Um casal pobre tinha vários filhos , sendo o último uma menina. Envergonhados de terem que pedir para mais um vizinho apadrinhar, o pai foi ao mundo com a menina procurar um padrinho. Até que um mendigo, que na verdade era São Pedro disfarçado, aceitou ser padrinho da menina, na condição em que não dissessem para ninguém que era uma garota, vestindo-a com roupas de menino e a chamando de Pedro. Este conto possui o clichê de uma pessoa invejosa que tenta acabar com o protagonista dizendo que este é capaz de fazer tarefas impossíveis, mas o ajudante mágico do herói ajuda a cumprir estas missões. Apesar disso, achei a história boa, só não gostei da parte em que o homem velho se casa com a moça jovem.

A amendoeira e o diabo – Era janeiro e o diabo estava entediado. Foi então para Terra ver como estavam as coisas. Viu que a amendoeira já havia florescido e como ele era guloso, decidiu esperar os primeiros frutos amadurecerem para ser o primeiro a pegar. Essa é a primeira vez que vejo o diabo sendo enganado por uma planta.

Os três grãos de milho – Um homem vivia preocupado com sua esposa, pois ela não comia nada a não ser três grãos de milho. O amigo sugeriu que ele se escondesse no telhado para ver se a mulher não estava escondendo nada. Ele gostou da ideia e falou para esposa que ia viajar e pôs o seu plano em prática. Um conto meio bobo.

O compadre do diabo – Um homem pobre tinha um compadre muito rico. Ele era o diabo, mas o homem não sabia disso. Um dia, o diabo lhe fez uma proposta: o homem podia semear o que quisesse em seu campo, desde que ele ficasse com o que estivesse embaixo e o homem ficasse com o que tivesse em cima. Adoro histórias em que a pessoa engana o diabo.

O tolo e as moscas – Um homem meio doido estava cansado das moscas pousarem em sua cabeça raspada e foi a um juiz prestar queixa contra elas. O juiz, que já o conhecia, quase riu, mas o atendeu com seriedade, dizendo que toda vez que o homem visse uma mosca, podia dar lhe uma palmada. O juiz devia ter tido cuidado com as palavras...

Sumido sejas tu como o vento – Num reino, havia uma princesa muito estimada por todos. Um dia, quando brincava com seu noivo de pique-esconde, a jovem não o achava e, irritada, falou: “Sumido sejas tu como o vento!” E o príncipe sumiu, não o achando em lugar nenhum. Depois de um tempo, a moça foi ao jardim cortar uma flor para pôr no cabelo até que ouviu uma voz perguntando se preferia passar os trabalhos em nova ou em velha. Conto que mostra a rivalidade entre um pai e seu genro, fazendo a garota escolher entre os dois.

Março Marçagão – Uma mulher era muito preguiçosa e não gostava de trabalhar enquanto seu marido dava um duro danado. Ele sempre pedia para ela coser, mas ela sempre dava uma desculpa, até que ele falou que Março Marçagão iria aparecer e que se não tivesse meadas, ela iria pagar... Este conto com certeza seria cancelado pelas feministas. Pelo que pesquisei, Março Marçagão vem do ditado popular português “Março marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão” que descreve o clima imprevisível do mês de março.

            São contos bons. Alguns têm aqueles mesmos clichês que já vi em contos de fada, mas teve outros que achei interessante, como o das histórias em que a raposa se dá mal, pois mostra que, algumas vezes, quem se acha esperto e tenta dar o golpe em outro, pode se dar mal, e que alguém pode superá-lo em esperteza. Também gostei dos textos que um personagem fala uma frase e é interpretado de outra forma como em A fé é que nos salva e O doutor Grilo.

            Algo que se deve ter em mente quando ler este livro é que a autora é portuguesa, por isso, terão algumas palavras que nós não iremos entender. Como por exemplo quinteira e saloio. Tentei procurar o significado de coifa, mas não tive sucesso.

            Recomendo a leitura deste livro a todos que queiram conhecer alguns dos contos de fadas portugueses. Se deseja ler este ou qualquer outro livro da autora, te desejo sorte, pois os livros lançados dela aqui no Brasil são raros. Este volume que analisei foi comprado em Portugal. Mas se conseguir obtê-lo, cuidado. Não seja enganado pela raposa.

 

*Resenha do conto Noiva Galhuda: Ponte para o Imaginário: Os Melhores Contos de Fadas Nórdicos

**Resenha do livro O Conto dos Contos - Pentameron: Ponte para o Imaginário: Pentameron