sexta-feira, 7 de março de 2025

Instinto e Programação

 



          Tivemos muitas histórias envolvendo homens se perdendo na selva e tendo que usar a inteligência para sobreviver. O que aconteceria se quem se perdesse fosse um robô? O livro Robô Selvagem, escrito por Peter Brown em 2016, apresenta essa questão. Ele é o primeiro de uma coleção de três obras publicadas até agora. Também possui uma adaptação cinematográfica lançada em 2024 que foi indicada ao Oscar de Melhor Animação e, como é de se esperar, não é uma cópia exata do original, mas as lições continuam intactas e recomendo que assistam.

            Um navio cargueiro afundou e apenas uma de suas cargas conseguiu resistir, sendo levada até uma ilha. Dentro da caixa, havia uma robô chamada ROZZUM, ou apenas Roz, que foi ligada após lontras curiosas mexerem em seu caixote. Sem nenhum humano ou civilização para lhe dar comandos, Roz terá que se adaptar à vida selvagem para sobreviver aos seus perigos.

         Interessante como o autor conseguiu encontrar uma semelhança entre um ser criado artificialmente e seres naturais e ainda colocar em um livro para crianças. Roz é programada para aprender, se adaptar e não pode machucar os outros. Isso é algo que está dentro dela e que a fez permanecer viva na ilha. É muito parecido com os instintos que os animais possuem. Eles nascem com esse “sexto sentido” programado na cabeça que os permitem viver no ambiente selvagem.

            Mas, saindo um pouco da realidade de como funcionam animais e inteligências artificiais, Robô Selvagem vai também muito para o aspecto fantástico em como Roz aprende a língua dos animais e que apesar de seus instintos, eles são bem humanizados, possuindo emoções complexas e inteligência quase a nível humana. Roz também vai ganhando humanidade conforme passa tempo com os bichos. Dar características de pessoas a outros seres ou coisas é algo comum, principalmente na mídia infantil. Porém, gostaria que eles não fossem tão humanizados assim, como por exemplo um veado saber construir um jardim. Isso foi um pouco demais.

Outro ponto que achei passível de crítica é como os gansos, que migram todo o inverno, não saberem o que são seres humanos e robôs. Dá para entender o porquê dos outros animais não terem esse conhecimento já que vivem numa ilha que, aparentemente, nunca foi tocada por homens ou máquinas, mas os gansos viajam todo o inverno e nunca se depararam com eles no caminho antes. Achei essa parte sem sentido, mesmo para um livro fantasioso.

            Acredito que a lição que a maioria dos leitores irá captar desse livro é como se adaptar a um lugar e ser aceito pelos que vivem nele. Roz é vista primeiramente como um monstro, um ser que eles nunca viram e que não precisa comer para sobreviver. Mas após ela adotar um filhote de ganso e pedir por ajuda sendo educada e retribuindo um favor por outro, os animais começam a respeitá-la e até mesmo gostarem dela. Através da educação e da calma se consegue mais coisas do que sendo agressivo e impaciente.

         Um livro bonitinho. Recomendo sua leitura para crianças. Assim como a Roz, somos programados para aprender e uma boa leitura pode nos proporcionar um grande aprendizado.


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Lavando as manchas do seu coração

 


            Já li romances japoneses. Por que não leria um coreano? O livro A Incrível Lavanderia dos Corações foi escrito por Yun Jungeun em 2023. Vamos para o resumo:

            Numa vila mágica, onde as pessoas não possuíam nenhum sentimento negativo, uma menina nasce com dois dons: o de apaziguar o sentimento dos outros e o de realizar desejos. Ao descobrir isso, a menina desmaia e quando acorda, seus pais haviam desaparecido. Ela tenta usar o seu dom de realizar desejos para encontrá-los, renascendo várias vezes em épocas diferentes. Porém, não obteve sucesso. Até que por fim, ela decide usar seus dons para curar o coração das pessoas, surgindo assim a Lavanderia dos Corações. Mas será que ela conseguirá lavar a mancha de seu próprio coração?

            Como diz o resumo acima, o livro se trata de Jieun, o nome que a protagonista se dá nessa nova vida, aliviando o coração atormentado dos outros enquanto ela vai aprendendo a lidar com suas próprias amarguras. Apesar de Jieun ser a principal, a história apresenta pontos de vistas de outros personagens, que em sua maioria, são clientes da lavanderia, apresentando também suas memórias dolorosas. Isso é um bom recurso literário para fazer o leitor ter empatia por eles e sentir aliviado ao vê-los felizes.

            Acredito que a grande lição do livro é que não devemos focar só no passado. Devemos viver o presente e ter perspectiva para o futuro. Jieun vivia tão triste por não encontrar os seus pais que esquecia do presente e das pessoas que viviam a sua volta. Existem erros que não podem ser consertados. O jeito é seguir em frente e tentar não os cometer novamente. Assim, a mancha da amargura vai aos poucos desaparecendo.

            Mesmo não sendo um livro muito grande, demorei para lê-lo. Talvez por ser muito introspectivo. Ainda assim, foi uma boa leitura e recomendo. E lembre-se: se está passando por uma situação ruim, pode levar dias, meses e até anos, mas ela vai passar. Não deixe que essa mancha cresça e envolva completamente o seu coração. Siga em frente.


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Ferreiro do Bosque Maior

 


            Muitos conhecem o autor J. R. R. Tolkien por ter escrito a trilogia do Senhor dos Anéis e O Hobbit. Mas que outras obras ele fez fora dessas clássicas fantasias? Ferreiro do Bosque Maior é um conto escrito em 1967. A princípio, era para ser uma introdução do livro A Chave Dourada de George MacDonald, que Tolkien foi convidado a escrever e acabou virando uma história.

            Bosque Maior era uma vila que valorizava bastante a culinária e o Mestre-Cuca era respeitado por todos. Mas quando este vai embora, a vila teve que escolher outro no lugar pois seu aprendiz Alf não tinha idade para assumir. Colocaram Carvalheiro, um homem cuja habilidade para a cozinha era medíocre. Em um dos eventos do local, Carvalheiro decide colocar uma estrela de prata no bolo, que o pupilo diz ser de Feéria e recomendou que não o fizesse. Mas ele fez e um garoto engoliu a estrela. O que será que vai acontecer com esse menino?

Esperava um pouco mais deste conto por ter sido escrito por um autor de grande renome. Achei a história meio parada. Em nenhum momento, o protagonista passou por um enorme perigo.

Um conto mediano de leitura rápida. A lição de deixar algo para que uma próxima geração possa também aproveitar é bonita. Se deseja conhecer, torça para que sua fatia de bolo venha com uma pequena estrela prateada.

 


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Para ganhar algo, precisa perder outra coisa em troca


            Me pergunto se a popularidade dos doramas impulsionou a vinda de livros do leste asiático. Não duvido de nada. Se os Gatos Desaparecessem do Mundo foi escrito por Genki Kawamura em 2012 e traduzido para o Brasil em 2024. Possui uma adaptação cinematográfica que estreou em 2016. Vamos para a resenha:  

            Um carteiro descobre que está com um tumor no cérebro e tem poucos dias de vida. Ao acordar em sua casa, encontra alguém de mesma aparência que a dele, dizendo ser o Diabo. O Diabo conta que ele vai morrer amanhã e faz uma proposta para o carteiro: para cada coisa que ele escolhesse desaparecer do mundo, ele ganha um dia de vida. O homem aceita.

A premissa do livro me atraiu para sua leitura. Uma pena que minhas expectativas não foram correspondidas. Primeiramente, tenho que dizer que esse acordo que o protagonista fez com o Diabo não foi cumprido devidamente. O Diabo disse que o homem escolheria o que deveria desaparecer, mas quem acabava escolhendo era o próprio Diabo.

 Em várias histórias em que o personagem faz acordo com o Diabo ou outra entidade maligna acontece das duas uma: o ser cumpre exatamente o que foi prometido e cobra o que o outro lhe deve. No entanto, o herói dá um jeito de se safar e não cumprir a promessa; a entidade cumpre o pacto, mas faz o herói se arrepender do trato, pois o seu pedido lhe causa malefícios. Este livro cai na segunda categoria. Mas esperava que os desejos tivessem consequências maiores, como por exemplo desejar que todos os telefones sumissem. Isso teria resultados gravíssimos para a humanidade. Porém, o romance só foca em como isso afeta o protagonista, o que não é algo ruim, mas teria sido mais impactante se também mostrasse como as outras pessoas reagiriam. Ao invés disso, parece que elas nem ligam para o fato de os telefones desaparecerem e vivem suas vidas como se nada tivesse acontecido. 

            Quanto aos personagens, o carteiro é uma pessoa sensível, cuja mãe faleceu há alguns anos e tem desavenças com o pai. Seu único companheiro de casa é o gato Repolho. A narrativa é contada por ele, que está escrevendo o que lhe ocorreu antes de falecer. Enquanto o Diabo tem aquela personalidade travessa, mas não tão maliciosa. Aqui, ele é como se fosse um servo de Deus, que de vez em quando faz apostas com o Senhor para testar os humanos. Uma adaptação interessante que quase nunca vejo representada.

            O livro tem lições bonitas, mas a minha grande expectativa fez com que não gostasse tanto dele. Se você quiser embarcar nessa leitura, vá esperando um livro curto com o foco mais introspectivo. E pense bem antes de fazer acordo com o Diabo.